Falta de serviço especializado na rede pública dificulta o tratamento.
Psicóloga reconhece que atendimento não é o ideal, mas ressalta melhoras.
Lidar com os sintomas mais graves em pessoas com autismo, como a
agressividade, é uma preocupação comum a muitas famílias que convivem
com o transtorno. Em Alagoas,
a situação fica mais difícil diante de uma estrutura de diagnóstico e
tratamento ainda precária. Há poucos centros de atendimento específico
na rede pública estadual e, em casos extremos, os pacientes vivem
amarrados em uma cama ou trancados em um quarto.
Adolescente passa a maior parte do dia amarrado na cama do abrigo. (Foto: Michelle Farias/G1)
É o caso de um adolescente de 14 anos que mora no Lar Santo Antônio de
Pádua, localizado no Conjunto Village Campestre, no bairro Cidade
Universitária, em Maceió. Ele é autista, morava com o irmão e o pai e
passava a maior parte do tempo trancado no quintal de casa. Como o pai trabalha durante o dia e não tem como cuidar do garoto, ele foi para o abrigo.
“Ele já passou por vários psicólogos e psiquiatras e foi diagnosticado
com o grau mais avançado da doença. Como não temos pessoas suficientes,
ele fica amarrado para não tirar a própria vida. Ele é agitado e pode
bater a cabeça na parede até sangrar. Sei que é triste, mas fazemos o
possível. Ele toma medicações, mas ainda assim precisa ficar amarrado.
Eles são atendidos pela rede pública, mas o atendimento é muito ruim, os
médicos só passam remédios”, afirma Frei José, responsável pelo abrigo.
De acordo com o Frei José, as famílias dos autistas que estão no abrigo
quase nunca aparecem. "A maioria nem recebe visita. O único que recebe é
o adolescente que ficava trancado no quintal de casa, mas de uns tempos
para cá o pai não está vindo muito. É muito triste porque os pais não
sabem como lidar com a doença e aqui nós fazemos de tudo para que eles
tenham conforto, carinho e segurança", afirma.
Adolescente divide o quarto com quatro garotos; um deles também fica amarrado. (Foto: Michelle Farias/G1)
O Estado não dispõe de nenhuma unidade de saúde especializada em
autistas, mas apoia as unidades municipais e privadas. De acordo com a
Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), uma portaria publicada em 2011
estabeleceu que esse tipo de atendimento é de responsabilidade das
prefeituras. "Nós prestamos consultorias e capacitamos os profissionais.
Não temos nenhum centro específico para atender a essas pessoas, esse
tipo de atendimento é de responsabilidade do Município", diz o gerente
de Saúde Mental de Alagoas, Berto Gonçalo.
De acordo com assessoria de comunicação da Sesau, a Rede de Atenção
Psicossocial do Estado de Alagoas deve incluir novos serviços para, a
partir de 2015, atender a pessoas autistas junto à família e comunidade e
de maneira integral.
Em Maceió,
segundo a psicóloga Silvana Alcântara, da coordenação de Saúde Mental
da prefeitura, oito instituições são credenciadas para atender a pessoas
com autismo, mas apenas três oferecem tratamento diferenciado: dois
Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) e a Associação de Pais e Amigos
dos Excepcionais (APAE), que inaugurou em abril deste ano o Centro
Unificado de Integração e Desenvolvimento do Autista (CUIDA). As outras
unidades são ONGs que possuem convênio com o Município.
"Reconheço que o atendimento não é ideal, mas essa realidade não é
apenas em Alagoas, é em todo o Brasil. O município tem convênios com
ONGs, mas é preciso mais locais para atender a todos os casos", avalia a
psicóloga. Para quem tem autismo, cada minuto é significativo. Quando o
diagnóstico é tardio, a doença piora e fica muito complexa a
intervenção. Quando o diagnóstico é fechado, é possível procurar
atendimento na rede pública, mas a demora nesse atendimento varia de
caso para caso", afirma a psicóloga.
O atendimento a esses pacientes é composto por psicólogos, psiquiatras,
enfermeiros, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, entre outros.
