sábado, 31 de julho de 2010

Sinal verde para testar embriões-EUA aprovam primeira experiência em seres humanos. Meta é terapia para lesão na medula

A Administração de Drogas e Alimentos dos EUA (FDA, na sigla em inglês) deu sinal verde ontem para a realização do primeiro teste com células tronco embrionárias em seres humanos, num ato que promete ser um divisor de águas das terapias celulares.
A experiência pioneira usará células desenvolvidas pela Universidade da Califórnia e a Geron Corporation em pacientes com lesão medular causadora de paralisia.
Cientistas brasileiros consideraram a autorização um marco que abre caminho para, a médio prazo, termos estudos semelhantes no país.
O teste em seres humanos já tinha sido autorizado para o mesmo grupo em janeiro do ano passado.
Antes que o estudo começasse, no entanto, a própria administração o suspendeu porque cientistas constataram o crescimento de cistos em camundongos que haviam recebido células similares. A Geron teve então que desenvolver novas formas de garantir a pureza das células a serem injetadas e realizar um novo teste com roedores. Mediante resultados positivos, a FDA derrubou a suspensão.

Preocupação com a segurança
As células-tronco embrionárias têm a capacidade de originar qualquer outra célula do organismo. O grande objetivo dos cientistas é induzir o desenvolvimento de tecidos para substituir aqueles lesionados ou doentes. A terapia abre caminho para o tratamento de uma ampla gama de problemas, de lesão na medula a mal de Alzheimer.
Até hoje, no entanto, as células só foram testadas em animais. Embora cientistas tenham obtido resultados promissores, um teste em seres humanos nunca foi feito. O grande temor é que as células pluripotentes (com capacidade para se transformar em qualquer tecido) não se comportem exatamente como esperado e acabem gerando tecidos diferentes ou, pior ainda, tumores cancerígenos.
— Eles devem ter conseguido selecionar as células certas para que o teste seja mais seguro — explicou a geneticista Mayana Zatz, especialista em células-tronco do Instituto de Biociências da USP. — Numa população de células, há subpopulações.
Se conseguirmos isolar as que formam cistos e retirá-las do processo, o teste fica mais seguro.
Este primeiro teste em humanos, de fase 1, tem por objetivo principal testar, justamente, a segurança do procedimento. Garantida a segurança do processo, novas fases checarão a sua eficácia. Anos de testes ainda serão necessários para que uma terapia possa ser aprovada e usada em grande escala em seres humanos.
— É importante deixar claro que se trata de um teste, é experimental — frisou Mayana, que estuda a aplicação de células-tronco em doenças neuromusculares.
— Nesta primeira fase, em que se testa a segurança, não há grande expectativa de resultado.
Cientistas da Geron e da Universidade da Califórnia induziram as células embrionárias a se diferenciarem em células chamadas oligodendrócitos.
E as usaram como base de um composto chamado GRNOPC1. Esse composto será injetado na medula espinhal do paciente, no local da lesão.
— Quando há uma lesão medular, o neurônio perde sua capa de mielinização, que permite a transmissão da informação nervosa — explica o coordenador do Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias (Lance) da UFRJ, Stevens Rehen. — Sem a mielina, é como se o neurônio não tivesse força para passar informações para os músculos nem receber informações sensoriais. Essas células que eles vão injetar, os oligodendrócitos, são responsáveis pela formação dessa capa de mielina. Os resultados em animais são impressionantes.
Serão selecionados em todos os EUA de oito a dez pacientes que tenham sofrido uma lesão entre a terceira e a décima vértebra — mais ou menos na metade superior das costas — há menos de 15 dias. A ideia é que o teste comece até o fim deste ano. A experiência levará dois anos para ser concluida, com cada paciente sendo estudado por 12 meses. Por razões de segurança, os pacientes serão monitorados pelos próximos 15 anos. Embora o objetivo seja testar a segurança, os cientistas estarão atentos a sinais de resultados promissores.
— Eles vão avaliar se houve aumento de sensibilidade e outras coisas, mas, como a lesão é muito recente, será difícil avaliar se alguma melhora detectada seria por causa do tratamento ou um processo natural — pondera Mayana. — Mas se trata de um primeiro passo muito importante. Há um limite com os modelos animais, chega a um ponto em que precisamos passar para testes em seres humanos.
Stevens Rehen se mostra um pouco mais otimista sobre os resultados a serem alcançados.
— Eles devem ter um grupo de controle, pacientes que sofreram lesões parecidas, no mesmo período, e que não vão receber as células — pondera o especialista, que já testou outro tipo de células para recuperar camundongos paralisados. — Se for possível identificar alguma melhora no controle da postura ou tronco, alguma sensação, já vai ser um grande avanço.
Para Rehen, é uma questão de tempo até o mesmo teste poder ser feito no Lance.
— Se tivermos um teste bem-sucedido, o laboratório terá subsídio para começar a trabalhar assim.

Nenhum comentário:

Postar um comentário