Médicos usam o vírus da Aids para mudar o material genético de células de defesa, tornando-as capazes de vencer a leucemia
Cilene Pereira
ESPERANÇA
Emma, na foto com sua mãe, Kari, fez o tratamento
e não tem sinais da doença há sete meses
Médicos da Universidade da Pennsylvania, nos Estados Unidos,
anunciaram na semana passada um feito memorável. Usando uma forma
alterada e inativa do HIV (não causa doença), o vírus da Aids, eles
conseguiram conter a progressão da leucemia – tumor nos glóbulos brancos
do sangue (leucócitos). A divulgação da façanha ocorreu durante a
realização do encontro anual da Sociedade Americana de Hematologia e
logo repercutiu no mundo. “É um marco”, afirmou o oncogeneticista
brasileiro José Cláudio Casali da Rocha, do Hospital Erasto Gaertner,
referência no tratamento do câncer em Curitiba, e do Centro Oncológico
de Niterói, no Rio de Janeiro. “É usar os nossos inimigos a nosso
favor.”
O que os cientistas fizeram foi utilizar o HIV como um veículo para
atingir um objetivo. Os médicos queriam estimular o sistema imunológico
dos pacientes a destruir as células tumorais. A maneira engendrada de
fazer isso foi modificar geneticamente os linfócitos T (células de
defesa) dos próprios doentes para torná-los mais aptos à tarefa. Milhões
dessas células foram extraídas. Em seguida, os médicos criaram uma
versão inativa do HIV e inseriram nele os genes que tornariam os
linfócitos mais eficazes. Eles fizeram isso por um motivo simples: o
vírus tem como alvo justamente os linfócitos T. Em seu estado natural,
ele invade essas células e mistura nelas o seu material genético. A
partir daí, elas viram uma espécie de fábrica de HIV, permitindo que o
vírus se replique e se espalhe pelo corpo. Na versão modificada, porém, o
HIV, em vez de colocar nos linfócitos seu material genético, colocou os
genes que os médicos queriam.
![Credito: 1.jpg](https://lh3.googleusercontent.com/blogger_img_proxy/AEn0k_uFcgu8eZwoeLgjkjHViAnTiaQu9tyWEjnRaY-YQ7IOSjYdVO5f6rLoxTNIn7dKr-tnWqc9fpyYQgha0edBVczlqPcFJ4Y3r0e0cnKzrPmBTNwdHYEXtpb5Z-56MK8vpTOVVfTEA24qZyMIKuKIkzWi=s0-d)
Depois de injetados novamente nos doentes, esses linfócitos
modificados interromperam a progressão da doença em três adultos – dois
não apresentam sinais da enfermidade há mais de dois anos – e em uma
criança. Emma Whitehead, 7 anos, está há sete meses sem sinais da
leucemia. “Nossa esperança é que o método possa substituir o transplante
de medula óssea”, disse à ISTOÉ o médico David Porter, um dos
coordenadores do experimento. O transplante pode curar a doença, mas
apresenta riscos (o paciente tem seu sistema imunológico destruído e
fica vulnerável a infecções). Já a terapia com o HIV pode causar
complicações pulmonares e de pressão arterial e é também por essa razão
que os médicos querem aprofundar as investigações. “Precisamos entender
como lidar com os efeitos colaterais sem bloquear sua eficácia”,
complementou Porter. Experimentos semelhantes estão sendo realizados no
Instituto Nacional do Câncer e no Memorial Sloan-Kettering Center (Eua).
Foto: Jeff Swensen/The New York Times/Latinstock
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