segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

O que é e para que serve o pâncreas?

Essa glândula fabrica a famosa insulina, mas não para aí. Conheça suas funções no sistema digestivo e no endócrino - e quais as doenças que a atingem

Conhecido por produzir a insulina, o pâncreas é uma glândula com papéis importantes no sistema endócrino e no processo de digestão dos alimentos. É hora de conhecer as suas funções – e alguns problemas de saúde que podem acometê-lo.

Como o pâncreas influencia no sistema digestivo

1. Fábrica a todo vapor: o pâncreas é responsável por produzir diversas substâncias. As principais são a amilase e a lipase. Essas enzimas são excretadas pelos ductos pancreáticos e caem no duodeno, a parte inicial do intestino delgado. É exatamente nesse lugar que elas vão agir.
2. Cortes e reduções: as duas enzimas vão quebrar os alimentos em pedaços menores. A amilase é especializada na digestão do carboidrato, enquanto a lipase atua sobre a gordura. A falta dessa dupla provoca dificuldades na absorção de nutrientes e emagrecimento indesejado.

As funções dessa glândula no sistema endócrino

1. Pequeno arquipélago: existem estruturas no pâncreas chamadas ilhotas de Langerhans. Apesar de numerosas, constituem apenas 2% do tamanho da glândula. Elas são formadas pelas células alfa, que geram o hormônio glucagon, e pelas células beta, que sintetizam a famosa insulina.
2. Faltou doçura: longos períodos de jejum fazem a taxa de açúcar cair muito. Para evitar a hipoglicemia, ocorre a liberação do glucagon. Ele estimula o fígado a transformar seus estoques de glicogênio em moléculas de glicose para o organismo. Isso normaliza a situação.
3. Sangue adocicado: quando há uma grande quantidade de açúcar na circulação sanguínea, o pâncreas é acionado para fabricar a insulina. O hormônio promove uma limpa nos vasos ao botar essa glicose toda para dentro das células, onde servirá como combustível.

Doenças mais comuns que afetam o pâncreas

Problemas inflamatórios agudos: obstrução do ducto pancreático por pedrinhas da vesícula biliar. Seus sinais são dor abdominal e vômito.
Problemas inflamatórios crônicos: eles destroem progressivamente as células da glândula. A maior causa é o consumo de álcool.
Tumores benignos: adenomas, fibromas e insulomas são os mais frequentes. A predisposição genética influencia bastante.
Câncer: têm alta taxa de mortalidade por causa do diagnóstico tardio. Não costuma dar sintomas.

Dá pra fazer transplante de pâncreas?

Por enquanto, essa técnica está indicada para casos mais graves e prolongados de diabetes tipo 1, enfermidade marcada por uma falha na produção da insulina. Geralmente, os médicos trocam não só o pâncreas, mas também os rins, para evitar complicações.
Outra possibilidade é transplantar somente as ilhotas de Langerhans. Mas esse procedimento, feito em poucos centros no mundo, tem sucesso limitado e o quadro pode voltar ao que era em poucos anos.
Fontes: Marcelo Perosa, coordenador do Programa de Transplantes de Pâncreas, Fígado e Rim do Hospital Leforte (SP); Thiago Costa Ribeiro, cirurgião do aparelho digestivo do Hospital Moriah (SP)

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Castanha portuguesa ou pinhão: qual é mais saudável?

Essas duas delícias podem estar nas mesas de Natal e do Ano Novo. Veja os benefícios de cada uma e prepare suas receitas!

 
Uma comparação para você já se prepara para o Natal e as festas de fim de ano: pinhão versus castanha portuguesa. Mas o fato é que ambos os alimentos possuem características em comum.
A nutricionista Roseli Ueno, de São Paulo, cita, por exemplo, o alto teor de carboidratos de baixo índice glicêmico. “Eles fornecem energia de liberação lenta, tornando esses alimentos boas opções de lanche, inclusive no pré-treino”, conta. A dupla ainda apresenta gorduras monoinsaturadas, que não elevam o colesterol ruim (LDL), aquele que, em excesso, ameaça o coração.
Completando o combo do bem, vêm as fibras, capazes de prolongar a saciedade e estimular o funcionamento do intestino. Nesse quesito, o pinhão leva a melhor, com o dobro da quantidade.
Perceba, porém, que os dois são bem calóricos. “Por isso, apesar de nutricionalmente ricos, eles não devem ser consumidos em excesso”, avisa Roseli. Aliás, com moderação, dá para tirar proveito o ano inteiro. Veja abaixo uma comparação entre eles, nutriente por nutriente.

Comparação entre pinhão e castanha portuguesa

Os valores se referem a 100 gramas dos alimentos crus, o que corresponde a cerca de 10 unidades
Energia
Castanha – 214 cal
Pinhão – 282 cal
Gorduras
Pinhão – 1,3 g
Castanha – 2,1 g
Carboidratos
Castanha – 46 g
Pinhão – 62 g
Fibras
Pinhão – 17,1 g
Castanha – 8,2 g
Proteínas
Pinhão – 5,3 g
Castanha – 2,5 g
Ferro
Pinhão – 6,5 mg
Castanha – 1 mg

Placar SAÚDE

Pinhão 4 x Castanha 2
Fonte: Tabela de Composição de Alimentos, de Sonia Tucunduva Philippi

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

O sorriso do coração

A higiene bucal pode evitar diferentes problemas cardiovasculares. Conheça o elo entre a boca e o coração

A odontologia está cada vez mais avançada, tanto na prevenção de uma simples cárie, quanto no tratamento de problemas bucais de alta complexidade. Se por um lado isso é importante para a qualidade de vida e para fatores estéticos, por outro pode até beneficiar o coração!
Diversos estudos clínicos já comprovaram que a falta de cuidados bucais pode desencadear graves doenças cardiovasculares. Tais pesquisas demonstraram que as bactérias causadoras de cáries, gengivite e periodontite (inflamação dos ligamentos e ossos que dão suporte aos dentes) podem penetrar na corrente sanguínea.
Quando isso ocorre, há risco de se desenvolver a endocardite infecciosa – um ataque desses micro-organismos ao revestimento interno do coração –além de problemas como infarto, aterosclerose e acidente vascular cerebral (AVC). As bactérias também aumentam os níveis da proteína C-reativa, produzida no fígado e igualmente associada a enfermidades cardiovasculares.
Assim, não há dúvidas de que a saúde do coração está atrelada aos cuidados com os dentes. Por isso, é fundamental escová-los pelo menos três vezes ao dia, após as refeições, utilizar o fio dental diariamente e visitar o odontologista a cada seis meses para prevenir problemas.
E mais: quando existir um quadro de gengivite ou periodontite, o dentista deve ser procurado com urgência. Os sintomas desses quadros são os seguintes: gengivas vermelhas, inchadas ou doloridas; sangramento da gengiva ao comer, ao escovar os dentes ou quando do uso do fio dental; presença de pus ou outros sinais de infecção em volta da gengiva ou nos dentes; gengiva afastada/retraida dos dentes; mau hálito frequente; gosto ruim na boca de forma constante e dente com mobilidade.
Manter a boca em ordem é essencial para o bem-estar pessoal e para a saúde como um todo, principalmente no tocante ao aspecto cardíaco. Não se pode esquecer que as doenças cardiovasculares, muitas provocadas por problemas na dentição, são as responsáveis pela maioria das mortes no Brasil e no mundo.
O coração também sorri quando se mantém a qualidade da saúde bucal.
*Prof. Walmyr Mello, diretor do Departamento de Odontologia da Socesp

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

– Açúcar + vida

Acordo do Ministério da Saúde com a indústria diminuirá a quantidade de açúcar na comida e, em até quatro anos, provocará uma saudável mudança nos hábitos alimentares do brasileiro

– Açúcar + vida
A guerra do consumidor brasileiro por alimentos mais saudáveis nas prateleiras dos supermercados ganhou mais uma batalha. Na segunda-feira 26, o Ministério da Saúde firmou um acordo com a indústria de alimentos e bebidas e até 2022 será reduzida a quantidade de açúcar em biscoitos, bolos, produtos lácteos, achocolatados e misturas, aos moldes do que foi realizado com o sódio – um acordo de 2011 conseguiu até junho retirar 17,2 toneladas da substância dos alimentos. “Desde 2017 fizemos reuniões com representantes da indústria, nutricionistas e representantes de movimentos sociais para chegarmos a um acordo”, diz Wilson Mello, do Conselho Diretor da Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação (Abia), que representa 68 empresas que assinaram o Termo de Compromisso e que, juntas, dominam 87% do mercado. Na prática, 1.147 itens terão de alterar suas fórmulas e a previsão é que em quatro anos serão retiradas 144,3 mil toneladas de açúcar dos alimentos. “Os clientes estão exigindo através da compra produtos com menos açúcar, gordura e sódio. Além disso, temos pressão de ONGs e do governo por causa do aumento de doenças crônicas como obesidade, diabetes e hipertensão. A indústria quer ser parte da solução”, diz ele.
Os índices de obesidade dispararam nos últimos anos no Brasil. Na última década, o crescimento foi de 60%. Já o diabetes entre homens aumentou 54% e entre as mulheres, 28%. São parte importante do problema os produtos industrializados, já que correspondem a 36% do açúcar consumido pela população. Atualmente os brasileiros consomem em média 80 gramas de açúcar por dia, ou 18 colheres de chá, quase o dobro do recomendado pela Organização Mundial da Saúde. “Essa parceria é muito importante para a saúde pública, porque reduz a chance de doenças no futuro”, diz Cristina Bellotti Formiga Bueno, endocrinologista da Santa Casa de São Paulo e coordenadora do Centro de Diabetes do Hospital Samaritano. “O consumo de açúcar em excesso causa ganho de peso, predisposição ao diabetes, aumento do risco cardiovascular e derrame”, diz ela. A má alimentação também pesa no Sistema Único de Saúde (SUS). Um estudo realizado pelo Ministério da Saúde identificou que em 2011 os gastos federais com a atenção às doenças crônicas foram de 16,2 bilhões. “Os custos são crescentes devido ao aumento da prevalência dessas doenças”, diz Michele Lessa, Coordenadora de Alimentação e Nutrição do órgão. “São necessárias múltiplas abordagens para alcançar a redução pretendida, como educação e informação à população, medidas para facilitar escolhas alimentares mais saudáveis e ações voltadas para o setor produtivo”, diz ela.
A redução de açúcar nos produtos será feita em duas etapas, uma até 2020 e outra até 2022. O objetivo é fazer com que o paladar do brasileiro vá se adaptando com o novo sabor dos produtos, uma vez que o açúcar não será substituído por outra substância, como adoçantes, mas apenas parcialmente retirado dos produtos. A quantidade nos achocolatados em pó, por exemplo, será reduzida para 90,3g/100g até o final de 2020 e depois para 85g/100g até 2022, o que significa 20 colheres de chá de açúcar a menos. A indústria garante que essa mudança não implicará em produtos mais caros ao consumidor. “O processo de produção não terá um custo mais alto, apenas diferente. Será uma adaptação, mas a indústria está acostumada”, diz Wilson Mello, da Abia. A saúde do brasileiro agradece.
“Essa parceria é muito importante para a saúde pública, porque reduz a chance de doenças no futuro” Cristina Formiga, endocrinologista (Crédito:Divulgação)

