Cresce o número de pessoas que procuram ajuda para tratar sintomas de ansiedade e de depressão causados por problemas como o desemprego, a dificuldade para pagar dívidas e a falta de confiança no futuro do País
Cilene Pereira (cilene@istoe.com.br) e Fabíola Perez (fabiola.perez@istoe.com.br)
O brasileiro
anda vivendo dias difíceis. No trabalho, a pressão por bons resultados é
intensa e a ameaça de perda do emprego, constante. Quem foi demitido
sofre a angústia de tentar se recolocar profissionalmente e se deparar
com portas cada vez mais fechadas. Nos jornais, a avalanche de más
notícias econômicas e políticas desenha um cenário asfixiante, de
perspectivas pouco animadoras para os próximos meses. Uma pesquisa da
Confederação Nacional da Indústria captou em números a sensação da
maioria da população: o medo do desemprego cresceu 32% de dezembro a
março e o Índice de Satisfação com a Vida caiu 8% em relação a dezembro.
É o menor índice da série histórica.
Essa atmosfera tão pesada começa a produzir
repercussões na saúde mental dos brasileiros. Nos consultórios médicos,
os últimos meses têm sido marcados pelo aumento no número de pessoas em
busca de ajuda para lidar com sintomas de ansiedade e de depressão
desencadeados pelas incertezas e aflições da crise que vive o País. “Só
tinha visto algo parecido logo depois do 11 de setembro”, afirma o
psiquiatra carioca Leonardo Gama Filho, que atende em sua clínica no Rio
de Janeiro desde 1992. “O total de pessoas com queixas relacionadas à
situação atual se elevou exponencialmente”, diz. Também no Rio de
Janeiro, a psiquiatra Rita Jardim contabiliza maior busca por auxílio,
inclusive no serviço público. “Desde o início do ano passei a atender no
mínimo 16 pacientes por dia. Antes, eram 12”, conta a médica, que
atende no Hospital Psiquiátrico Municipal Jurandyr Manfredini. A
psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da seção brasileira da
International Stress Management Association - associação internacional
dedicada à pesquisa científica e à prevenção do estresse - observa
panorama semelhante em seu consultório em Porto Alegre. “Nas últimas
semanas houve acréscimo de 30% na busca por informações sobre o
atendimento e de 15% nos novos pacientes por causa da crise”, conta.
A maioria dos indivíduos chega na frente do
médico com queixas de insônia, irritabilidade, dificuldade de
concentração, apatia, cansaço. Na origem dos sintomas estão o medo de
perder o emprego, a ansiedade em saber se será possível encontrar um
novo trabalho e a continuidade de notícias ruins sobre o País, sem
perspectiva de que isso mude a curto prazo. “A crise traz uma situação
de alerta a todos, que gera insegurança”, explica Ana Lúcia Mandelli de
Marsillac, do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de
Santa Catarina. Além disso, o clima atual também pode recrudescer a
manifestação da ansiedade e da depressão em pacientes já diagnosticados.
“Nesses indivíduos, em tratamento e sabidamente predispostos, o
noticiário negativo leva ao agravamento dos sintomas”, explica o
psiquiatra Márcio Bernik, coordenador do Ambulatório de Ansiedade do
Hospital das Clínicas de São Paulo. Não é à toa, portanto, que os
pacientes que procuram o psiquiatra Leonardo Gama Filho, do Rio de
Janeiro, saem com a recomendação de evitar assistirem aos telejornais.
A associação entre crises e doenças
psiquiátricas é algo indiscutível aos olhos da ciência. A última grande
lição sobre como uma coisa leva inexoravelmente à outra veio com o crash
financeiro no qual os Estados Unidos e a Europa mergulharam em 2008,
com consequências ainda desastrosas para muitos países. Nas nações mais
fortemente afetadas, como Grécia e Espanha, boa parte da população
sofreu pesadamente de ansiedade e pressão. Um levantamento realizado por
pesquisadores espanhóis, por exemplo, demonstrou que entre os anos de
2006 e 2010 houve, na Espanha, 19% de aumento no número de casos de
transtornos de humor, 8% no atendimento a crises de ansiedade e de 5% de
doenças associadas ao abuso de álcool.
Ansiedade e depressão são enfermidades
diferentes mas passíveis de serem desencadeadas em tempos complicados.
Isso porque são resultado de uma combinação que inclui desde mecanismos
desenvolvidos pelos homens ao longo de sua evolução até falhas na
construção da resiliência – a capacidade de cada um de resistir às
pressões. No caso da ansiedade, trata-se de um estado necessário à
sobrevivência. É ela que ajuda o corpo a se preparar para uma situação
adversa, ameaçadora. Por isso, vem marcada fisicamente por respostas que
deixam o organismo pronto para reagir: aumentam a pressão arterial e o
batimento cardíaco e deixam o cérebro em alerta.
O problema é quando esse estado de
prontidão não se desarma. Desta forma, a possibilidade de haver um
remanejamento na empresa ou de não conseguir pagar a próxima prestação
do carro é capaz de acionar de novo e de novo o esquema, trazendo um
sofrimento tão grande e tão freqüente que a pessoa tem dificuldade para
viver sua vida normalmente. É o que os médicos chamam de ansiedade
disfuncional. Ou seja, ela perdeu sua função principal, a de ajudar o
corpo a responder, e passou a ser uma doença.
Na depressão, a reação é outra.
Na depressão, a reação é outra.
