Um áudio que circula pelo Whatsapp apresenta os potenciais perigos de deixar esse tempero na geladeira por algum tempo. Será que a informação procede?
Nas
últimas semanas, uma mensagem de voz com 5 minutos de duração está
pipocando nos celulares dos brasileiros. Nela, uma mulher não
identificada diz que a cebola cortada
é capaz de atrair bactérias e, assim, provocar uma série de doenças.
Quem nos alertou sobre o assunto foi nosso assinante Altair Gomes, que
mandou um e-mail e pediu que fizéssemos uma avaliação sobre o assunto e
informássemos se a acusação é verdadeira ou falsa. Agradecemos o seu
contato e a sugestão, Altair!
Para
averiguar essa história direitinho, procuramos referências nos estudos
científicos e entrevistamos dois profissionais envolvidos com a área: a
nutróloga Nayara Almeida, do Rede D’Or Hospital São Luiz, em São Paulo, e o engenheiro de alimentos Edison Triboli, do Instituto Mauá de Tecnologia, em São Caetano do Sul. Os dois especialistas foram unânimes em afirmar que a alegação é totalmente falsa.
Para desmontar a farsa, nós transcrevemos o áudio do Whatsapp e vamos mostrar, ponto a ponto, todos os seus erros:
“[…] hoje eu descobri por que a cebola cortada e deixada de canto não pode ser reutilizada. Preste atenção. Cuidado com as cebolas. Em 1919, a gripe matou 40 milhões de pessoas…”
A autora do áudio se refere à gripe espanhola
que, na verdade, começou em 1918 e matou de 50 a 100 milhões de
indivíduos. Ela é considerada a pior pandemia da história da humanidade.
Desinformações assim já levantam a suspeita de um conteúdo falso.
“…um médico visitou os agricultores que tiveram o ataque e para ver se poderia ajudá-los a combater a gripe. Muitos dos agricultores e suas famílias que contraíram a gripe morreram. No entanto, o médico conheceu um fazendeiro cuja família era saudável e ninguém na casa pegou gripe. O médico perguntou ao agricultor o que ele estava fazendo que era diferente dos outros. A esposa do fazendeiro respondeu que ela cortou uma cebola com casca em um prato e colocou em todos os cômodos de sua casa.…”
Repare nas
mancadas cometidas aqui: não é citado o nome do médico nem sua
especialidade, qual país ou cidade em que ele atuava, quem eram esses
agricultores… Sempre desconfie quando os dados não são exatos e nem é
possível conferir a informação por meio de outras fontes.
“…ele pediu uma dessas cebolas, achando que era da plantação diferente. Quando colocou sob microscópio, encontrou nela o vírus da gripe. As cebolas obviamente absorveram todas as bactérias e, portanto, mantiveram a família saudável.”
Dois erros
crassos nesse trecho. Primeiro, não dá para visualizar um vírus no
microscópio comum. Esse agente infeccioso só pode ser visto num
microscópio eletrônico, que foi inventado no ano de 1931, bem depois da
gripe espanhola. Em segundo lugar, a voz feminina diz que as cebolas
“absorveram todas as bactérias”. Ora, a gripe é causada por um vírus, o influenza! As bactérias nada tem a ver com a doença.
“…enviei essa história para um amigo no Oregon que sempre me dá material sobre a questão da saúde. Ele me respondeu com essa interessante experiência com as cebolas. Ele disse: obrigado pelo lembrete. Eu não conheço a história do agricultor mas sei que também tive pneumonia e fiquei muito doente. Do meu conhecimento anterior de cebolas, cortei as duas pontas de uma cebola e coloquei em um jarro vazio e coloquei ao meu lado durante a noite. De manhã, comecei a me sentir melhor enquanto a cebola ficava preta…”
Sim, a
cebola pode até ficar preta se exposta no ambiente, pois entra em
decomposição. Mas esse processo não acontece de uma noite para a outra e
nem pela invasão de bactérias causadoras de pneumonia.
Aliás, não tem como todos esses micro-organismos saírem dos pulmões de
um indivíduo doente e migrarem, como num passe de mágica, para uma
cebola. Veja só, até os antibióticos, remédios potentes fabricados para combater esse tipo de infecção, demoram alguns dias para trazer resultado.
“…muitas vezes, quando temos problemas de estômago, não sabemos a quem culpar. Talvez as cebolas que comemos antes sejam as culpadas. Cebola absorve bactéria. E essa é a razão pela qual elas são tão boas em nos impedir de pegar gripes e resfriados. Por essa razão, não devemos devemos comer uma cebola que esteja descansando por um tempo depois de cortada. Restos de cebola são venenosos. Quando uma intoxicação alimentar é relatada, a primeira coisa que as autoridades procuram é se a vítima comeu cebolas e de onde vieram …”
O erro se repete: gripes e resfriados são provocados por vírus, não por bactérias. A nutróloga Mayra Almeida nos ajuda no trecho seguinte: “As infecções gastrointestinais
podem ser causadas por vírus e bactérias. O contágio se dá
majoritariamente por alimentos e água contaminados, em ambientes onde a
higiene é precária ou há falta de saneamento básico. Não é adequado
dizer que a cebola seria a causa única desses problemas.”
“…as cebolas são enormes imãs de bactérias, especialmente as cruas. Nunca guarde uma porção de cebola em fatias por um período de tempo e depois use-a na preparação de alimentos. Não é seguro nem mesmo se você armazenar em um saco com zíper e armazenar na geladeira…”
Baboseira
pura. Se essa acusação fosse verdadeira, muita gente já teria morrido
por aí. Não há nenhum relato na ciência sobre algum caso em que isso
ocorreu.
Na
verdade, não existe problema em utilizar um pedaço de cebola que restou
de uma receita feita anteriormente. É importante, claro, usar sempre o
bom senso: fique de olho no aspecto da hortaliça e descarte-a se
perceber qualquer sinal de decomposição, como mudança na cor, na textura
e no aroma. “Como ela tem um cheiro muito forte depois de aberta, o
ideal é guardá-la na geladeira dentro de um pote com tampa de borracha,
para impedir que o odor se espalhe para outros alimentos”, sugere o
professor Edison.
“…além disso, não dê cebola para os cães. Seus estômagos não podem metabolizar as cebolas…”
Finalmente um trecho com uma dica bacana! Tanto o alho quanto a cebola contêm uma substância chamada alicina. Em cães e gatos, ela pode levar a um tipo de anemia conhecido como hemolítica. Em suma, trata-se da destruição dos glóbulos vermelhos no sangue.
A intoxicação pode aparecer gradativamente e, para isso, é necessário
que o animal consuma uma grande quantidade desses ingredientes.
Só que isso não tem nada a ver com bactérias. Na dúvida, converse com o veterinário de seu pet.
“[…] sempre que cortar uma cebola e usar somente metade, coloque a outra metade em algum outro ponto de sua casa, preferencialmente nos quartos, para que absorvam possíveis bactérias…”
Uma
atitude dessas não vai adiantar em nada e só vai deixar sua casa com um
cheirinho, digamos, peculiar. Para evitar infecções, o melhor mesmo é
adotar outras medidas que têm comprovação científica, como lavar as mãos com frequência (especialmente ao chegar em casa, no trabalho ou na escola) e tomar as vacinas disponíveis para a sua faixa etária.
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