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

O que é aids, dos sintomas iniciais ao tratamento, passando pelos exames

Conheça, no Dia Internacional de Luta Contra a Aids, os detalhes dessa doença causada pelo HIV, o que ela causa no corpo e suas formas de transmissão

A síndrome da imunodeficiência adquirida (aids, na sigla em inglês) é uma doença infectocontagiosa para a qual ainda não existe cura. Ela é causada pelo HIV, vírus da imunodeficiência humana, que invade e destrói células de defesa conhecidas como T-CD4, responsáveis por organizar a resposta imunológica.
Sem essa proteção, o organismo fica mais suscetível a diversas infecções oportunistas, como herpes, tuberculose, pneumonia, candidíase e meningite. Até alguns tipos de câncer são associados à aids.
O HIV é transmitido de uma pessoa para outra por sangue, sêmen, secreção vaginal e leite materno. O contágio ocorre via de regra por meio de relações sexuais desprotegidas, transfusões de sangue e procedimentos com material contaminado ou contato com ferimentos.
Mas há um ponto importante aqui: toda pessoa com aids é HIV positivo, mas o inverso não é verdadeiro. Se a pessoa infectada pelo vírus realizar o diagnóstico precoce, tomar os remédios e levar um estilo de vida saudável, cai muito o risco de a síndrome que arrasa as defesas (a aids propriamente dita) se manifestar.
Se ainda não há cura, a boa nova é que, hoje, a expectativa de vida das pessoas com HIV se assemelha ao das que não possuem o vírus no corpo – de novo, desde que se tratem adequadamente.

Os sintomas da aids

Dificilmente aparecem sinais significativos da doença logo após a infecção pelo HIV. Depois de um período, que em geral varia de três a seis semanas, podem surgir sintomas iniciais e não específicos, como:
  • Febre e mal-estar que lembram uma gripe
  • Fraqueza
  • Diarreia
  • Gânglios aumentados
No entanto, após um tempo da invasão do HIV, consequências mais graves dão as caras:
  • Perda de peso
  • Anemia
  • Perda de memória e dificuldade de concentração
  • Doenças oportunistas (hepatites virais, tuberculose, pneumonia, toxoplasmose, candidíase e sarcoma de Kaposi, um tumor de pele)

Fatores de risco

  • Sexo desprotegido (sem camisinha)
  • Compartilhamento de materiais contaminados (seringas entre usuários de drogas, por exemplo)
  • Procedimentos hospitalares que não observam recomendações técnicas contra a infecção
  • Transmissão pelo parto (quando não são respeitados os cuidados médicos exigidos)
  • Aleitamento materno por mãe infectada

A prevenção

Em se tratando de HIV, podemos separar as medidas de prevenção em estratégias para impedir o contágio em si e as táticas para evitar que a infecção, uma vez estabelecida, evolua para a aids em si.
  • Usar sempre o preservativo durante o sexo
  • Não compartilhar seringas, agulhas e objetos cortantes
  • Materiais usados para tatuagens e piercings também devem ser feitos com material descartável
  • Realizar periodicamente o teste de HIV, disponibilizado em postos de saúde gratuitamente
  • Grávidas infectadas precisam iniciar o tratamento quanto antes para que seja possível evitar a disseminação do HIV para a criança ao longo da gravidez na hora do parto
  • Pessoas que se expuseram a situações de risco podem ser encaminhadas à PEP, profilaxia pós-exposição, em que são administrados medicamentos para conter a infecção inicial
  • Outra opção é que os indivíduos comumente expostos a essas situações de risco recorram à Profilaxia Pré-Exposição (PREP), também disponível na rede pública

O diagnóstico

Dois exames de sangue são usados para detectar a presença de anticorpos contra o HIV. No convencional, chamado Elisa, o resultado sai em alguns dias.
Já no teste rápido – oferecido gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde, nas unidades da rede pública e nos Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA) – é possível obter a resposta em 30 minutos.
Ambos os métodos são realizados depois de passadas duas a seis semanas da suspeita de contágio. Esse período, conhecido como janela imunológica, é o tempo que as defesas do corpo levam para criar os anticorpos contra o vírus. Antes disso, portanto, é considerável a possibilidade de um resultado falso negativo.
Se o Elisa ou o teste rápido derem positivo, essa informação deve ser confirmada em novo exame. Para a segunda avaliação, normalmente emprega-se o Western Blot, método mais preciso, mais complexo e, portanto, mais caro. Ele é necessário, porque enfermidades como artrite reumatoide, lúpus e alguns tipos de câncer podem interferir no processo e gerar um resultado falso positivo.

O tratamento

Embora não se tenha chegado à cura, hoje já é possível falar em controle total da aids. Se a descoberta da presença do HIV ocorre logo após a infecção, os danos ao sistema imunológico são mínimos.
Com o coquetel anti-HIV, uma combinação de drogas que atacam o vírus em diferentes estágios, as defesas do portador não vão ruir e, consequentemente, ele evita as complicações derivadas da imunodeficiência.
O coquetel antirretroviral é composto de algumas drogas e receitado até mesmo antes de a síndrome se manifestar. O tratamento aumenta a sobrevida e melhora a qualidade de vida do paciente, embora, sobretudo na fase inicial, possa levar a efeitos colaterais como diarreia, vômito, náusea e insônia.
A medicação nunca deve ser interrompida por conta própria, e o acompanhamento médico é fundamental para monitorar possíveis alterações causadas pelo medicamento nos rins, fígado e intestino, além do aparecimento de doenças metabólicas como o diabetes.
Isso reforça inclusive a necessidade de adotar um estilo de vida saudável, com alimentação equilibrada, prática regular de atividade física e gerenciamento do estresse.
Quando há suspeita de contato com o vírus – em relação sexual sem proteção, por exemplo –, a recomendação é partir para a profilaxia pós-exposição. Popularmente conhecido como “coquetel do dia seguinte”, o tratamento deve ser iniciado entre duas e 72 horas após a exposição ao HIV.
Nessas ocorrências, o tratamento dura 28 dias consecutivos e igualmente pode provocar reações como tontura, náusea e sensação de fraqueza.

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Aids: casos e óbitos caem 16% nos últimos quatro anos no Brasil

Aids: casos e óbitos caem 16% nos últimos quatro anos no Brasil
“Indetectáveis”. Foi com esse grito, de mãos dadas, que pessoas que vivem com HIV deram início à cerimônia que marca os 30 anos de luta contra a aids. Elas comemoram o fato de terem sua carga viral em níveis sequer detectados em testes laboratoriais em razão da adesão ao tratamento com antirretrovirais. Dados do Ministério da Saúde divulgados hoje (27) mostram uma redução de 16% dos casos e óbitos por aids no país nos últimos quatro anos. Segundo a pasta, fatores como a garantia do tratamento para todos, a melhora do diagnóstico, a ampliação do acesso à testagem e a redução do tempo entre o diagnóstico e o início do tratamento contribuíram para a queda.
Os números revelam que, de 1980 a junho de 2018, foram identificados 926.742 casos de aids no Brasil – um registro anual de 40 mil novos casos. Em 2012, a taxa de detecção da doença era de 21,7 casos para cada 100 mil habitantes enquanto, em 2017, o índice era de 18,3 casos. No mesmo período, a taxa de mortalidade por aids passou de 5,7 óbitos para cada 100 habitantes para 4,8 óbitos. O boletim também aponta redução significativa da transmissão vertical do HIV – quando o bebê é infectado durante a gestação – entre 2007 e 2017. A taxa caiu 43%, passando de 3,5 casos para cada 100 mil habitantes para 2 casos.

Homens

Os dados mostram ainda que 73% das novas infecções por HIV no Brasil acontecem entre pessoas do sexo masculino, sendo que 70% dos casos é registrado entre homens que estão na faixa etária de 15 a 39 anos.

Autoteste

O ministério anunciou que, a partir de janeiro de 2019, a rede pública de saúde passa a oferecer o autoteste de HIV para populações-chave e pessoas em uso de medicamento de pré-exposição ao HIV. A previsão é que sejam distribuídas, ao todo, 400 mil unidades do teste, inicialmente nas cidades de São Paulo, Santos, Piracicaba, São José do R io Preto, Ribeirão Preto, São Bernardo do Campo, Rio de Janeiro, Curitiba, Florianópolis, Salvador, Porto Alegre, Belo Horizonte e Manaus.

Tratamento

Ainda de acordo com o boletim epidemiológico, desde 2013, quando os antirretrovirais passaram a ser distribuídos a todos os pacientes soropositivos, independentemente da carga viral, até setembro deste ano, 585 mil pessoas com HIV estavam em tratamento no Brasil. A maioria – 87% – faz uso do dolutegravir, que aumenta em 42% a chance de supressão viral (diminuição da carga de HIV no sangue) em relação ao tratamento anterior. A resposta, neste caso, também é mais rápida: no terceiro mês, mais de 87% dos usuários já apresentam supressão viral.

Luta

Diagnosticada como soropositiva há um ano e meio, a estudante Blenda Silva, 25 anos, conta que é possível seguir normalmente com a vida desde que haja adesão ao tratamento. Sobre os 30 anos de combate ao HIV, celebrados no próximo sábado (1º), Dia Mundial de Luta contra a Aids, ela lembra que muitos perderam a vida ao longo das últimas décadas por causa da doença.
“O número de infectados ainda é muito alto. Nossa mensagem, hoje, é que ainda precisa de prevenção”, disse, ao se referir aos mais de 37 milhões de pessoas que vivem com HIV em todo o mundo. “É uma luta que não precisa ser só de quem é soropositivo, mas de toda a sociedade brasileira”, concluiu.