Entretanto, o Município não soube informar a quantidade exata de
profissionais na área ou mesmo o número de vagas disponíveis e a demanda
do setor. Questionada sobre possíveis melhorias no atendimento a esses
pacientes, a Secretaria Municipal de Saúde também não informou se havia
algum planejamento neste sentido.
O
G1 visitou algumas unidades que oferecem tratamento
específico a autistas. De acordo com a psicóloga e coordenadora geral do
CUIDA, Fabiana Lisboa, o Centro conta com 28 profissionais divididos em
assistente social, técnicos em enfermagem, psicólogos, terapeuta
ocupacional, terapeuta de integração sensorial, fisioterapeuta,
fonoaudiólogos, pedagogos, educador físico, musicoterapeuta,
nutricionista, psiquiatra e neuropediatras.
O Centro atende a cerca de 100 pacientes por mês e aposta em uma
terapia com objetivos bem definidos e em sintonia com médicos,
terapeutas, família e escola, utilizando métodos específicos para o
transtorno do espectro autista. O CUIDA funciona hoje com a sua
capacidade máxima de pacientes, mas quem quiser pleitear uma vaga, pode
entrar com o serviço social da APAE pelo telefone (82) 3435-1461.
Crianças com autismo faz atividade em associação que oferece tratamento. (Foto: Michelle Farias/G1)
Na Associação dos Amigos dos Autistas (AMA-AL), o principal problema
apontado do tratamento na rede pública é a precariedade do sistema e a
quantidade de vagas disponíveis. “Eu tenho um filho autista e senti na
pele a falta de especialização. Às vezes, não é nem por má vontade, é
porque a qualificação é muito cara. Sentindo a necessidade de um
atendimento específico, fundamos a AMA. Tudo que temos aqui são os pais
que trazem e bancam, porque não encontramos na rede pública”, afirma a
presidente da associação, Mônica Ximenes.
Os pais são os primeiros a notar que alguma coisa está diferente com o
filho, como um gesto não correspondido ou a falta de reação a um
estímulo. Outras vezes, quem percebe que há algo errado são parentes,
amigos ou professores. “Quem dá o diagnóstico do autismo é um psiquiatra
e na rede pública há poucos, por isso muitos pais sofrem sem saber o
que o filho tem. Justamente por falta de qualificação, muitos
profissionais não fecham o diagnósticos e enchem as crianças de
remédios”, alerta Mônica.
Atividades em grupo desenvolvidas na AMA (Foto: Michelle Farias/G1)
A diretora pedagógica da AMA, Silvia Costa Souza, tem um filho de cinco
anos com autismo. Ela conta que morava na cidade de São Miguel dos
Campos, mas teve que procurar atendimento específico em Maceió na
tentativa de dar um serviço de qualidade para o filho. “Tive que
procurar médicos fora e foi quando o meu filho foi diagnosticado. Soube
que em Maceió tinha a AMA e não pensei duas vezes. Aqui nosso
atendimento é individualizado, cada caso é pensando é bem planejado.
Trabalhamos com os nossos filhos, para que eles tenham autonomia”,
afirma.
Segundo Sílvia, as atividades específicas e direcionadas são
fundamentais para que as pessoas com autismo conquistem essa autonomia.
“Para que elas aprendam a comer de garfo e faca, uma atividade comum
para crianças normais, aqui é preciso vários dias de repetições para a
criança de fato aprender", diz.
Aplicativo
Estudantes e pesquisadores da Instituto Federal de Alagoas (Ifal)
criaram um aplicativo para tablets direcionado a crianças que tem
espectro autista. O ABC do Autismo é um jogo baseado em estudos de
psicolinguística criado para facilitar a aprendizagem de crianças e
jovens. Segundo o instituto, o aplicativo já foi apresentado em feiras
de informática e teve boa aceitação – já teriam sido mais de 10 mil
downloads na loja virtual Google Paly, onde está disponível para
plataformas Android.
“São atividades que as crianças podem formar palavras, reconhecer
objetos e animais. Ele teve uma aceitação muito grande e está sendo um
ótimo aliado no aprendizado. Existem outros aplicativos que estão sendo
desenvolvidos por alunos do Ifal para pessoas autistas e pessoas com
dificuldades de aprendizado”, afirma a professora do instituto, Mônica
Ximenes.