Segundo a Organização
Mundial da Saúde, somente 50% dos doentes crônicos seguem o tratamento.
Em pacientes com diabetes, a baixa aderência pode aumentar em 125% os
custos com a doença. O problema é tão grave que grandes companhias já
contratam empresas para garantir que seus funcionários tomem
religiosamente seus medicamentos
Aretha Yarak
Adesão ao tratamento: de acordo com estudo americano, o
abandono dos medicamentos resulta em 125.000 mortes todos os anos nos
Estados Unidos
(Thinkstock)
Um dos maiores problemas de saúde pública mundial é que boa parte dos
portadores de doenças crônicas não tem acesso aos medicamentos
necessários para o tratamento. Entre os que têm acesso, porém, a baixa
adesão ao tratamento é preocupante e constitui uma questão igualmente
grave. De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), apenas
metade dos pacientes com doenças crônicas faz o tratamento
corretamente. Estima-se que apenas nos Estados Unidos esse comportamento
resulte em 125.000 mortes todos os anos. Os baixos índices de aderência
não prejudicam apenas a saúde do próprio paciente. A descontinuidade
terapêutica também pesa nos cofres públicos e no bolso do contribuinte.
Segundo pesquisa publicada no
Journal of Managed Care Pharmacy,
uma publicação da Academia de Assistência Farmacêutica Gerenciada dos
EUA, a baixa adesão de pacientes diabéticos aumenta em 125% os custos
médicos com a doença. No Brasil, as pesquisas sobre o assunto ainda são
incipientes, e sabe-se muito pouco sobre como os baixos índices de
aderência afetam os cofres públicos.
Por definição, as doenças crônicas são silenciosas e se desenvolvem
lenta e progressivamente. Isso significa que nos primeiros anos seus
portadores não costumam apresentar sintomas ou complicações. Os sinais
iniciais da doença tendem a surgir mais tarde, quando os órgãos já estão
comprometidos. Essas doenças, a exemplo do diabetes, da asma e da
hipertensão, não têm cura, mas podem ser prevenidas e controladas com a
adoção de tratamentos adequados. É aí que entra um dos grandes problemas
atuais da saúde pública: cerca de 50% dos pacientes não consegue
cumprir com as recomendações médicas, sejam elas apenas a ingestão de
remédios ou ainda mudanças nos hábitos de vida.
Tuberculose
Quando vale a pena pagar para o paciente se tratar
A doença é causada bactéria Mycobacterium tuberculosis, que
se propaga pelo ar. A tuberculose afeta normalmente os pulmões, mas pode
atingir quase todos os órgãos do corpo. O tratamento é feito com o uso
de antibióticos, que devem ser tomados por, no mínimo, seis meses. O
abandono ou a irregularidade no tratamento reduz as chances de cura,
agravando a doença e podendo levar o paciente à morte. O doente sem
tratamento é um risco à saúde pública, já que é uma fonte permanente de
bacilos e pode transmitir a doença a outras pessoas.
De acordo com o Ministério da Saúde, em 2010 foram detectados 88% das
ocorrências da doença, com um indicador de cura de 73,2%. Atualmente são
detectados 70.000 novos casos por ano. Um dos maiores problemas no
tratamento da tuberculose é a adesão do paciente ao tratamento. Após os
primeiros meses, quando o paciente já se sente saudável, há grande risco
de abandono — a terapia exige a ingestão de mais de um antibiótico
diariamente pelo prazo determinado pelo médico. O abandono e o
tratamento irregular são as principais causas da tuberculose
drogarresistente. Em geral, ela exige terapias mais prolongadas (de 18 a
24 meses), muito mais caras e que apresentam taxas de cura bem
inferiores às observadas no tratamento básico.
A adesão é tão importante para sanar a doença, que alguns governos têm
investido em programas de estímulo ao paciente. De acordo com a
Secretaria de Saúde da cidade de São Paulo, por exemplo, o tratamento na
capital segue a estratégia recomendada pela OMS, o Tratamento
Diretamente Observado (TDO). Nele, o paciente é atendido diariamente,
com o medicamento ingerido na presença do profissional da saúde. São
Paulo incentiva o tratamento com a entrega de uma cesta básica mensal
para os doentes em TDO e com o fornecimento de vale transporte.