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Insulina: uma nova geração para controlar ainda melhor o diabetes

Chegam ao Brasil as primeiras canetas que combinam, na mesma aplicação, a insulina a medicações que otimizam as picadas e o controle do diabetes

 
Para um número considerável de diabéticos — uma nação de 12,5 milhões de brasileiros —, a injeção de insulina vira uma companheira inseparável no dia a dia. Isso acontece quando o organismo já não consegue suprir mais o hormônio, o que coloca a saúde em risco. Enquanto esse fenômeno costuma ser súbito no tipo 1, comum em gente jovem e marcado por um processo autoimune, com o passar do tempo ele também pode ocorrer no tipo 2, a versão mais prevalente e associada à idade e ao ganho de peso. É o pâncreas decretando a bancarrota na produção de insulina, molécula que permite à glicose entrar nas células e gerar combustível para o corpo.
O uso da insulina sintética é visto como um divisor de águas na vida dos pacientes. Muda a rotina — são picadas no dedo pra checar a glicemia, picadas na barriga para repor o hormônio… — e abundam mitos, medos e preconceitos. Não é de estranhar, portanto, que qualquer novidade que facilite o cotidiano seja amplamente saudada pelos médicos e pelas pessoas com diabetes.
Eis o cenário em que desponta uma nova geração de insulinas associadas, na mesma caneta de aplicação, a outros medicamentos, e destinadas a diabéticos do tipo 2. Basta uma injeção por dia para domar o açúcar no sangue. Cai o número de picadas, caem os efeitos colaterais ligados a elas.
São dois novos produtos que inauguram a classe no Brasil, um do laboratório Novo Nordisk, outro da Sanofi. O chamariz vem justamente das promessas, confirmadas em estudos, de uma rotina mais prática e segura ao paciente. Até porque, com o avanço dos anos, tende a aumentar o número de doses de insulina por dia. “Chega uma hora em que o diabético já não consegue fazer o controle direito”, nota o endocrinologista André Vianna, da Sociedade Brasileira de Diabetes.
Além de exigir ajustes no dia a dia, que demandam uma boa orientação em consultório, a utilização de várias injeções de insulina, crucial para prevenir complicações do diabetes, pode ter efeitos adversos complicados. O principal é o risco de hipoglicemia, quando a glicose no sangue baixa demais — é só imaginar um diabético errando a dose ou comendo menos que o esperado, por exemplo. Se não sanado, o quadro é capaz de provocar desmaios e convulsões.
Foi com a ideia de tornar esse contexto mais tranquilo para o paciente que cientistas pensaram em agregar um parceiro à insulina na mesma formulação. Por que não combiná-la a uma molécula que, também naturalmente produzida pelo corpo, tem a função de ajudar no equilíbrio glicêmico?
Pois a tal molécula é um hormônio, o GLP-1, fabricado no intestino com o objetivo de estimular a secreção de insulina, e já presente, em sua versão sintética, em remédios para diabéticos do tipo 2 (são os análogos de GLP-1).
“No tratamento usual com insulina, o paciente injeta o tipo basal pela manhã e aplica os tipos de ação rápida ou ultrarrápida antes das refeições, já que o corpo não consegue fazer a regulação sozinho”, contextualiza o endocrinologista Carlos Eduardo Barra Couri, pesquisador da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
A solução da indústria foi juntar, em um só líquido, a insulina de longa duração, que fica ativa por cerca de 24 horas, com o GLP-1, que faz uma regularização inteligente do açúcar no sangue. “A grande sacada é que o combo trabalha de maneira glicose-dependente e ainda faz o pâncreas produzir um pouquinho de insulina, a mais ou a menos, conforme a necessidade”, explica Couri.
Os resultados são animadores: mais de 70% dos pacientes que usam o produto conseguem manter a glicemia em níveis adequados, de acordo com os estudos da Sanofi. Depois que a injeção é aplicada, a insulina faz a captação da glicose nos tecidos do corpo. Enquanto isso, o GLP-1 modula, lá no pâncreas, a produção do restinho de insulina e a secreção de glucagon, substância que inibe a ação da insulina. Tudo isso sem precisar aplicar uma dose de insulina antes da refeição.

Mais benefícios das insulinas modernas

Segundo Gabriel Fagundes, gerente médico da Novo Nordisk, o análogo de GLP-1 agregado à insulina traz uma vantagem particularmente bem-vinda ao diabetes tipo 2: ajuda a compensar a resistência ao hormônio típica do quadro. Nessa situação, por mais que o pâncreas ainda produza um pouco de insulina, as células dos músculos, do fígado e de outros órgãos não conseguem tirar proveito dela.
Com a produção escasseando e o organismo desperdiçando o hormônio, é corriqueiro o médico prescrever doses e mais doses de insulina para tentar domar a glicose. Só que aí dispara o risco de hipoglicemias.
“Por isso a combinação fixa é muito melhor”, defende Fagundes. É tomar a dose de manhã e se cuidar que o corpo sai ganhando.
Tem outro benefício nessa história: o GLP-1 reduz a velocidade da digestão, amplia a sensação de saciedade e auxilia, assim, no controle do peso. É um ponto a comemorar se pensarmos que muitos diabéticos que fazem uso da insulina acabam engordando. Ganho de peso e hipoglicemia, aliás, estão entre as principais causas de abandono do tratamento, situação que ameaça o bem-estar de qualquer um.
Para entender melhor o impacto da nova terapia, a Novo Nordisk acompanhou por 26 semanas dois grupos de diabéticos do tipo 2 que já faziam uso de metformina, o comprimido para controle glicêmico mais consumido no país. Um deles passou a aplicar o combo de insulina e análogo de GLP-1. O outro injetou insulina basal mais a ultrarrápida, administrada até quatro vezes ao dia, perto das refeições.
Ao final do experimento, o contraste foi gritante. Embora os dois tratamentos tenham apresentado efeito similar no exame de hemoglobina glicada (método que dá uma média da concentração de açúcar no sangue dos últimos 90 dias), o lançamento se revelou muito mais seguro. No comparativo, houve uma redução de até 89% nos episódios de hipoglicemia.
Mais: enquanto os voluntários que recorreram ao tratamento tradicional ganharam, em média, 2,64 quilos, os que usaram a nova medicação perderam peso, quase 1 quilo em média. A façanha fica por conta do GLP-1. Além de uma versão própria para diabéticos, já existe no mercado uma formulação de análogo de GLP-1 voltada a pessoas obesas e sem diabetes. Ora, a substância encoraja o corpo a perder peso.
Para Couri, o combo entre insulina e GLP-1 tem chance inclusive de, um dia, destronar o uso isolado da insulina. “É difícil encontrar um paciente para o qual não valha a pena recomendar o GLP-1”, acredita o endocrinologista. Afinal, o produto permite economizar nas picadas e a aplicação não precisa ficar condicionada às refeições.
“Tenho pacientes que usavam a insulina basal e três picadas de ultrarrápida. Agora, de manhã aplicam uma vez o combo e seguem o dia inteiro sem precisar de novas injeções”, relata Couri. “Além de menos injeções de insulina, a gente vê uma economia de até seis picadas no dedo para medir a glicose no dia”, completa.
Sem contar que tudo depende de uma mesma caneta aplicadora. No método tradicional, não é raro que pacientes confundam as injeções e troquem a insulina basal pela ultrarrápida, e vice-versa. Aí já viu… O fato de ser uma única picadinha no início do dia também pesa demais na conveniência, evitando esquecimentos em momentos de mudança de rotina, como viagens ou algum lanche fora de hora.
Pelas pesquisas até o momento, qualquer diabético do tipo 2 com dificuldade no controle glicêmico — como aqueles em que os comprimidos e ajustes no estilo de vida já não resolvem mais a parada — é candidato aos novos combos. Claro que é o endócrino que, avaliando direito caso a caso, poderá dizer se eles são a melhor opção ou não. As restrições de uso são semelhantes à da insulinização clássica: envolvem crianças, gestantes e indivíduos alérgicos a componentes da fórmula.

Como funcionam as novas insulinas que já trazem na mesma caneta de aplicação o GLP-1

1. Aplicada na pele (no abdômen, por exemplo), a caneta libera insulina, que permite às células captar a glicose no sangue, sobretudo em locais como o fígado.
2. Ao mesmo tempo, a caneta injeta o análogo de GLP-1. No pâncreas, ele instiga a produção de insulina e inibe a de glucagon, substância com função oposta à da insulina.
3. GLP-1 também desacelera a passagem do bolo alimentar no estômago, o que prolonga a sensação de saciedade e evita picos de glicose no sangue.

O acesso ao tratamento

Como qualquer novidade fruto de biotecnologia, os combos de insulina e análogos de GLP-1 devem sair mais caros em um primeiro momento, o que poderá impactar no acesso à população. Uma boa insulina basal costuma ser vendida hoje por algo em torno de 40 reais a caneta. O preço das novas combinações pode sair até três ou quatro vezes mais alto.
Com a difusão do método, porém, a expectativa é que os valores fiquem mais baratos. Mas especialistas refletem que não dá pra fazer conta de padaria, quer dizer, de drogaria. “Precisamos pensar em termos de farmacoeconomia: por ser um medicamento mais eficiente, é necessária uma dosagem menor, e, no fim do mês, um tratamento que parece mais caro pode acabar saindo mais barato na comparação”, analisa Couri.
A questão do custo/benefício também remete a outro ponto crucial em qualquer tratamento, a adesão do paciente. E isso é ainda mais crítico no território da insulinização. Levantamento da Editora Abril em parceria com a AstraZeneca e o Endodebate com 1 050 pessoas, sendo 387 diabéticas, aponta que 24% delas colocam o medo da insulina como uma de suas maiores preocupações.
“O indivíduo chega muitas vezes com receio de que a insulina vai fazê-lo ganhar peso, ficar cego, até morrer… E o médico acaba entrando em uma inércia, adiando o início da insulinização”, observa Couri. “Não se pode evitar o tratamento quando ele se mostra necessário. O que precisa ser feito é trabalhar também o psicológico do paciente, explicar as alternativas e as mudanças na rotina. E isso depende de uma consulta mais demorada”, argumenta o expert, que também coordena o Endodebate.
A desinformação que ronda o diabetes e seu controle não gera só medo, mas também dificulta a motivação para seguir à risca as recomendações. “Às vezes ouvimos casos de pessoas com o tipo 2 que fizeram tratamento por um mês e depois pararam porque não sabem que o diabetes é algo sem cura ou não foram devidamente avisadas pelo médico que as atendeu”, conta Vanessa Pirolo, coordenadora de advocacy da ADJ Diabetes Brasil, entidade que defende os direitos dos pacientes no país. “E há outros casos em que a pessoa simplesmente se cansa do tratamento e o interrompe. Sem um profissional para motivá-la a continuar, fica muito complicado”, lamenta.
O desafio também abrange o acesso às medicações, especialmente nos postos de saúde pública. No Sistema Único de Saúde (SUS), as insulinas disponíveis são a NPH, utilizada como basal e com duração de até 18 horas, e a chamada regular, de efeito mais rápido, que começa a agir entre meia hora e uma hora após a aplicação.
“A insulina ultrarrápida só chegou ao SUS agora, e mesmo assim praticamente ninguém está recebendo”, critica Couri. Já as basais mais eficientes só são acessíveis depois que o paciente recorre à Justiça, e o Estado é obrigado a fornecer.
“O que mais se vê hoje em dia ainda são as insulinas antigas, que podem tratar a doença, mas com riscos maiores de ganho de peso e hipoglicemia”, aponta o endocrinologista. Além da carência de produtos em si, no SUS a aplicação ainda se dá por meio de seringas.
A licitação que prometia começar a oferecer canetas este ano teve atrasos após o Ministério da Saúde encomendá-las sem incluir as agulhas, licitadas mais tarde. A expectativa, segundo Vanessa, é que esse modo de aplicação comece a ser disponibilizado a partir do fim de 2018.
“Temos um paradoxo: de um lado, lançamentos que melhoram muito a qualidade de vida, e, de outro, milhares de pessoas que ainda usam um tratamento de décadas atrás”, resume Couri. “Provavelmente, se oferecêssemos insulinas mais modernas, no futuro haveria menos gastos públicos para tratar as sequelas de um tratamento inadequado”, completa.
Aliar a tecnologia a acesso, orientação e adesão a hábitos saudáveis é a única receita para melhorar o controle do diabetes.

