Descoberta da Fiocruz comprova que vetor da dengue, zika e chikungunya é risco para a população durante o verão calorento
Por
FRANCISCO EDSON ALVES
Rio - Antes conhecido
apenas por seus ataques diurnos, o Aedes aegypti — vetor da dengue, zika
e chikungunya — também ataca à noite, se a temperatura ambiente estiver
alta. A descoberta inédita é de pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz
(IOC/Fiocruz), que concluíram uma pesquisa sobre o assunto. Pelo
estudo, que durou nove anos e envolveu seis cientistas, comprovou-se que
os mosquitos Aedes aegypti e Culex quinquefasciatus (o popular
pernilongo ou muriçoca) apresentam reações diferentes aos estímulos de
luz e calor, fatores fundamentais na regulação do relógio biológico dos
seres vivos. Enquanto o Culex guia seus ciclos de atividade e repouso
principalmente pelas variações de luminosidade, o Aedes sofre maior
influência da temperatura.
"Ao contrário do que se pensava, o Aedes — que se
alimenta e coloca preferencialmente seus ovos durante o dia, enquanto
usa a parte da noite para repousar — pode estender suas atividades
noturnas, caso haja elevação da temperatura. Ou seja, num país em que
noites são quase tão quentes quanto os dias, especialmente em regiões
como o Sudeste, as possibilidades de transmissão das doenças no período
noturno se potencializam", adverte a pesquisadora Rafaela Vieira Bruno,
chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Insetos do IOC e
coordenadora do estudo.
O resultado do trabalho, único do tipo no mundo, acabou
de ser publicado na revista científica 'Journal of Biological Rhythms'.
De acordo com especialistas, o achado pode ter impacto significativo em
dados sobre a disseminação das doenças, uma vez que os padrões de
locomoção interferem em aspectos importantes da biologia dos insetos,
incluindo metabolismo, gasto energético, bem-estar e eficiência para
transmissão de patógenos.
Em quase uma década, os observadores simularam
diferentes condições de luz e calor. "Observamos que o Culex, a exemplo
de outros insetos, mantém seu padrão noturno de locomoção,
independentemente das mudanças de temperatura. Por outro lado, o Aedes
troca o dia pela noite, quando confrontado com um dia frio e uma noite
quente", detalha a bióloga.
A pesquisa contou com a colaboração dos laboratórios de
Biologia Molecular de Insetos, de Mosquitos Transmissores de
Hematozoários e de Fisiologia e Controle de Artrópodes Vetores do IOC,
além do Instituto de Biologia do Exército (Ibex) e do Instituto Nacional
de Ciência e Tecnologia em Entomologia Molecular (INCT-EM).
Ritmos diários
Todos os seres vivos contam com mecanismos para ajustar
seus comportamentos aos ciclos diários. A alternância entre vigília e
sono é o exemplo clássico do ritmo circadiano (período completo de 24h),
mas diversos outros comportamentos são regulados pelo relógio
biológico. Nos mosquitos, os mais importantes são atividade locomotora,
reprodução, busca pelo criadouro, postura de ovos e busca pelo
hospedeiro — ou seja, fonte de sangue para alimentação.
Esses comportamentos são orientados por moléculas
conhecidas como genes de relógio, que atuam no cérebro e nos tecidos dos
insetos. "O relógio biológico é ajustado pelas condições ambientais. Os
ciclos de claro e escuro e de temperatura são, geralmente, os fatores
mais importantes para regular os genes de relógio. Na presença das
variações ambientais, os ritmos circadianos são sincronizados", diz
Rafaela.
Em uma incubadora, os insetos foram submetidos a
condições variadas de luz e calor. A locomoção foi monitorada por
sensores de infravermelho.
Teste nos mosquitos misturou situações de luz
Para investigar estímulos de comportamento dos
mosquitos, os pesquisadores utilizaram condições conflitantes de luz e
calor. Em ciclos de claridade a 20ºC e escuridão a 30ºC, o Aedes ajustou
seu relógio biológico pela temperatura e passou a se movimentar mais
durante a noite.
A chikungunya e a febre amarela apresentaram um aumento
substancial em 2018 no estado do Rio. Em comparação a 2017, os casos de
chikungunya foram 770% maiores, e podem até chegar ao nível epidêmico
ainda neste verão. Já a febre amarela, que era tida como erradicada no
país, cresceu 870% nos municípios fluminenses. Sua alta letalidade (30%
dos pacientes) preocupa. A dengue, por sua vez, matou de 400 a 2 mil
pessoas em 2018, segundo dados da Superintendência de Vigilância em
Saúde.
"Cerca de 80% dos focos do mosquito estão nas casas. Ou
seja, a redução de doenças está nas mãos de cada morador. Não há melhor
solução ainda do que eliminar recipientes com água parada", insiste o
infectologista da Fiocruz, Rivaldo Venâncio.
Este mês também, pesquisadores da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ) anunciaram a criação de uma armadilha para o
Aedes. Trata-se de uma caixa com lâmpadas de LED nas cores azul, amarela
e verde, que atraem e matam as fêmeas do mosquito.
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