Pesquisas revelam os prejuízos ao desenvolvimento causados pela negligência sofrida por crianças de zero a seis anos
Cilene Pereira e Mônica Tarantino
Um campo
recente de investigação científica está revelando com clareza as marcas
deixadas no cérebro por causa da falta de cuidados com as crianças
durante seus seis primeiros anos de vida – período batizado de primeira
infância. São prejuízos que comprometem a capacidade de aprendizado, de
memória e de formação de vínculos afetivos na vida adulta e que também
predispõem ao surgimento de doenças como a depressão, a ansiedade e a
comportamentos violentos. Por ausência de cuidados entende-se desde a
negligência para com ações que asseguram conforto físico à criança, como
alimentá-la e vesti-la de acordo suas necessidades, até para com
aquelas que lhe garantem segurança emocional. Entre elas estão atos
simples como um toque carinhoso e o acolhimento em momentos de medo ou
de dor.
O mais recente trabalho a demonstrar esse
impacto foi divulgado pela equipe comandada por Johanna Bick, do Boston
Children’s Hospital (EUA). Os cientistas selecionaram 136 crianças com
idade de dois anos e que haviam passado pelo menos um ano em
instituições de amparo. Elas foram avaliadas até os 12 anos e seu
desenvolvimento cerebral comparado ao de crianças criadas por suas
famílias. Aquelas que haviam sido abandonadas apresentavam alterações
importantes em partes da substância branca (formada pelas extensões dos
neurônios) localizadas, por exemplo, em áreas envolvidas no
processamento das emoções. “Essas marcas terão impacto na capacidade
futura de raciocínio e de regular as emoções, entre outras funções”,
disse à ISTOÉ a pesquisadora Johanna.
À conclusão parecida chegou o cientista
Jamie Hanson, da Universidade de Wisconsin-Madison (EUA), após analisar o
cérebro de 128 crianças negligenciadas. Hanson verificou que elas
possuíam tamanho reduzido de amígdala e hipocampo – estruturas cerebrais
associadas às emoções e à memória. “Acreditamos que o impacto seja
devido à exposição contínua da criança ao hormônio cortisol, liberado em
condições estressantes”, explicou o cientista à ISTOÉ.
As evidências científicas mostram ainda
modificações relacionadas à maior probabilidade de surgimento de doenças
como a depressão e a ansiedade e também de dificuldade de criar laços
afetivos. “Nos primeiros anos de vida é formado o vínculo emocional da
criança com seus cuidadores familiares”, afirmou à ISTOÉ o psiquiatra
James Leckman, da Universidade de Yale (EUA), um dos mais renomados
especialistas do mundo nesse campo. “Essa ligação contribui para seu
desenvolvimento emocional e cognitivo e para seu investimento nas
relações pessoais no futuro.”
A confirmação pela ciência de que a
primeira infância é decisiva para a saúde física e mental na vida adulta
está motivando iniciativas para que o período receba mais atenção. Uma
delas é a criação do Marco Legal da Primeira Infância. O projeto de lei a
esse respeito está seguindo os trâmites necessários para ser aprovado
pelo Congresso Nacional. “Ele assegura prioridade absoluta aos direitos
das crianças de zero a seis anos”, explica Claudius Ceccon, secretário
executivo da Rede Nacional Primeira Infância, formada por mais de 120
organizações envolvidas na promoção do desenvolvimento adequado no
começo da vida. “O País precisa investir em políticas públicas e em
outras ações nesse sentido”, diz João Figueiró, do Instituto Zero a
Seis.
Na cartilha para o correto crescimento
emocional e cognitivo deve estar presente a preocupação para não
exagerar nos estímulos. “Pode haver a aceleração do desenvolvimento.
Acaba-se condicionando a criança a fazer coisas que ela poderia fazer e
aprender sozinha no seu tempo”, ressalva a socióloga Lourdes Atié,
pós-graduada em educação.
DANO
Equipe da americana Johanna Bick descobriu que crianças abrigadas em
orfanatos apresentavam alterações em sistemas associados às emoções
Na dose certa, os estímulos e o amor
produzem resultados fabulosos. Pais de Caio e Luiza, de dez meses,
Gabriela Domingues e Sérgio Veiga, de São Paulo, sabem bem disso. As
crianças nasceram prematuras e passaram três meses na UTI. “Falar com
eles, tocá-los, ficarmos próximos, fazia com que se acalmassem”, lembra
Gabriela. Muitas vezes até o padrão de respiração mudava para melhor. A
psicóloga Marília Kerr também faz questão de oferecer ao filho,
Henrique, 3 anos, bases emocionais sólidas. “Fui emocionalmente muito
bem nutrida quando criança. Faço o mesmo com ele.”
Fotos: Getty Images; Rafael Hupsel
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