Brasil com diabetes

  • A estimativa é que existam 12,5 milhões de diabéticos no país.
  • 90% têm o tipo 2 da doença, ligado ao avançar da idade e ao excesso de peso.
  • 62% foi quanto aumentou o número de diabéticos desde a última década.
  • Médicos calculam que só 30% dos diabéticos no país estão com a glicemia controlada.

Outras tecnologias que começam a melhorar a vida dos diabéticos

Pâncreas artificial: Criada pela Medtronic, a bomba inteligente de insulina monitora continuamente os níveis de glicemia e fornece insulina sob medida, como um pâncreas faria.
Células-tronco: A terapia, em estudo e com bons resultados, é voltada a pessoas com o tipo 1. Trata-se de uma renovação do sistema imune para não atacar mais o pâncreas.
Insulina inalável: É uma versão ultrarrápida, que seria combinada à injetável de longa duração. Ainda não se popularizou.
GLP-1 semestral: São análogos injetáveis do hormônio com a mesma ação dos de uso diário mas aplicados apenas uma vez por semestre.

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Microbiota intestinal: cada vez mais importante

As bactérias do intestino se tornaram um alvo de estudo extremamente relevante para o conhecimento e tratamento de determinadas doenças

O termo microbiota intestinal refere-se à população de micro-organismos, como bactérias, vírus e fungos, que habita todo o trato gastrointestinal, e tem como funções manter a integridade da mucosa e controlar a proliferação de bactérias patogênicas – isto é, consideradas perigosas.
Acredita-se que a nossa microbiota contenha trilhões de micro-organismos, com pelo menos 100 espécies diferentes de bactérias conhecidas, acumulando milhões de genes – 150 vezes mais do que os genes humanos. Não à toa, ela chega a pesar até 2 quilos.
Seu perfil é influenciado por múltiplos fatores e é definido por volta dos 2 anos de idade. A mãe é a primeira fonte de micro-organismos das crianças.
Para ter ideia, bebês de parto normal entram em contato com bactérias mais rápido do que aqueles que nasceram via cesárea. Isso porque o parto vaginal proporciona um contato direto com a microbiota fecal materna. Em contrapartida, na cesárea a fonte inicial de contaminação é o meio ambiente, retardando, assim, o estabelecimento da microbiota.
A colonização completa do trato gastrointestinal infantil é de extrema importância para a saúde da criança e, posteriormente, para o adulto. Dentre suas inúmeras funções, podemos destacar:
  • Controle da proliferação de bactérias patogênicas presentes no trato intestinal
  • Estímulo do sistema imunológico
  • Regulação da absorção de nutrientes
  • Participação na produção de vitaminas e enzimas, como vitamina K e biotina
  • Produção de componentes necessários para a renovação celular
Embora o padrão da microbiota seja estabelecido até os 2 anos, mais para frente ele pode ser impactado por certos fatores. Por exemplo: indivíduos com o hábito de consumir uma quantidade elevada de alimentos industrializados (carboidratos refinados, açúcares simples e gorduras saturadas) têm maior predisposição para a disbiose, que é uma alteração na composição desses micro-organismos. Consequentemente, há maior suscetibilidade a problemas como colite ulcerativa, doença de Crohn, etc.
Aliás, a nossa alimentação diária apresenta mais influência sobre a constituição da microbiota quando comparada aos fatores genéticos (57% vs. 12%). Portanto, cuidar do que comemos não é apenas uma prática que deve ser adotada quando se deseja perder peso. Ela é fundamental para a saúde da sua microbiota, que representa, como a ciência vem mostrando, a sua identidade individual.
*Dra. Rosana Farah Toimil é nutricionista e 1ª Secretária da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Tecnologias que ampliaram o acesso a tratamentos e diagnósticos no Brasil

A telemedicina, a inteligência artificial e outras modernidades estão aproximando todos os brasileiros de exames e tratamentos de qualidade

Até poucos anos atrás, quando deparava com um caso mais complicado, o médico de família Enrique Barros não tinha muitas alternativas. Encaminhava o paciente a um especialista na capital do estado sem nenhuma previsão de quando o exame seria concluído. Atendendo em Santa Maria do Herval, pequeno município gaúcho de pouco mais de 6 mil habitantes a cerca de 80 quilômetros de Porto Alegre, Barros nem sempre dispunha da estrutura ou dos equipamentos necessários para fazer determinados diagnósticos.
Mas hoje a realidade é bem diferente. Graças a um programa chamado Telessaúde, o médico consegue se comunicar com profissionais de 15 especialidades. O aconselhamento ocorre de três formas: 1) por telefone 2) por meio de videoconferência 3) e através de uma plataforma virtual por onde são enviadas imagens e laudos.
De acordo com a dificuldade do caso e o método escolhido para fazer o contato, a recomendação para o tratamento pode sair no mesmo dia ou em até 72 horas. Uma revolução.
“Isso me dá uma segurança tremenda e muito mais conforto para atender no meio rural”, conta Barros. “Em geral, os médicos fogem do interior porque se sentem isolados e inseguros para fazer um diagnóstico e um tratamento adequados, mas agora nós temos uma garantia de qualidade”, reflete.
Barros cita o exemplo de pacientes com suspeita de melanoma (um câncer de pele agressivo), comuns na região de colonização alemã e trabalho rural. “Quando é melanoma, nós tiramos. Mas há muitos episódios em que há dúvidas se é um caso em que vale a pena fazer o procedimento ou se estamos machucando a pessoa desnecessariamente”, relata.
Pois a detecção que antes levava meses ou até anos agora é resolvida em poucos dias. “Tiro uma foto, mando para o Telessaúde e em três dias tenho uma resposta dizendo se devo fazer a retirada ou encaminhar a um hospital maior.”
Implementado no país pelo governo federal a partir de 2007, o Telessaúde encontrou grande penetração na Região Sul graças a projetos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), uma das pioneiras em telemedicina. Antes obrigados a recorrer a centros maiores, os profissionais do interior acabavam inflando as filas do SUS e alimentando as longas listas de espera.
Hoje, muitos pacientes podem ser tratados em sua própria cidade após a conversa do médico local com o especialista. “A parte que nos cabe é identificar o que está errado, delimitar a área do problema e, se não der para resolver com os recursos daqui, pedir ajuda a outro profissional”, diz Barros.
Além de facilitar o diagnóstico a distância, o programa conta também com o RegulaSUS, sistema que busca reduzir as filas priorizando casos graves e garantindo que os mais simples sejam resolvidos no próprio município e acompanhados remotamente por um especialista, se necessário. Segundo dados da UFRGS, após a implementação do sistema, cerca de 60% dos casos não precisaram mais ser encaminhados a grandes hospitais, desafogando o déficit de consultas – a fila que já existia foi cortada quase pela metade, de 170 mil para 90 mil pacientes.
Além do Rio Grande do Sul, desde julho esse serviço também está disponível nos estados de Alagoas, Amazonas, Rio de Janeiro e Distrito Federal.

Para além da telemedicina: a inteligência artificial

Pouco a pouco, outras tecnologias que permitem reduzir o tempo de espera e aumentar a assertividade das condutas vão se inserindo e replicando pelo país. Se a telemedicina leva atendimento de qualidade para lugares remotos, grandes hospitais começam a utilizar a inteligência artificial para indicar, com maior precisão, os tratamentos adequados para cada paciente.
Essa evolução é nítida principalmente no campo do câncer. Quem faz esse trabalho, por exemplo, é o Watson, uma plataforma de computação cognitiva desenvolvida pela IBM. Ele realiza uma busca em bancos de dados da ciência médica mundial para encontrar estudos e evidências recentes que se relacionem aos casos mais desafiadores.
No ano passado, o Hospital do Câncer Mãe de Deus, em Porto Alegre, tornou-se o primeiro da América do Sul a se valer desse recurso. E, desde maio, uma nova tecnologia baseada nos serviços do Watson também está à disposição dos médicos: o Oncofoco, criado pelo Fleury Medicina e Saúde em parceria com a IBM.
O Oncofoco faz uma análise do DNA do paciente e investiga possíveis mutações genéticas relacionadas a tumores. “Ele é indicado a pacientes que têm câncer de maior complexidade e não respondem a tratamentos-padrão, ajudando a definir a melhor terapia para essas situações”, explica a médica Jeane Tsutsui, diretora de negócios do Fleury.
O sequenciamento genético, por si só, é outra inovação que vem facilitando a vida de médicos e pacientes – ele já estava disponível para testes em áreas como psiquiatria, neurologia, cardiologia pré e neonatal. A oncologia, no entanto, é a primeira a unir a genômica e a inteligência artificial.
A novidade é que, além de inspecionar o DNA, há um passo seguinte no qual os dados do paciente são submetidos ao Watson, que faz uma varredura nas pesquisas internacionais para encontrar exemplos que sejam relevantes para a mutação encontrada. No caso do Oncofoco Ampliado, o teste mais completo, a tecnologia faz uma investigação de até 366 genes relacionados a tumores sólidos, buscando na sequência terapias específicas e inovações pelo planeta que possam ajudar aquele paciente.
“A oncologia é uma área em que o conhecimento científico vem crescendo de forma extremamente rápida. Há novas mutações e tratamentos que a cada dia são descritos e, sem a tecnologia, seria necessária uma quantidade de horas muito elevada para absorver todo o conhecimento. A inteligência artificial permite um cruzamento rápido de todas essas informações”, resume Jeane. “Além disso, por causa do envelhecimento populacional, temos uma incidência cada vez maior de câncer entre os brasileiros, o que faz com que essa seja uma área prioritária”, completa.
A diretora do Fleury e outros especialistas ressaltam, porém, que a tecnologia deve ser encarada como um suporte ao diagnóstico e à tomada de decisões. “Hoje muito se fala da inteligência artificial com o potencial de substituir o profissional em algumas situações”, observa Jeane. “Nossa posição é a de que ela agrega muito, mas a decisão final sempre vai ficar com o médico”, afirma. A receita do sucesso está na aliança entre a sensibilidade humana com o poder de processar informações das máquinas.

