Decisão
baixa o limite mínimo de peso para esses pacientes recorrerem à
cirurgia, sob a alegação de que isso vai ajudar a controlar o diabetes
Por
Theo Ruprecht e o Chloé Pinheiro
Agora mais diabéticos terão acesso à cirurgia
bariátrica. Mas isso é bom ou ruim? (Ilustração: O. Silva / Foto:
Gustavo Arrais/SAÚDE é Vital)
A
cirurgia bariátrica não visa só o emagrecimento. Há algum tempo, o Conselho Federal de Medicina (CFM) liberou seu uso para pacientes que não conseguem controlar o diabetes tipo 2,
desde que tenham um índice de massa corporal (IMC) acima de 35 –
ensinamos a calcular o seu valor no fim da reportagem, mas estamos
falando de casos de casos de obesidade severa.
A novidade? Um parecer da mesma entidade acaba de liberar a técnica
para vítimas dessa doença com IMC entre 30 e 34,9, considerados obesos
de grau 1. Ou seja, para diabéticos do tipo 2 menos cheinhos.
Antes de entrar na decisão em si e na polêmica por trás dela, convém
dar magnitude à mudança com um exemplo. Um indivíduo com níveis de
glicose descontrolados de 1,75 metro teria de pesar 107 quilos para
chegar àquele limite de 35. Agora que o sarrafo mínimo do IMC baixou
para 30, esse mesmo enfermo poderia ir para a faca a partir dos 92
quilos.
“Estimamos que 70 a 80% dos diabéticos do tipo 2 têm menos do que 35
no IMC. Nem todos são candidatos para o procedimento, mas o acesso ao
tratamento foi ampliado”, defende o cirurgião Ricardo Cohen, coordenador
do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo.
Para justificar a mudança, o relatório do CFM reitera que essa
operação ajuda, sim, a reduzir as taxas de glicose. Primeiro porque,
claro, ela contribui para a perda de peso, uma medida fundamental no
manejo do diabetes tipo 2.
Segundo porque estimula a produção de substâncias corporais que, no fim
das contas, reduzem a resistência à insulina e preservam o pâncreas, o
órgão que produz esse hormônio.
Em um parecer que serviu de base para o documento do CFM, membros da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica
– assim como de outras instituições – escrevem que, segundo trabalhos
científicos, o tratamento cirúrgico normaliza a glicemia de diabéticos
em 81% das vezes em um período de três anos. Outro artigo associa o
procedimento a níveis glicêmicos normais durante ao menos dez anos em
36% dos casos.
Além disso, outros países que já aderiram a essa alteração foram
usados de exemplo. A Inglaterra e os Estados Unidos estão entre eles.
Mas calma! A decisão não agradou a todos – e ainda é cheia de restrições, como você verá agora.
O outro lado da história
A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem) e a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso)
também haviam enviado uma nota ao CFM sobre o assunto. No entanto,
essas instituições eram contrárias à redução do limite no IMC de 35 para
30.
No comunicado, critica-se alguns dos estudos levantados para ampliar a
recomendação da cirurgia bariátrica aos diabéticos. Eles, por exemplo,
avaliariam um número pequeno de pacientes com IMC entre 30 e 34,9.
Mais: faltam dados sólidos sobre a mortalidade dos indivíduos com
diabetes tipo 2 submetidos à técnica, assim como na redução de encrencas
como infarto e AVC – o próprio comunicado do CFM admite isso. Assim,
não daria pra ter certeza se essa operação fará enfermos viverem mais e
sofrerem menos com as consequências mais danosas da doença em questão.
O cirurgião Ricardo Cohen não vê dessa maneira. “A decisão de
diminuir o limite do IMC para 30 veio até atrasada. Temos evidências
fortes dos benefícios da cirurgia metabólica para o controle do
diabetes”, assegura.
Liberou geral?!
Pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto,
o endocrinologista Carlos Eduardo Barra Couri
demonstra preocupação com o parecer do CFM. Isso porque poderia
incentivar o atropelamento de etapas imprescindíveis antes da operação.
“O documento pede que a doença esteja descontrolada há mais de dois
anos antes de optar pela cirurgia. Mas o texto é subjetivo em alguns
momentos”, opina. Em resumo: haveria um risco de pacientes sem
necessidade acabarem indo para a faca.
Segundo Couri, quem tem condições de pagar pode ir direto ao
cirurgião e solicitar a bariátrica. “Mas, para ela ser eficaz, deve ser
indicada por um endocrinologista de confiança, com o aval de uma equipe
multidisciplinar, com nutricionista e psicólogo”, arremata.
Em comunicado à imprensa, o médico Cid Pitombo, recordista em
cirurgias bariátricas pelo Sistema Único de Saúde, também pediu cautela.
“Em obesos mórbidos, o método é indiscutivelmente benéfico, mas me
preocupa a ideia de que isso seja aberto de uma forma mais ampla”,
afirma. “Se você é portador de diabetes, está com o IMC entre 30 e 35,
antes de ser operado, tenha certeza que tanto seu cirurgião quanto o
grupo de endocrinologistas são especializados no assunto. Não se
arrisque”, conclui.
Por outro lado, cabe ressaltar que o parecer do CFM afirma, com todas
as letras, que a cirurgia bariátrica só deve ser realizada após a
autorização de dois endocrinologistas. Ela também exige o acompanhamento
de uma equipe multidisciplinar antes e depois do procedimento. E
define, como idade mínima, os 30 anos – a máxima é de 70.
No mais, os pacientes só devem recorrer ao método se o diabetes foi
diagnosticado há menos de dez anos, quando o pâncreas está mais
preservado e, portanto, a cirurgia confere mais benefícios. Dependentes
químicos ou indivíduos com histórico de doença mental precisam passar
por uma avaliação do psiquiatra antes de receberem autorização. Entre
outras coisas.
“Não há como ser mais restritivo do que isso. Se algumas pessoas ou
profissionais não seguem as regras, a culpa não é do parecer do CRM”,
argumenta Cohen. “Temos de monitorar os casos e nos certificar de que
todas as medidas de segurança serão tomadas”, diz.
Se fosse para resumir tudo isso em algumas poucas linhas:
independentemente do IMC e do controle do diabetes, a cirurgia
bariátrica trará mais resultados benéficos – e menos efeitos colaterais,
que não são poucos – quando entra em cena em casos muito bem
selecionados, nos quais o paciente passa por um acompanhamento antes,
durante e depois da operação.
O tal IMC
Para saber o seu IMC, basta dividir o seu peso (quilos) pela altura
(metros) ao quadrado. Se o número ficar entre 20 e 25, você está em
forma.
Se estiver entre 25 e 30, é sinal de sobrepeso. Pessoas com IMC acima
de 30 são consideradas obesas de grau I; acima de 35, de grau 2. E,
quando estouram o patamar de 40, possuem obesidade de grau 3 (também
chamada de obesidade mórbida).