Duas das marcas da enfermidade são a apatia
e a extrema dificuldade de enxergar novas perspectivas, a luz no fim do
túnel. Circunstâncias difíceis – como as experimentadas atualmente no
Brasil - engrossam o caldo propício à manifestação ou ao agravamento de
ambas as características.
Um ponto comum no desencadeamento da
ansiedade e da depressão é um processo fisiológico que tem por trás o
estresse crônico – algo que tende a se acentuar em dias como os atuais.
São cada vez mais evidentes as constatações científicas de que submeter a
mente ao estresse durante períodos mais extensos promove mudanças no
cérebro que deixam as pessoas mais vulneráveis às duas enfermidades. Uma
delas é o aumento no surgimento de células produtoras de mielina
(bainha que recobre as fibras nervosas) e menor produção de novos
neurônios. Isso provoca uma quebra no delicado equilíbrio do sistema de
transmissão de informação entre um neurônio e outro, predispondo o
cérebro a apresentar falhas em seu funcionamento que podem resultar nas
duas enfermidades.
Como não se tratam aqui de questões simples
de serem resolvidas, para as quais exista apenas uma saída, o
tratamento das duas doenças exige medidas diversas. Do ponto de vista
médico, elas incluem o fornecimento de medicação e psicoterapia. Os
remédios são os antidepressivos e os ansiolíticos. Os primeiros atuam
sobre o sistema de serotonina, umas das substâncias que faz a
comunicação entre os neurônios e que está envolvida, entre outras
funções, no processamento das emoções. Eles não causam dependência e
alguns são indicados também para casos de ansiedade. Já os ansiolíticos
impedem a ação do GABA, substância presente no sistema nervoso central
que também age na comunicação entre os neurônios. Desta maneira, reduz a
velocidade do funcionamento do sistema, atenuando os efeitos da
ansiedade. Alguns podem causar dependência de acordo com a dose e o
tempo de uso. Por isso, o ideal é que sejam usados em baixa dosagem e
por curto espaço de tempo (entre três e quatro meses).
A opção pelo medicamento é uma atitude que
deve obedecer a critérios claros. “Há situações nas quais não é preciso
remédio”, explica o psiquiatra Miguel Jorge, professor do Departamento
de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “O
momento adequado de indicar um remédio é quando a pessoa está vivendo a
situação com sofrimento intenso e/ou quando ela está afetando seu dia a
dia”, completa.
É consenso entre os especialistas também
que a abordagem psicoterápica é fundamental. “Não é incomum, por
exemplo, que uma pessoa que tenha quadro de pânico, mesmo sem crise há
dois anos, não consiga ir ao cinema. Esse medo não passa com remédio. É
preciso trabalhar a parte psicológica”, explica Miguel Jorge.
A modalidade de terapia mais indicada é a
cognitivo-comportamental. Como diz o nome, ela atua nas esferas
cognitiva, dos pensamentos, e de suas manifestações comportamentais. O
objetivo é ajudar o paciente a identificar pensamentos que estejam
associados ao aparecimento de sintomas, encontrar formas de
neutralizá-los ou de transformá-los e mudar os comportamentos que
normalmente estão a ele vinculados. Na prática, significa, por exemplo,
auxiliar um paciente a dar nova avaliação a uma situação que considera
ameaçadora. “Muitas vezes a pessoa hiper valoriza os riscos mas não
enxerga os recursos que tem para superá-los”, explica a psiquiatra
Gisele Gus Manfro, professora do Departamento de Psiquiatria da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
O terapeuta estimula o indivíduo a perceber
que está focando apenas no lado mais sombrio e o incentiva a encontrar
maneiras mais positivas de analisar a questão. “Muitos indivíduos se
depreciam, com pensamentos do tipo ‘não sou bom o suficiente para o
mercado atual’. Isso potencializa a chance de apresentar ansiedade e
estresse”, diz Allessandra Ferreira, especialista em gestão de pessoas e
coaching. Uma das formas de evitar armadilhas como esta é aumentar a
resiliência. “Em uma situação na qual muita gente já está perdendo
emprego e vai receber o fundo de garantia, o que a pessoa pode fazer?
Pode mapear o que tem de melhor e começar uma nova carreira. Um momento
terrível pode ser um momento de libertação. A pessoa pode desenvolver
uma vocação”, explica a psicóloga Mônica Portella, do Rio de Janeiro.
Opções como a prática da ioga e da
meditação também têm respaldo científico de eficácia. Na Unifesp, há o
estudo do mindfulness, prática que, por meio de exercícios de
respiração, ajuda as pessoas a voltar a atenção para o presente,
reduzindo a ansiedade em relação ao futuro. “Na rotina de trabalho
agitada, as pessoas focam a atenção nas expectativas, no futuro, e não o
que fazer no momento presente”, explica a psicóloga Isabel Weiss,
pesquisadora da instituição paulista.
Uma ampla análise feita pela Organização
Mundial de Saúde a respeito do impacto da crise europeia sobre a saúde
mental apontou que medidas sociais também são importantes para amenizar
os efeitos. Entre elas estão a instalação de programas de assistência a
desempregados, de apoio às famílias com portadores de ansiedade e
depressão e serviços que ajudem na renegociação de dívidas. Além disso, a
entidade sugere o aumento no preço das bebidas alcoólicas.
Fotso: Gustavo Luz, João Castellano/Istoé; Thiago Bernardes/Frame, Gabriel Chiarastelli; Marcos Nagelstein
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