Tecnologia na ponta dos dedos

O fato é que a saúde já entrou na era da hiperconexão digital. Não é coisa do futuro, não. É presente. Isso vale tanto para tecnologias de ponta, como o Watson, quanto para aquelas mais acessíveis ao cidadão, caso de aplicativos de celular.
De olho nos avanços na área, o Conselho Federal de Medicina publicou em fevereiro deste ano uma resolução que regulamenta os apps de consultas domiciliares, apelidados de “Uber da Medicina”. Na época, o principal aplicativo da área já contava com mais de 2,7 mil médicos cadastrados e realizava cerca de mil atendimentos mensais.
Segundo Chao Lung Wen, professor de telemedicina da Universidade de São Paulo, as novas tecnologias irão revolucionar a relação entre médico e paciente. “Entre 2020 e 2030 teremos a década da saúde personalizada e conectada”, visualiza.
Wen acredita que nos próximos dois anos irão crescer bastante os serviços de tele-homecare, monitoramento e avaliação de pacientes em suas próprias residências. O especialista afirma, aliás, que o Brasil não fica atrás em termos de inovação tecnológica. “O que nos falta é a organização do serviço. É preciso que as operadoras e o Ministério da Saúde comecem a fazer isso de forma efetiva”, analisa.
A telemedicina encurta tempos e distâncias, permitindo que boa parte das consultas e tratamentos seja feita na casa do paciente. “Hoje, de todos os recursos que o médico usa para fazer uma avaliação, mais de 15 equipamentos já são conectáveis em um smartphone, até mesmo o ultrassom”, conta Wen. “E não falamos de coisas caríssimas. Felizmente, dispositivos e programas estão ficando mais baratos.”
Para o professor, além dos investimentos em tecnologia, é preciso progredir também em algo muito mais básico: a educação sobre saúde no país. “Nosso maior gargalo não é a tecnologia, mas usá-la de forma eficiente”, reforça.
Por um lado, falta treinamento para que os médicos conheçam e façam bom uso dos métodos e possibilidades que se abrem com o meio tecnológico. Por outro, a própria sociedade ainda carece de conhecimentos sobre cuidados básicos.
“Nós caminhamos para uma falência do sistema de saúde porque temos gente demais doente”, lamenta. O especialista acredita que a solução é combinar tecnologia, informação e conscientização mirando a prevenção de doenças. “O melhor caminho para o país é usar a nosso favor as vantagens oferecidas pelos smartphones sem deixar de capacitar os cidadãos a cuidarem de si”, defende Wen.
Até porque existem situações completamente evitáveis ou controláveis com orientações e ajustes no estilo de vida. A inovação em saúde não avança sem a participação ativa dos médicos e dos pacientes.

Mais tecnologias que estão a serviço dos brasileiros

1. Robô Laura: é um software de gerenciamento que aumenta a eficiência dos hospitais: identifica surtos, reduz erros e avalia o estoque de sangue.
2. Freestyle Libre: à prova d’água, o dispositivo fica acoplado ao braço do diabético monitorando a glicose sem necessidade de picadas.
3. Teste de hepatite C: rápido, pequeno e barato, o sensor criado na Unesp diminui o tempo de detecção da doença para até seis minutos.

O que pode chegar à população muito em breve

1. Cadeira de rodas inteligente: é a Weelie, desenvolvida por uma startup nacional. Controlada por expressões faciais, ela ajuda sobretudo tetraplégicos, que podem ir para qualquer lado usando apenas um movimento da boca, bochechas, olhos, nariz e até da língua.
2. Exame precoce para Alzheimer: cientistas da Universidade Federal de São Carlos criaram um teste de sangue que pode identificar a doença ainda no início. O processo dura 30 minutos e mede os níveis de uma proteína específica. Por ser uma desordem progressiva, a descoberta precoce permitiria prevenção e manejo mais eficazes.
3. Ponte entre o médico e o paciente: criado por outra startup brasileira, o sistema TNH Health usa inteligência artificial para compilar respostas de médicos e solucionar dúvidas de pacientes – tudo online! Com uma base de dados, é capaz de acompanhar gestações e pacientes recém-saídos do hospital, enviando orientações.

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Médicos cubanos começam a deixar o Brasil nesta quinta-feira, diz Opas

Crédito:  Moacyr Lopes Junior/Folhapress
Em 2013, chegou ao País o primeiro grupo de médicos cubanos (Crédito: Moacyr Lopes Junior/Folhapress)
Profissionais cubanos que atuavam no programa Mais Médicos começarão a deixar o Brasil nesta quinta-feira (22). A informação foi divulgada hoje (21) pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), responsável pela intermediação do convênio entre Brasil e Cuba.
A estimativa da organização é que o processo de saída dos mais de 8 mil médicos contratados no âmbito do convênio dure até o dia 12 de dezembro.
Nos próximos três dias, de quinta a sábado, cinco voos partirão com destino à capital cubana, Havana. Os profissionais já começaram a se deslocar dos municípios onde estavam alocados em direção às cidades de onde sairão só voos para Cuba.
O retorno ocorre por decisão do governo cubano, que chamou de volta os profissionais por desacordo com condições impostas pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, para que os médicos permaneçam no programa, entre elas a realização do exame de revalidação de diplomas para reconhecimento no país (Revalida) e a não retenção de parte da remuneração dos médicos, que até então ficava com a administração cubana.
O presidente de Cuba, Miguel Diaz-Canel, por meio de uma rede social, defendeu os profissionais. Em nota, o Ministério da Saúde cubano afirmou que as exigências desrespeitam as condições acordadas no convênio com a Opas.
Dois dias após a decisão, o presidente eleito Jair Bolsonaro afirmou que as novas exigências foram definidas para proteger os médicos de más condições de trabalho, por razões que classificou como “humanitárias”.

Substituição

Hoje começaram as inscrições para repor as vagas abertas com a saída dos médicos cubanos. Os interessados em ocupar vagas abertas têm até o dia 25 deste mês, próximo domingo. Podem pleitear o posto profissionais com registro nos conselhos de medicina ou com diploma na atividade validado no país.
Os candidatos poderão escolher as cidades onde querem trabalhar. A medida que forem sendo preenchidas, as vagas serão retiradas do sistema. Os inscritos terão que se apresentar no local selecionado a partir do dia 3 de dezembro para homologar a contratação e iniciar a função. Caso as vagas não sejam preenchidas, será aberto novo edital, no dia 27 de novembro, para buscar outros profissionais.

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Mandetta: Mais Médicos era parceria entre PT e Cuba, e não entre dois países

Crédito: Divulgação
O futuro ministro da Saúde, o deputado Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), afirmou nesta terça-feira (20), que o programa Mais Médicos era uma parceria entre o PT e Cuba, e não entre dois países, e que ainda precisa se reunir com o governo atual para definir o que será feito após os profissionais cubanos deixarem o Brasil.
“Esse (a ruptura do projeto) era um dos riscos de se fazer um convênio e terceirizar uma mão de obra tão essencial. Me pareceu muito mais um convênio entre Cuba e o PT, e não entre Cuba e o Brasil, porque não houve uma tratativa bilateral, mas sim uma ruptura unilateral (por parte de Cuba)”, disse ao deixar o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) em Brasília, onde a equipe de transição se reúne, pouco após ser anunciado como futuro ministro da pasta.
“(A ruptura) era um risco que a gente já alertava no início. Precisamos de políticas que sejam sustentáveis. As improvisações em saúde costumam terminar mal, e essa não foi diferente das outras”, acrescentou.
Segundo Mandetta, a primeira medida da equipe de transição na área de saúde será se reunir com o atual governo para entender os impactos do fim do programa e conhecer as possíveis soluções. “Não (tivemos informações nas últimas 48 horas sobre uma solução). Estamos aguardando o momento certo de fazer esse diálogo e saber quais são as medidas do governo Temer.”
Sobre a necessidade de os atuais médicos do programa ficarem no País e terem de fazer o Revalida, Mandetta afirmou que a questão ainda não foi discutida. O futuro ministro defendeu que seja feita alguma avaliação dos profissionais, mais afirmou que é possível realizá-la enquanto o médico estiver em serviço. “Há possibilidade de fazer avaliação em serviço, de fazer uma série de medidas onde você pode, ao mesmo tempo, dar garantias da qualidade daquele profissional. O objetivo é esse. Quais ferramentas serão utilizadas vai ser uma discussão com o setor”, destacou.
“O que queremos dizer com Revalida é saber quem é (o profissional), o que estudou, o que falta de lacuna para poder atender o povo brasileiro. Não pode haver relativização: não existe vida do interior e da capital, existe vida. Cada brasileiro, desde a comunidade indígena mais remota até os que estão nos grandes centros, precisa saber que alguém checou as informações e autorizou aquele profissional a tratar do bem maior que uma nação pode ter, que é a vida de seus habitantes.”

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Banana ouro, prata ou terra: qual é mais nutritiva?