Estima-se que 6.000 novos casos apareçam todos os anos na capital
paulista, e outros 1.000 passem por retratamento.
A Organização Mundial de Saúde estipulou para 2015 a redução nas taxas
de abandono no tratamento da tuberculose para menos de 5%. Atualmente,
as taxas no Brasil são de 10%.
"Pagando para se sentir mal" — De acordo com os
especialistas ouvidos pelo site de VEJA, as causas da baixa adesão podem
variar muito, mas há três pontos essenciais: o paciente não compreende
corretamente a doença (e, por consequência, a necessidade de se
medicar), sofre algum efeito adverso ao tomar o remédio ou não
simplesmente não tem acesso às drogas necessárias. De acordo com Elias
Knobel, cardiologista clínico e vice-presidente da Mesa Diretora do
Hospital Albert Einstein, há casos de pacientes com hipertensão que
ainda não apresentam sintomas, por exemplo, mas que, com o início das
medicações, podem começar a ter perda de libido. "Em uma visão imediata e
errônea, o paciente, que ainda não sentia nada, se vê pagando para se
sentir mal", diz. Como consequência, ele acaba abandonando o tratamento.
Pesquisa publicada no
The New England Journal of Medicine, em
2005, aponta ainda que os médicos também têm sua parcela de culpa pela
baixa adesão ao tratamento. Segundo o estudo, eles falham quando há a
prescrição de terapias complexas, não conseguem explicar corretamente os
benefícios e os efeitos colaterais da medicação, desconsideram o estilo
de vida do paciente ou o custo dos remédios e mantêm uma relação
terapêutica pobre com o paciente. "Por isso, bato na tecla: o médico
precisa ter tempo para falar com o paciente. Só assim ele vai conseguir
explicar e entender as necessidades dele", diz Knobel. A medicina
praticada no Brasil hoje, no entanto, caminha pela contramão: as
consultas tendem a durar, em média, somente 15 minutos.
Impacto econômico — Estima-se que, nos Estados Unidos,
de todas as admissões hospitalares relacionadas com o uso de remédios,
de 33% a 69% se devem à baixa adesão aos tratamentos medicamentosos.
Essas internações custam aproximadamente 100 bilhões de dólares por ano.
De acordo com o Instituto IMS Health, do total de custos que poderiam
ser evitados, a não adesão corresponde a 57%. No Brasil, não há
levantamentos que apontem quais os prejuízos que o problema acarreta aos
cofres públicos. Se os resultados americanos fossem extrapolados para o
Brasil, considerando que em 2012 o orçamento do programa Saúde Não Tem
Preço, do Ministério da Saúde, foi de 1,3 bilhão de reais, 650 milhões
de reais teriam sido gastos com pacientes crônicos que não tiveram
adesão ao tratamento — e, portanto, terão complicações futuras,
engrossando a conta de hospitais.
Já um estudo publicado em 2008 no
Journal of Managed Care Pharmacy
aponta que, em pacientes com diabetes, quando a adesão ao tratamento é
de 80% a 100%, os custos médicos totais são de 4.000 dólares. Mas quando
essa adesão cai para níveis de 1% a 19%, os custos saltam para 9.000
dólares — um crescimento de 125%. Levantamento brasileiro feito na
cidade de Passos, em Minas Gerais, como tese de doutorado apresentada em
2011 na Universidade de São Paulo, demonstra que apenas 1,4% dos
pacientes com diabetes conseguiu aderir completamente ao tratamento —
que inclui medicação, atividade física e planejamento alimentar. De
acordo com a OMS, no continente europeu o desenvolvimento de
complicações vasculares por diabetes respondeu por um aumento de 2 a 3,5
vezes com os gastos totais com a doença. "Os custos diretos com
complicações atribuídas ao baixo controle do diabetes são de três a
quatro vezes maiores, quando comparado a situações nas quais há o
controle da doença", afirma o relatório do órgão.
