Como a ausência de políticas públicas trouxe de volta ao País a doença infecciosa que tem consequências devastadoras, mas que pode ser facilmente evitada
Cilene Pereira (cilene@istoe.com.br)
Como se não
bastassem a zika, a dengue e o chikungunya, os brasileiros estão sob
ameaça de outra doença de consequências igualmente assustadoras. A
ineficácia das políticas públicas fez explodir os casos de sífilis no
País. Nunca foi tão alto o número de gestantes e bebês acometidos pela
terrível enfermidade infecciosa transmitida pela bactéria Treponema
pallidume que, se ocorrida ao longo da gestação, pode provocar nos fetos
malformações como a microcefalia, ou, após o nascimento, surdez,
cegueira e até morte. Em 2007, o total de crianças de até um ano de
idade nascidas com a doença (forma congênita) foi de 5.535. A projeção
para este ano é a do nascimento de mais de 22,5 mil bebês nesta
condição. Onze anos atrás, o País registrou cerca de 1,8 mil casos de
gestantes infectadas. Neste ano o total ultrapassará 40 mil. E por que o
Brasil coleciona mais essa mazela? Atribui-se ao aumento de
notificações – o problema já existiria, mas só agora sua real dimensão
foi conhecida –, à falta de uma campanha de prevenção e, o mais grave, à
falha na distribuição de medicamentos.
É mais uma das vergonhas nacionais. Países
como Canadá, Estados Unidos, Nicarágua e Barbados atingiram há três anos
a meta estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) de controle
da doença (0,5 casos a cada mil nascidos vivos). No Canadá, por
exemplo, em 2013 foram notificados os nascimentos de três bebês com
sífilis. Nos EUA, no mesmo ano, foram 429. Enquanto isso, naquele
período, o Brasil ultrapassou a marca de 13 mil crianças infectadas.
Os altos números também escancaram a falha
na assistência às grávidas contaminadas. A sífilis tem tratamento seguro
e eficaz tanto ao longo da gravidez, para evitar a transmissão da
bactéria da mãe para o feto, quanto depois do nascimento. Na primeira
circunstância, a indicação é a penicilina benzatina, e, na segunda, a
penicilina cristalina. Portanto, bastaria a realização de um pré-natal
como manda a cartilha – desde o início da gravidez e a aplicação do
teste diagnóstico ao longo dos nove meses – e, em casos positivos,
garantir às gestantes e aos bebês o acesso aos remédios. “É uma doença
que pode ser prevenida e tratada. Mas a assistência materno-infantil no
País é muito ruim”, afirma o infectologista Hélio Bacha, da Sociedade
Brasileira de Infectologia.
FALHA
Hélio Bacha, da Sociedade Brasileira de Infectologia: crítica ao tratamento e à prevenção
Há muitas mães que não fazem o teste ou o
fazem no final da gravidez, quando o feto já está desenvolvido, e
milhares que não recebem os medicamentos. Um informe do próprio
Ministério da Saúde do início deste mês retratou a situação calamitosa
do abastecimento de penicilina no País. Nos dia 28 e 29 de janeiro, o
Departamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis, Aids e Hepatites
Virais constatou que 60% das 27 unidades da Federação não tinham a
penicilina benzatina. E a do tipo cristalina faltava em todos os
Estados.
O governo federal atribuiu o
desabastecimento à falta mundial de matéria-prima para a fabricação dos
remédios, produzida na China e na Índia. E que, embora a
responsabilidade pelas compras seja dos Estados e municípios, empenha-se
em sanar o problema. Na semana passada, anunciou a compra emergencial
de 2,7 milhões de frascos da penicilina benzatina, a serem entregues no
mês que vem. “O desabastecimento criou uma dificuldade a mais”, afirma
Alberto Beltrame, secretário de Atenção à Saúde, do Ministério da Saúde.
Novamente, o que se vê aqui é o governo correr atrás para tentar
remediar uma tragédia já instalada. Há anos é assim com a dengue e
agora com a zika e a sífilis.
A sífilis é uma doença que pode ser evitada
com o uso da camisinha, uma vez que a principal via de transmissão é a
sexual (inclusive por meio do sexo oral). Desta maneira, sua prevenção
exige o uso de preservativos nas relações. Mais uma falha do governo.
Além de não informar a população sobre a doença e aprimorar os programas
de planejamento familiar, não promove campanhas de prevenção.
“Os dados são assustadores”
Secretário de Saúde de São Paulo, o infectologista David Uip afirma que a explosão da sífilis não ocorreu do dia para a noite
AVISO
David Uip: ''O poder público precisa intervir''
ISTOÉ – Por que a sífilis entre gestantes e bebês aumenta tanto no Brasil?
David Uip – Os dados são assustadores. Alerto para essa situação há algum tempo. Não é algo que aconteceu do dia para a noite.
David Uip – Os dados são assustadores. Alerto para essa situação há algum tempo. Não é algo que aconteceu do dia para a noite.
ISTOÉ – Quais as razões disso?
Uip – Há uma banalização em torno das doenças sexualmente transmissíveis. Estamos vendo o crescimento de muitas dessas enfermidades. As pessoas precisam usar o preservativo nas relações. E o poder público precisa intervir.
Uip – Há uma banalização em torno das doenças sexualmente transmissíveis. Estamos vendo o crescimento de muitas dessas enfermidades. As pessoas precisam usar o preservativo nas relações. E o poder público precisa intervir.
ISTOÉ – Com que tipo de ações?
Uip – É importante que o acompanhamento na gestação seja bem-feito, mas muitas grávidas não estão chegando ao pré-natal. No Brasil, 23% dos casos foram diagnosticados no terceiro trimestre de gravidez, o que significa que até então essas mulheres não tinham nenhuma assistência.
Uip – É importante que o acompanhamento na gestação seja bem-feito, mas muitas grávidas não estão chegando ao pré-natal. No Brasil, 23% dos casos foram diagnosticados no terceiro trimestre de gravidez, o que significa que até então essas mulheres não tinham nenhuma assistência.
ISTOÉ – Quais os outros problemas?
Uip – Muitas vezes a mulher faz o teste na primeira consulta apenas. Mas ela pode se contaminar durante a gestação. Dados indicam que 52% dos parceiros não foram tratados. Ou seja, a mulher continuava em risco. Além disso, em 16% dos casos as gestantes receberam tratamento inadequado. Tudo isso é muito preocupante.
Fotos: iStock; João Castellano/ISTOÉ; Fabiano Cerchiari
Uip – Muitas vezes a mulher faz o teste na primeira consulta apenas. Mas ela pode se contaminar durante a gestação. Dados indicam que 52% dos parceiros não foram tratados. Ou seja, a mulher continuava em risco. Além disso, em 16% dos casos as gestantes receberam tratamento inadequado. Tudo isso é muito preocupante.
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