Além de serem ricos em potássio, esses três tipos de banana têm outros benefícios nutricionais

A banana pode ter vindo do Sudeste Asiático, mas é brasileira até nas cores, em qualquer etapa de amadurecimento. Quando está verde, por sinal, apresenta grande concentração de leucocianidina, flavonoide estudado por suas propriedades cicatrizantes.
Das três variedades aqui comparadas, nenhuma deixa a desejar na dose de potássio, com ligeira vantagem para a prata. Boa pedida para os esportistas, que precisam se proteger das cãibras.
“O trio é fonte também de um mineral curinga, o magnésio“, destaca Nicole Trevisan, nutricionista de São Paulo. “Ele atua em diferentes funções no corpo, incluindo a frequência cardíaca e o relaxamento muscular”, explica.
No quesito sabor, a banana-ouro é mais doce e conquista o paladar das crianças. Só não se deixe enganar pelo tamanho: embora menorzinha, ela não economiza nas calorias.
Já a banana-da-terra é muito apreciada assada ou grelhada. Um ingrediente bem valorizado em receitas vegetarianas.

Energia

Prata – 98 cal
Ouro – 112 cal
Terra – 128 cal

Potássio

Prata – 358 mg
Ouro – 355 mg
Terra – 328 mg

Magnésio

Ouro – 28 g
Prata – 26 g
Terra – 24 g

Carboidrato

Prata 26 g
Ouro – 29,3 g
Terra – 33,7 g

Vitamina C

Prata – 21,6 mg
Terra – 15,7 mg
Ouro – 7,5 mg

Fibras

Ouro 2 g
Prata – 2 g
Terra – 1,5 g
(Os valores se referem a 100 gramas do alimento)

Placar SAÚDE

Prata 4 x Ouro 2 x Terra 0
Fonte: Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (Taco/Unicamp)

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Alzheimer: o começo do fim

Avanços recentes permitem entender melhor como as demências atacam o cérebro e abrem perspectivas empolgantes de prevenção e tratamento

 
Os habitantes da aldeia de Macondo sofriam com uma terrível maldição. Com o passar dos anos, simplesmente perdiam “o nome e a noção das coisas”. “Quando seu pai lhe comunicou o seu pavor por ter-se esquecido até dos fatos mais impressionantes de sua infância, Aureliano lhe explicou o seu método, e José Arcadio Buendía o pôs em prática para toda a casa e mais tarde o impôs a todo o povoado. Com um pincel cheio de tinta, marcou cada coisa com seu nome: mesa, cadeira, relógio, porta, parede, cama, panela”, escreve, num dos trechos da obra-prima Cem Anos de Solidão, o colombiano Gabriel García Márquez (1927-2014).
É incrível pensar como esse livro, publicado em 1967, antecipa em cinco décadas um assunto que extrapolaria as barreiras da literatura e passaria a assombrar o mundo real: a doença de Alzheimer, o tipo de demência mais comum, afeta hoje 35,6 milhões de pessoas — 1,2 milhão delas no Brasil. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), esse número vai subir para assustadores 65 milhões em 2030 e para 115 milhões em 2050.
O cenário fica ainda mais dramático quando sabemos que nenhum novo remédio foi lançado para frear a perda cognitiva nos últimos 15 anos. É o maior fracasso da indústria farmacêutica: de 2000 a 2012, um total de 244 drogas foi avaliado. Apenas uma mostrou ação digna de nota. Em termos estatísticos, isso significa que 99,6% das tentativas falharam — até mesmo no combate ao câncer, a taxa de insucessos dos candidatos a fármacos fica em 81%.
A mais recente grande esperança contra o Alzheimer foram medicamentos da classe dos anticorpos monoclonais. Eles até provaram ser capazes de retirar o excesso de beta-amiloide do cérebro, proteína que está relacionada à doença. Mas, infelizmente, esse efeito não resultou em ganhos de memória ou de raciocínio, ao menos nos pacientes em estágio avançado. Como seguir em frente? Antes de avançarmos na discussão, entenda abaixo o que acontece quando esse tipo de demência se instala na massa cinzenta:

O que é o Alzheimer dentro do cérebro

1. Tudo bagunçado
Anos de dieta ruim, sedentarismo e pressão alta propiciam uma inflamação no corpo todo. Nisso, a massa cinzenta é bastante lesada.
2. Juntou sujeira
Um dos fenômenos do Alzheimer é o acúmulo da proteína beta-amiloide. Ela forma placas que destroem as conexões entre os neurônios.
3. Em evolução
Numa fase posterior, outra proteína, a TAU, dá início à formação de emaranhados dentro das células neurais. Isso também as leva ao colapso.
4. Fábrica parada
Na fase final, a produção do neurotransmissor acetilcolina é abalada. E essa substância é essencial para reter as memórias.
5. O papel do DNA
Defeitos nos genes APP, PSEN1 ou PSEN2 são culpados por 1% dos casos. Já mutações no APOE ou no TREM2 elevam o risco de Alzheimer.

Etapas do Alzheimer

Pré-clínico (dura até 20 anos)
Os esquecimentos são bem ocasionais e não chegam a atrapalhar a rotina ou o trabalho de maneira perceptível.
Declínio cognitivo leve (dura até 20 anos)
Parentes e amigos começam a notar os “brancos”, mas é possível executar todas as atividades.
Comprometimento cognitivo leve (de 1 a 3 anos)
Os sintomas já estão mais claros e causam certa ansiedade. O sujeito segue com a vida normal.
Demência leve a moderada (de 2 a 3 anos)
O diagnóstico tende a ser feito aqui. Surgem episódios de reclusão e agressividade.
Demência moderada (de 1 a 2 anos)
A confusão se acentua e não há mais condição de acompanhar as finanças ou dirigir.
Demência grave (de 2 a 3 anos)
O paciente não reconhece mais a própria família. É preciso recorrer a cuidados profissionais.
Estágio final (de 1 a 2 anos)
Dificuldades para comer, andar, falar ou fazer qualquer coisa. O indivíduo fica totalmente descolado da realidade.
Além das lembrançasA memória nem sempre é o primeiro indício de Alzheimer. Confira outros sinais:
Sem palavras: dificuldade frequente para encontrar os termos que descrevem um objeto ou uma situação.
GPS quebrado: falta de orientação pelo espaço. O sujeito não vai mais de um lugar a outro sem se perder.
Apatia: queda na motivação e no interesse pela profissão e pela família. Lembra uma depressão.

Transformando más notícias em conhecimento

O que era motivo de frustração e desistência virou incentivo para uma das maiores revoluções no campo das neurociências. As más notícias permitiram entender um conceito-chave das demências.
“O processo de perda de neurônios e mudanças estruturais do cérebro começa de 15 a 20 anos antes de aparecerem os sintomas iniciais”, revela o neurologista Marsel Mesulam, professor da Universidade Northwestern, nos Estados Unidos. A descoberta dessa valiosa janela de tempo abriu uma oportunidade única para se pensar em intervenções que interrompam a progressão do problema ou até evitar que ele dê as caras.
Vamos a um exemplo: e se aquelas drogas que limpam a proteína beta-amiloide dos neurônios fossem aplicadas em indivíduos que estão numa fase anterior, em que as manifestações ainda não são tão graves? É justamente isso que as farmacêuticas estão fazendo neste momento.
“Acabamos de incluir todos os voluntários numa pesquisa e esperamos ter os resultados até 2020”, estima o neurologista Marcelo Gomes, diretor da Biogen, companhia que criou o aducanumabe, um dos fortes candidatos da turma dos anticorpos monoclonais. Além dele, outros que ganharam destaque recentemente foram o solanezumabe (Eli Lilly), o crenezumabe (AC Immune) e o gantenerumabe (Roche).
Mais do que renovar os ânimos nas bancadas dos laboratórios, essa corrente antecipatória abriu possibilidades para se compreender como a adoção de hábitos saudáveis influencia no risco de desenvolver a demência. “Pela primeira vez, a Conferência Internacional da Associação de Alzheimer, o congresso mais influente da área, dedicou sua palestra de abertura ao impacto do estilo de vida nessa doença”, conta a neurologista Ayesha Sherzai, professora da Universidade de Loma Linda, nos Estados Unidos, e coautora do livro A Solução para o Alzheimer (Editora BestSeller), recém-publicado no Brasil. Mas o que todos nós podemos fazer para se prevenir o triste apagar das capacidades cognitivas?

Como evitar o Alzheimer

O mais bacana é que não precisa seguir nenhum plano mirabolante para resguardar nossa central de comando. Basta adotar as mesmas estratégias indicadas para proteger o coração, os pulmões ou os rins. “Aposte numa alimentação equilibrada, pratique atividades físicas regulares, durma bem, maneje o estresse…”, lista o neurologista Octávio Pontes Neto, presidente da Sociedade Brasileira de Doenças Cerebrovasculares.| Repare: não é nada muito distante do que sua mãe, seu médico ou a revista SAÚDE sempre recomendam a você nos mais variados contextos.
“Controlar fatores como a pressão alta e o diabetes também minimiza danos aos vasos sanguíneos que levam oxigênio e nutrientes aos neurônios”, completa o neurologista Lucas Schilling, do Instituto do Cérebro da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Talvez a única ação específica para a massa cinzenta seja mesmo o estímulo intelectual. Frequentar a escola e fazer exercícios que desafiam várias aptidões da mente durante toda a vida é fundamental para construir uma boa reserva cognitiva.
Mas será que esse monte de atitudes tem efeito de verdade quando pensamos na demência? A resposta é sim, de acordo com o Finger, um estudo que envolve dezenas de instituições da Finlândia. Os cientistas reuniram 1 260 indivíduos de 60 a 77 anos que não apresentam sinais da doença.
Nos primeiros 24 meses do experimento, aqueles que mudaram o estilo de vida seguindo a cartilha básica que citamos acima conseguiram manter ou até melhorar funções cognitivas como a capacidade de planejamento. “E esses são os achados preliminares dessa intervenção de múltiplos domínios. O trabalho continua a acontecer e os dados completos serão divulgados nos próximos sete anos”, relata o neurologista Paulo Caramelli, professor titular de clínica médica da Universidade Federal de Minas Gerais.
Portanto, é hora de saber mais sobre quatro medidas consagradas contra o Alzheimer e outras doenças neurodegenerativas. Você já pode começar a adotá-las hoje:

1. Educação

Eis o fator mais importante de todos para ter uma mente sã por um tempo prolongado. Quando estudamos, nós aumentamos e fortalecemos as sinapses, as conexões entre os neurônios. “Com isso, criamos uma reserva cognitiva maior, o que nos ajuda a lidar com a morte dessas células e postergar os sintomas”, explica o neuropsicólogo Yaakov Stern, professor da Universidade Colúmbia, nos Estados Unidos, e um dos pioneiros nessa área. Diversos trabalhos científicos já demonstraram que ir à escola durante a infância e a adolescência diminui em até 8% o risco de uma demência futura.
“Sob esse aspecto, investir na educação é, sim, uma política de saúde pública que deveríamos encarar com mais seriedade para a prevenção dessas doenças”, destaca o médico Ricardo Nitrini, professor titular de neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Mas e quem já passou dessa fase? Dá pra construir a tal da reserva cognitiva depois dos 30 anos? Sem dúvida! Qualquer atividade que traga algum aprendizado se reflete em benfeitorias. Desse modo, vale se empenhar num novo idioma, se matricular numa faculdade, ler livros e até sair para conversar com os amigos.
Uma mente bombada?É comum ouvir por aí que a fórmula para manter a cabeça afiada é fazer alguma tarefa intelectual com regularidade, como palavras cruzadas ou sudoku. Além disso, está surgindo uma moda de academias para o cérebro, lugares ou aplicativos em que você se cadastra e realiza um treinamento com jogos. Porém, ainda não existem evidências robustas de que apostar num tipo de exercício específico e repetitivo e com o mesmo nível de exigência vai trazer benefícios à cognição em geral – você ficaria melhor apenas na habilidade em si.

