Médica argumenta que a chegada desses novos tipos de medicamentos poderão trazer mais acesso a pacientes e economia ao país
Ainda que as chances de cura de uma mulher que detecta o câncer de mama
em fase inicial cheguem a 90%, no Brasil a realidade das pacientes não é
tão otimista assim. Isso porque a maioria inicia o tratamento
oncológico quando o tumor se encontra em estágio avançado ou até mesmo
metastático, momento em que já se espalhou para outros órgãos do corpo.
De acordo com um estudo recém-publicado por pesquisadores brasileiros na revista científica The Lancet,
baseado em um programa criado pelo Ministério da Saúde, no período de
2001 a 2014, ocorreram cerca de 247 mil casos de câncer de mama no país,
sendo 40% em fases avançadas.
Dados coletados no Hospital das Clínicas da
Universidade Federal de Minas Gerais evidenciam os grandes obstáculos
enfrentados pelas pacientes com a doença para receber o tratamento no
SUS. Eles vão da demora em si, que chega a 80 dias para liberação de um
laudo de biópsia, a longas filas para realização de radioterapia. São
atrasos prejudiciais ao tratamento e que podem diminuir as chances de
cura.
No entanto, se antes um prognóstico de
metástase soava como o fim da vida, hoje o cenário é diferente. As
opções de tratamento estão mais eficazes e, embora a doença em fases
avançadas possa ser incurável, a paciente já pode conviver com o câncer
por muito tempo, mantendo qualidade de vida e autonomia.
O grande desafio é permitir às pacientes da rede pública acesso a
medicações tão inovadoras como na rede privada. É dentro desse contexto
que os medicamentos biossimilares podem se tornar uma alternativa
promissora no país.
Quando falamos em biossimilares, nos
referimos a produtos biológicos com custo menor e altamente semelhantes
aos medicamentos originais de referência. Para seu desenvolvimento e
liberação, são considerados dois pontos fundamentais: a qualidade do
fármaco, que tem de ser rigorosamente comprovada por meio de extensivos estudos de comparação avaliando aspectos clínicos e não clínicos, e a questão econômica.
Um exemplo é o biossomilar do remédio
trastuzumabe, recentemente aprovado pela Anvisa e que será
comercializado por meio da parceria entre a indústria farmacêutica
brasileira Biomm e a sul-coreana Celltrion Healthcare (CHTC). Trata-se
de um anticorpo humanizado que, uma vez injetado no organismo, tem pouco
efeito nas células sadias, mas apresenta a capacidade de bloquear a
multiplicação de células cancerosas que apresentam grande quantidade de
HER2 (proteína que atua na progressão das células mamárias doentes).
O medicamento é utilizado para o tratamento
do câncer de mama em estágio inicial e metastático, e em diferentes
fases da doença, podendo ser empregado antes ou após cirurgia, associado
a quimioterapia, hormonioterapia ou a outro anticorpo, com
possibilidade de administração inclusive durante a radioterapia. Além
disso, o trastuzumabe pode ser usado em pacientes com câncer de estômago
metastático com expressão da proteína HER 2, em combinação com
quimioterapia.
No momento em que medicamentos com custo
mais baixo do que os de referência entram no mercado, é esperado que a
competição entre essas drogas estimule a baixa de preços aplicados,
sendo favorável tanto para a saúde suplementar quanto para o SUS. A
incorporação no sistema público viabilizaria um melhor gerenciamento dos
custos de saúde e até mesmo a aquisição de outros tratamentos,
redirecionando a quantia economizada para a compra de novas linhas
terapêuticas.
Em relação aos biossimilares, estima-se que
eles podem chegar 30% mais baratos que o medicamento de referência. Do
ponto de vista numérico, a verba que é aplicada para tratamento de
quatro pacientes poderia beneficiar cinco, sem perder a eficácia, a
segurança e a resposta em sobrevida.
Embora o câncer de mama seja o tumor mais
comum em mulheres e ainda seja diagnosticado tardiamente em boa parte
das brasileiras, existe uma grande expectativa em relação à fabricação
nacional de novas medicações, o que promoveria maior acesso a
tratamentos cientificamente eficazes. Além da chegada dos biossimilares,
uma maior abertura de estudos clínicos no país certamente aprimoraria o
desenvolvimento e a acessibilidade a essas novas tecnologias.
* Dra. Carolina Martins Vieira é oncologista e médica do Núcleo de Hematologia e Oncologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais
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