Na hipertensão, doença que atinge cerca de 600 milhões de pessoas no
mundo, a tendência é basicamente a mesma. Uma pesquisa de 2010 publicada
no periódico
Circulation mostra que a não adesão ao tratamento
acontece com mais de 60% dos pacientes com problemas cardiovasculares.
No caso específico da hipertensão, dos pacientes que conseguem manter o
tratamento nas fases iniciais, mais de 50% tendem a parar com a
medicação dentro de seis a 12 meses — período que coincide com a
estabilização da pressão. "Como os remédios para hipertensão são
distribuídos gratuitamente pela rede pública, acredita-se que o problema
de adesão esteja resolvido no Brasil. A verdade é que a adesão continua
ruim, porque ela não depende só do preço", diz Decio Mion, chefe da
Unidade de Hipertensão do Hospital das Clínicas de São Paulo e coautor
do livro
Adesão ao Tratamento — O Grande Desafio da Hipertensão.
Pílula monitorada — A falta de adesão ao tratamento é
um mau negócio não apenas sob o aspecto de saúde, mas também sob o
financeiro. Hoje existem empresas que lucram fazendo com que
funcionários de grandes companhias sigam religiosamente seus
tratamentos. Fundada em setembro de 1999, a empresa paulista ePharma
atua em um nicho de negócios promissor no Brasil
— o do
chamado Pharmacy Benefit Management, ou PBM (os brasileiros, para
manter a sigla, batizaram essa política empresarial de "programa de
benefício de medicamento"), Sua função é organizar um benefício extra
aos funcionários de empresas terceirizadas: desconto em farmácia e
acompanhamento das terapias. A empresa é responsável por gerir as listas
de medicamentos subsidiados e, em alguns casos, ligar para o paciente
para dar esclarecimentos e apoio no tratamento. Com mais de 150
clientes, 18.000 farmácias conveniadas e presente em mais de 2.000
municípios, a empresa nacional espera movimentar 45 milhões de reais em
2013.
"Nossos clientes são grandes corporações que já conseguem entender a
importância de prover ao doente crônico o acesso aos remédios e,
principalmente, promover sua adesão ao tratamento", diz Luiz Monteiro,
médico e presidente da Associação Brasileira das Empresas Operadoras de
PBM (PBMa). Segundo ele, quase 3 milhões de brasileiros já recebem esse
tipo de benefício no Brasil, atendidos por alguma das quatro empresas do
setor. Entre os clientes da ePharma está a Petrobras, que subsidia
medicamentos — com descontos de 100% a 50% — há cinco anos para todos os
seus colaboradores e dependentes. "Os medicamentos de alto custo, como
os oncológicos, que não podem ser encontrados em farmácia, são entregues
em domicílio", diz Pedro Oliveira, médico e gerente clínico do Programa
de Gestão de Risco em Saúde da ePharma.
A empresa atende ainda planos de saúde, como a operadora baiana
Promédica. Nesse caso, no entanto, o serviço é mais especializado: de
10% a 15% dos 120.000 conveniados recebem periodicamente ligações de uma
equipe multidisciplinar para conversar sobre o tratamento. "A
periodicidade com que essas ligações são feitas depende da gravidade
estado do paciente. Elas podem ser feitas de duas vezes por semana a uma
vez a cada três meses", diz Oliveira. As ligações duram, em média, 20
minutos e podem ser feitas por nutricionistas, psicólogos, farmacêuticos
ou médicos, dependendo da necessidade do paciente. A preocupação faz
sentido. Levantamento de coautoria de Décio Mion, feito no Hospital das
Clínicas de São Paulo com 354 pacientes hipertensos e publicado no
periódico
Clinics, mostrou que as orientações
multidisciplinares via telefone foram efetivas para conseguir a adesão
ao tratamento. "Para uma boa resposta no tratamento, é preciso que se
façam ações conjuntas, que se adotem medidas que abordem todos os
aspectos da terapia", diz.