2. Alimentação

Se a função primordial da comida é ofertar o combustível para o organismo trabalhar a contento, não é estranho pensar que o cérebro é influenciado diretamente por aquilo que ingerimos. Afinal, apesar de representar menos de 2% de nosso peso corporal, esse órgão fica com 25% da energia que captamos por meio das refeições. “O consumo de muitas calorias, vindas principalmente do excesso de açúcar e gordura, eleva o risco de desenvolver o Alzheimer”, observa a nutricionista Renata Furlan Viebig, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo. Uma rotina alimentar desregrada está relacionada ao acúmulo de radicais livres, partículas que podem acelerar a derrocada dos neurônios.
“Na contramão, quem segue uma dieta ao estilo mediterrâneo, baseada na ingestão de frutas, verduras, legumes, cereais, peixes e doses adequadas de azeite de oliva, pode reduzir a probabilidade de demência em até 36% quando comparado a quem não possui esse hábito”, conta a nutricionista Patricia Contri, do Hospital Universitário de São Carlos, no interior paulista.
Reforçando o papel dos nutrientes ao cérebro, a Danone lançou há alguns anos o Souvenaid, um suplemento rico em ômega-3, colina, vitaminas do complexo B e outros ingredientes comprovadamente benéficos. Os estudos indicam que uma dose diária do produto aperfeiçoa o desempenho cognitivo e reprime a atrofia do hipocampo, região ligada às memórias recentes.
Neurônios nutridos
O que protege ou prejudica a mente
Frutas e cia.
Fornecem elementos antioxidantes, que neutralizam os radicais livres.
Peixes
Sardinha, salmão e cavala são fontes de ômega-3, essenciais para o cérebro.
Carnes magras
Ricas em vitaminas do complexo B, que fazem pequenos reparos no DNA.
Temperos
Cúrcuma, salsinha e canela vêm surpreendendo nos estudos.
Bebidas quentes
Café e chá-verde têm compostos que mexem com atenção e aprendizado.
Açúcar
Carboidratos simples em excesso elevam o aporte calórico e a inflamação geral.
Gordura
O exagero perturba a circulação sanguínea — péssimo negócio para o cérebro.

3. Bem-estar mental

O estresse é altamente nocivo ao órgão que regula os pensamentos. “Se ele foge do controle, estimula a liberação contínua de cortisol e adrenalina, hormônios que suscitam a inflamação, um dos gatilhos das doenças cerebrais”, detalha o neurologista Dean Sherzai, da Universidade de Loma Linda e coautor do livro A Solução para o Alzheimer.
Cada um tem a sua receita própria para lidar com o nervosismo exagerado. Tem gente que curte meditar. Outros preferem ouvir e dançar uma música no último volume. Há quem adore passar as tardes relaxando no parque.
Mas existe um fator em que todo mundo precisa prestar mais atenção: as horas de descanso noturno. “Quando dormimos, reorganizamos e armazenamos corretamente as informações que recebemos durante o estado de vigília”, destrincha a psicobióloga Monica Andersen, da Universidade Federal de São Paulo.
Em longo prazo, um repouso de péssima qualidade está ligado a diversos perrengues neurológicos. “A medida mais importante que as pessoas podem tomar para melhorar seu sono é sempre dormir e acordar nos mesmos horários, até nos finais de semana e feriados”, aconselha a especialista.
Por fim, fique de olho nos sintomas de distúrbios como a depressão e os transtornos de ansiedade e consulte um psicólogo ou psiquiatra se achar necessário. Muitas vezes, esses problemas provocam perdas de memória, e as terapias e alguns remédios já servem para tapar os buracos nas lembranças.

4. Exercícios físicos

Mexer o corpo tem uma ação dupla lá na cuca. Primeiro, uma vida ativa aprimora a circulação, o que garante um bom fluxo de oxigênio e nutrientes para a cabeça. Em segundo lugar, o esporte é um incentivo e tanto para a construção da reserva cognitiva. “Estudos demonstram que o exercício faz as redes neurais ficarem mais organizadas e eficazes”, conta o neurologista Fábio Porto, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Se você tem dúvidas sobre qual modalidade traria mais ganhos, por enquanto a ciência não sabe se vale a pena priorizar a parte aeróbica (corrida, bicicleta…) ou os treinos de força — provavelmente fazer um pouco de cada é o ideal. “Adotar a prática de atividades com intensidade moderada e ter o acompanhamento de um profissional de educação física só vai trazer mais benefícios”, ressalta a neurocientista Lia Bevilaqua, do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

O diagnóstico melhorou

Outro avanço digno de destaque na luta contra o Alzheimer está no diagnóstico. Se há poucos anos só dava para descobrir qual o tipo exato de doença que acometia o cérebro após a morte do paciente, hoje em dia os métodos evoluíram muito e dão pistas valiosas sobre o quadro logo no início, até mesmo naqueles 15 a 20 anos silenciosos e sem queixas.
Exames de imagem como a tomografia e a ressonância magnética ajudam a visualizar as regiões da cabeça com diferentes graus de degeneração. E a análise do líquido cefalorraquidiano, conhecido como líquor, consegue estimar como estão os níveis das proteínas beta-amiloide e TAU no sistema nervoso.
Porém, por mais reveladores que esses testes sejam, eles ainda não são prescritos para todo mundo que vai ao consultório do neurologista. Por ora, são apenas utilizados em situações específicas, como na escolha dos voluntários que irão participar das pesquisas dos novos medicamentos.
“Além disso, podemos indicá-los quando há suspeita em casos muito precoces, em indivíduos com 50 anos ou menos, ou se há necessidade de fazer um planejamento financeiro e familiar de grande escala”, acrescenta Caramelli. Como são relativamente caros, esses métodos também dependem da disponibilidade de dinheiro de cada um ou da aprovação do convênio.
Tudo leva a crer que esses exames vão evoluir até chegarmos ao ponto em que será possível flagrar o Alzheimer por meio de uma simples coleta de sangue ou de saliva. Enquanto esse sonho não vira realidade, vale ficar atento aos sintomas que a enfermidade dá e aprender a diferenciá-los dos esquecimentos normais que surgem com o envelhecimento.
“Toda falha de memória que prejudica a vida merece ser investigada”, afirma o neurocientista Rogério Panizzutti, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Uma detecção logo cedo permite um tratamento com qualidade, o que leva a uma progressão mais lenta do quadro.

O tratamento, hoje e no futuro

As perspectivas futuras no combate às demências são fascinantes. Mas elas não são desculpa para ignorar o elefante no meio da sala: ora, esse movimento de se antecipar aos sintomas não beneficia diretamente milhões de pessoas que sofrem hoje com a doença.
Para elas, o cenário farmacológico não é dos melhores: os investimentos em novos remédios para o quadro já estabelecido são praticamente nulos. Resta apelar às poucas opções nas prateleiras das farmácias.
“Além disso, precisamos cobrar das autoridades políticas públicas que garantam serviços de qualidade e dignidade não só para os doentes mas também para familiares e cuidadores”, afirma a enfermeira Leoni Terezinha Zenevicz, da Universidade Federal da Fronteira Sul, em Chapecó, Santa Catarina.
Há quem critique a quase obsessão na busca por fármacos que atuem sobre a beta-amiloide. Por que não tentar interferir em outros fenômenos que ocorrem no Alzheimer? É exatamente o que propõem alguns cientistas que trabalham em tratamentos para inibir a proteína TAU — outro caminho promissor.
Há ainda quem aposte em soluções mais futuristas, como terapias com células-tronco, que poderiam repor os neurônios danificados, ou até transfusões de sangue rejuvenescido. Ao menos em camundongos, essas duas iniciativas demonstraram resultados instigantes. Não se sabe como elas vão se sair quando testadas nos seres humanos.
Para o estudioso Yaakov Stern, da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, vivemos um momento mágico na neurociência. “Estamos num estágio muito parecido com o que aconteceu na oncologia há 30 anos. Nosso conhecimento evoluiu demais e estamos agora colhendo os frutos de todo esse esforço”, raciocina.
Que venha o fim do Alzheimer… E tomara que, em breve, tenhamos recursos para salvar as mentes dessa terrível doença que afetou, afeta e afetará tanta gente — o próprio escritor Gabriel García Márquez morreu em razão de uma demência aos 87 anos.

É o que tem pra hoje

Os remédios atuais têm efeitos modestos e temporários
Inibidores de acetilcolinesterase
Servem para os quadros leves e moderados. Impedem a degradação do neurotransmissor acetilcolina, que possui papel na memória.
Memantina
Combate o glutamato, outra substância da química cerebral que, em excesso, é prejudicial.

Apostas do amanhã

Os fármacos mais próximos de se tornarem realidade
Anticorpos monoclonais
Varrem a beta-amiloide do cérebro. Falta saber se esse efeito se traduz em ganhos cognitivos na vida real.
Terapias antiTAU
Atuariam sobre a proteína TAU, que se acumula e mata os neurônios. Mas as pesquisas aqui estão numa fase preliminar.

Como lidar no dia a dia?

