Deu
zica. Este ano o Brasil enfrenta um surto de recém-nascidos com
microcefalia que é alarmante. Ao que tudo indica, essa epidemia está
relacionada a um vírus emergente, o zika vírus, que está se espalhando
rapidamente pelo país e pode ser o responsável por uma das piores
catástrofes na área de saúde de todos os tempos. São mais de mil casos
suspeitos de microcefalia em diversos estados, principalmente no
Nordeste. A microcefalia é uma malformação incurável que causa redução
do volume cerebral, com consequências graves e permanentes para o
desenvolvimento do individuo. É grave porque afeta fetos em formação e o
comprometimento é para vida toda.
O
zika vírus é um patógeno conhecido e identificado inicialmente em 1947
na floresta de Zika (Uganda), mas que desde 2007 estava restrito a
África e Ásia. Esse vírus pertence ao gênero dos flavivírus, que inclui o vírus da dengue, febre amarela e do Nilo, e pode
ser transmitido por um artrópode. No Brasil, são mais de 84 mil pessoas
infectadas. No individuo adulto, o Zika pode passar despercebido, em
alguns casos causando somente sintomas leves, como febre e dores pelo
corpo. Não existe vacina para esse vírus.
Após
alguns meses de silêncio, o governo federal finalmente se manifestou
sobre o problema. Com ajuda da Organização Mundial da Saúde e do CDC
(Centro de Controle de Doenças) dos EUA, que se preocupa com uma
eventual contaminação no continente americano, resolveram montar uma
operação de emergência. De acordo com nosso atual ministro da Saúde,
Marcelo Castro, o caos pode ser consequência direta de um descaso com o
programa de combate ao mosquito Aedes aegypti – o mosquito da dengue, e potencial agente transmissor do zika vírus.
Resolvi escrever sobre o assunto, refletindo sobre quais seriam as atitudes cientificas mais óbvias a serem tomadas. Isso não só seria uma oportunidade única para os cientistas brasileiros (pois o mecanismo de ação do vírus é ainda desconhecido), como permitiria que o governo investisse em soluções definitivas (ao invés de investir em evitar mosquitos). Os experimentos científicos descritos abaixo têm um baixo custo em comparação ao orçamento destinado ao extermínio de mosquitos e custos com futuros tratamentos para os afetados ao longo da vida.
Resolvi escrever sobre o assunto, refletindo sobre quais seriam as atitudes cientificas mais óbvias a serem tomadas. Isso não só seria uma oportunidade única para os cientistas brasileiros (pois o mecanismo de ação do vírus é ainda desconhecido), como permitiria que o governo investisse em soluções definitivas (ao invés de investir em evitar mosquitos). Os experimentos científicos descritos abaixo têm um baixo custo em comparação ao orçamento destinado ao extermínio de mosquitos e custos com futuros tratamentos para os afetados ao longo da vida.
A
primeira coisa a fazer seria buscar uma relação causal do vírus com o
fenótipo dos pacientes, algo inédito na literatura mundial. Até agora,
temos apenas uma correlação entre o vírus e material biológico dos
pacientes. E essa evidência não é robusta: apenas dois fetos infectados
com o vírus e com o diagnóstico de microcefalia por ultrassom existem
até o momento. O vírus também foi encontrado em tecidos de um outro bebê
com microcefalia que morreu ao nascer. Existem outras evidências
circunstanciais vindas de outros países e que, juntas, tornam essa
alternativa plausível. É possível que a versão do zika vírus brasileiro
seja uma variante ou linhagem genética mais patogênica, selecionada
através de algumas características da população nordestina, como
exposição ao vírus da dengue ou ao mosquito transmissor.
Mas
a pergunta mais importante seria como o zika vírus causa microcefalia?
Uma hipótese atraente seria que o zika vírus atravessasse a placenta,
atingindo o feto em momentos críticos do desenvolvimento neural na
gestação. O vírus poderia, por exemplo, infectar células do sistema
nervoso central, causando a morte ou alterando o ciclo de células
progenitoras neurais. Experimentos com modelos animais poderiam ajudar a
confirmar essa correlação, mas o tempo de gestação humano é diferente
da maioria dos animais em laboratório e ainda não sabemos se o vírus
infectaria células nervosas de outras espécies.
Um outro experimento possível é colocar o vírus diretamente em contato com “minicérebros” humanos. Felizmente o Brasil é um dos poucos países do mundo que já possui esse tipo de tecnologia, inclusive com participação privada, que poderia agilizar esses experimentos. Esse experimento apenas forneceria resultado interpretável caso o vírus causasse morte ou alteração na replicação e especialização de células progenitoras neurais. Um resultado negativo indicaria que o vírus deva atuar de forma indireta.
Um outro experimento possível é colocar o vírus diretamente em contato com “minicérebros” humanos. Felizmente o Brasil é um dos poucos países do mundo que já possui esse tipo de tecnologia, inclusive com participação privada, que poderia agilizar esses experimentos. Esse experimento apenas forneceria resultado interpretável caso o vírus causasse morte ou alteração na replicação e especialização de células progenitoras neurais. Um resultado negativo indicaria que o vírus deva atuar de forma indireta.
Sinceramente,
acho até mais provável que esse seja o caso, pois existem outros vírus
já conhecidos que agem de forma indireta e causam problemas cerebrais.
Nesse caso, o vírus não atingiria células progenitoras neurais
diretamente, mas células da glia que, quando estimuladas, secretam
moléculas imunológicas que afetam o desenvolvimento neural. Essa via
pode também ser ativada pelo sistema imune da mãe quando infectada, e as
moléculas imunológicas (não o vírus) seriam as responsáveis pela
microcefalia. O mecanismo indireto é interessante do ponto de vista do
vírus, pois sugere uma tentativa de coevolução. Uma análise genética,
sequenciando o genoma da variante do zika brasileiro e comparando-a com
as linhagens asiáticas e africanas, revelaria quais seriam os genes
causadores da resposta imune e, consequentemente, da virulência
inesperada no surto brasileiro.
Se
realmente descobrirmos que o zika vírus é modulado por sinalização do
sistema imune, poderemos contra-atacar sua atuação durante a gravidez
com certos anti-inflamatórios, por exemplo. Seria, com toda certeza, um
plano de ação muito mais eficaz do que tentar combater o zika evitando
mosquitos, estratégia que o Brasil fracassou no passado.
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