O Alzheimer exige adaptações na rotina. Veja algumas dicas para auxiliar quem tem a doença
  • Sempre use um tom de voz calmo nas conversas.
  • As frases para explicar algo devem ser claras e concisas.
  • Explique suas ações e os procedimentos de forma simples.
  • Crie uma agenda diária.
  • Instale calendários e relógios pela casa.
  • Post-its são uma ótima maneira de guardar informações-chave.
  • Seja tolerante com perguntas e comportamentos repetitivos.
  • Incentive a participação do indivíduo em atividades que ele gostava muito de fazer.
  • Ofereça o apoio emocional que o paciente requer.
  • Músicas relaxantes, carinhos e massagens são uma boa pedida.
  • Dê pequenas missões que a pessoa é capaz de completar.
  • Se possível, mantenha as portas da casa trancadas.
  • Que tal adotar um bichinho de estimação? O convívio com um animal é uma saída para acalmar os nervos e ter uma companhia
Escolha difícilQual a hora certa de colocar uma pessoa com demência grave numa instituição de longa permanência ou contratar os serviços de um cuidador particular? Essa decisão costuma preocupar os familiares, que se veem num misto de sentimentos de culpa e esgotamento emocional. “Um bom parâmetro para se chegar a um consenso é avaliar quanto a convivência com o parente doente está impactando no equilíbrio de todos que estão à sua volta”, diz o médico Carlos André Uehara, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. Outro fator que deve pesar é a necessidade de cuidados profissionais – para dar banho, trocar fraldas, administrar medicações…

Cabeça em apuros

O Alzheimer representa 60% dos casos de demência. Conheça outros tipos
Vascular
Segunda mais comum, é caracterizada pelo bloqueio dos vasos que levam sangue às diversas regiões da massa cinzenta.
Corpos de Lewy
Traz uma série de mudanças no comportamento, dificuldades de movimento e alterações visuais.
Parkinson
Conhecida por tremor e rigidez muscular, essa condição chega a afetar a capacidade cognitiva em algumas ocasiões.
Frontotemporal
Causa desinibição e até depravação, além de uma tendência à impulsividade. Inicia-se com uma crise de depressão.

terça-feira, 13 de novembro de 2018

Imunoterapia: por dentro de uma das maiores inovações contra o câncer

Cientista dá uma aula sobre o tratamento que está revolucionando a oncologia ao ampliar as chances de remissão da doença

Para entender o papel, os sucessos e as perspectivas da imunoterapia contra o câncer, devemos antes vislumbrar como o sistema imunológico funciona e se comporta diante das células do tumor. Nossa imunidade tem a função crucial de combater agentes infecciosos e falhas que culminam no surgimento e na expansão de células cancerosas. Ao mesmo tempo, conta com alguns mecanismos para evitar uma reação exagerada e perigosa para o próprio organismo. É desse jogo um tanto dinâmico e em geral equilibrado que o câncer se aproveita para ganhar terreno. Ele é capaz de escapar do sistema imune de duas formas: escondendo-se das nossas defesas ou inibindo diretamente sua atuação frente às células tumorais — é como se a célula tumoral acionasse um freio já existente no sistema imune para continuar crescendo.
Pode parecer estranho, mas faz sentido o corpo ter essa espécie de freio na imunidade. Em um organismo saudável, isso evita uma resposta exacerbada e nociva contra suas próprias células — processo típico das doenças autoimunes. Acontece que o câncer usa esse fenômeno a seu favor. E é aí que entra em cena a imunoterapia: ela busca ensinar ou liberar o sistema imune para não poupar o tumor.
Intervir nas nossas defesas para enfrentar o câncer não é exatamente uma novidade. Experimentos e métodos já foram feitos e testados há algumas décadas. Ainda hoje, por exemplo, pode se recomendar injeções da vacina BCG, desenvolvida para prevenir a tuberculose, no combate a alguns tumores de bexiga. É um tipo de imunoterapia, uma vez que ativa a imunidade para contra-atacar células cancerosas.
Mas nos últimos anos vivenciamos uma nova era na imunoterapia. Ela vem na esteira de descobertas e inovações que colocam esse tratamento como um novo pilar na oncologia — ao lado de quimioterapia, radioterapia etc. Existem dois principais braços de estratégias na imunoterapia. Vamos conhecer melhor cada um deles.

As células do paciente ativadas em laboratório

O primeiro, a imunoterapia celular, consiste em retirar células de defesa do paciente, trabalhá-las em laboratório e reinseri-las no indivíduo com o objetivo de atacar o câncer. Existem dois métodos que se prestam a isso.
Na chamada transferência adotiva, extraímos células do sistema imune que são capazes de se infiltrar no tumor, mas que, quando chegam lá, ficam inativadas. Nessa terapia, coletamos células imunes do corpo do paciente, ativamos as mesmas em laboratório e as devolvemos ao organismo a fim de que criem uma resposta mais efetiva contra a doença. Estudos recentes indicam regressão significativa de casos de câncer de mama, entre outros, com essa estratégia.
Outro método que emprega as células de defesa a nosso favor é o que se convencionou chamar de CAR-T Cells. A principal diferença aqui é que as células imunológicas são retiradas do sangue mesmo e modificadas geneticamente em laboratório para ganhar capacidade de choque contra o câncer. Injetadas no paciente, elas desatam toda uma reação contra as células tumorais. Há casos bem-sucedidos em alguns tipos de leucemia e linfoma.

Tirando o freio imunológico

Uma segunda linha de atuação da imunoterapia se baseia em medicamentos chamados inibidores de check point. Lembra que explicamos que o câncer tira proveito de mecanismos naturais do corpo para desligar a imunidade contra as células tumorais? Pois bem, a nova geração de medicamentos imunoterápicos se vale de anticorpos que inibem esses mecanismos de contenção ao bloquear moléculas que servem de freio para nossas unidades de defesa, os linfócitos T. Dessa forma, o corpo passa a contra-atacar, de fato, o câncer.
Esse novo jeito de tratar a doença é fruto de pesquisas que renderam o Prêmio Nobel de Medicina de 2018. O americano James Allison e o japonês Tasuku Honjo descobriram algumas das moléculas que, uma vez anuladas, permitem ao organismo direcionar suas forças contra o tumor.
Conheci e dialoguei com Allison quando trabalhava nos Estados Unidos e é interessante notar que seu achado foi inesperado. Ele não fazia suas pesquisas buscando necessariamente uma cura para o câncer, mas visando compreender melhor como funciona o sistema imune. Sua experiência reforça a necessidade da pesquisa básica em saúde, aquela que ainda não tem uma aplicação específica e utilitária, mas que pode, um dia, revolucionar o tratamento de uma doença.
Hoje, medicamentos imunoterápicos produzidos e testados por farmacêuticas já estão aprovados para uso no Brasil e lá fora, propiciando a um número cada vez maior de pacientes maiores taxas de sucesso diante do câncer.

Quem é candidato à imunoterapia

Embora os estudos iniciais com esses medicamentos tenham sido feitos com pacientes que não respondiam bem a outras opções terapêuticas, hoje sabemos que a imunoterapia já pode ser considerada uma primeira escolha em alguns contextos. Houve avanços expressivos nos terrenos do câncer de pulmão e do melanoma, o tumor de pele mais agressivo, por exemplo.
Mas tudo depende de uma boa avaliação do oncologista, que irá analisar o tipo, o estágio do tumor e as condições de saúde do paciente, e de exames que ajudam a visualizar características genéticas do paciente e do próprio tumor. Sabemos que os casos de câncer que mais respondem à imunoterapia são aqueles com um grande número de alterações genéticas (mutações), por exemplo.
As pesquisas clínicas indicam grandes vantagens quando a imunoterapia é bem indicada. Há índices significativos de sobrevivência acompanhada de qualidade de vida. É que o tratamento não só diminui a taxa de crescimento do câncer e reduz a metástase (quando o tumor se espalha) como também oferece menos toxicidade em comparação com a terapia padrão. Entre os efeitos colaterais observados estão algumas reações autoimunes, resultado daquele processo de reativação de células de defesa. Ainda assim, os eventos adversos são menos frequentes e intensos em relação à quimioterapia.
Felizmente, já podemos ver a imunoterapia levando alguns casos à remissão completa da doença após mais de cinco anos de acompanhamento. Ainda é delicado falar em cura, uma vez que não dá para descartar o risco de volta do problema ao longo do tempo, mas não há como negar os ganhos em expectativa e qualidade de vida.
Só é importante ter em mente que nem todo paciente é candidato à imunoterapia. Estamos inclusive investigando por que algumas pessoas não respondem a ela. No caso do câncer de pulmão, sabemos que 40% reagem bem. Um dos nossos desafios é compreender melhor como e por que acontece essa resistência em algumas circunstâncias.
De olho em ampliar as taxas de sucesso desse recurso terapêutico, hoje já se testam e avaliam combinações entre imunoterápicos em si, entre os inibidores de check point e as terapias celulares e mesmo a imunoterapia com a quimioterapia. A ideia é cercar o câncer em diversas frentes para obter mais êxito.
Um último desafio que não pode deixar de ser contemplado é a questão do acesso. Os tratamentos imunoterápicos têm um custo elevado, o que força o Brasil, o Reino Unido, os Estados Unidos e outros países a refletirem e discutirem como eles podem se tornar uma realidade a um número crescente de pessoas. Há uma movimentação importante nesse sentido, em um debate que engloba governos, companhias de seguro e farmacêuticas, e a expectativa é que as negociações conduzam a uma ampliação do acesso, tanto no sistema público como no privado.

No front da pesquisa

O Brasil também pode se orgulhar de ter centros de pesquisa destinados a avançar nas descobertas e aplicações da imunoterapia. Vim para o A.C.Camargo Cancer Center, em São Paulo, para montar um grupo focado em imuno-oncologia. Dispomos hoje de um centro tecnológico com a primeira máquina na América Latina, o citômetro de fluxo FACSymphony A5, capaz de mapear diretamente, em amostras de sangue ou biópsias do paciente, sua resposta imunológica ante o tumor.
Por meio desse dispositivo conseguimos estudar num contingente de dezenas de milhares de células parâmetros relevantes da imunidade do paciente. Na prática, esse método permite olhar, célula a célula e de maneira rápida e precisa, mais de 30 moléculas relacionadas a supressão ou ativação do sistema imune. É uma ferramenta valiosa para entender por que algumas pessoas respondem e outras não à imunoterapia.
Nas linhas de pesquisa do nosso grupo, investigamos essas alterações em casos de câncer de pulmão, cabeça e pescoço e melanoma. Os achados permitirão direcionar melhor quem é candidato ao tratamento e quem terá mais risco de desenvolver reações colaterais autoimunes. Além disso, mantendo colaboração com o Instituto Nacional de Câncer dos Estados Unidos, estamos de olho em possíveis novos alvos moleculares para ampliar o leque de atuação da imunoterapia. É pesquisa e tecnologia de ponta a serviço, hoje ou amanhã, dos pacientes.
* Dr. Kenneth Gollob é chefe do Grupo de Pesquisa em Imuno-Oncologia Translacional do A.C.Camargo Cancer Center, em São Paulo