Como uma perigosa combinação de
sociedades médicas clandestinas, desinformação de pacientes e desejo de
obter beleza a qualquer custo tem resultado em complicações e mortes que
ameaçam a confiança em cirurgias e procedimentos estéticos
Paula Diniz
Casos recentes de erros médicos e óbitos decorrentes de
cirurgias plásticas expuseram os riscos de uma atividade que tem atraído
uma parcela crescente da população, sobretudo feminina. Dados do
Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) mostram
uma explosão de queixas envolvendo a especialidade. Em 2015, foram 10
denúncias. O número saltou para 27 em 2016 e chegou a 68 no ano passado.
Apesar do aumento, as reclamações ainda não refletem a realidade:
muitos pacientes prejudicados preferem o silêncio. Não denunciam seus
médicos e nem ingressam com ação judicial, mesmo quando há comprovação
de erro durante o procedimento. As razões para não levar processos
adiante são muitas. “Há descrença no Judiciário, indisposição para
enfrentar um processo que pode ser custoso e demorado, além da falta de
estrutura emocional para as vítimas reviverem os fatos infelizes e
trágicos pelos quais passaram”, diz Fernando Polastro, voluntário
responsável pelos primeiros atendimentos, triagem e direcionamento de
pacientes que procuram a Associação Brasileira de Vítimas de Erro Médico
(Abravem). “Outros não denunciam por desconhecimento de seus direitos
ou dúvida sobre ter havido ou não erro médico em seu caso”. Como
resultado dessa omissão, mais e mais pessoas se tornam sujeitas a
procedimentos inseguros, negligência, imperícia e imprudência de
médicos. A falta de bom sendo na busca por um corpo perfeito, modelado
por implantes de silicone ou lipoesculturas é outro fator que contribui
para o aumento de casos sem final feliz. Para atender a uma crescente
demanda por transformações estéticas, surgiram no País até sociedades
médicas clandestinas, que colocam em risco a vida de pacientes. Código ultrapassado
A divulgação de procedimentos cirúrgicos por meio de redes sociais
deve ser vista com desconfiança. “Cirurgia plástica só com cirurgião
plástico. Procedimento estético pode ser com dermatologista”, afirma
Alexandre Senra, cirurgião do Hospital Albert Einstein e membro da
Sociedade Americana de Cirurgia Plástica Estética (ASAPS). “Não existe
mágica. Desconfie de preços muito abaixo da média, afinal é a sua vida”,
adverte. Segundo ele, o código de 1957 sobre o exercício da medicina
que diz que após os seis anos de formação o médico pode exercer qualquer
especialidade está ultrapassado. “Existe uma jurisprudência que diz que
o médico que faz procedimento sem estar habilitado pode ser penalizado.
A relação médico-paciente continua primordial, mas está se perdendo. O
médico precisa conhecer o paciente e vice-versa. Sem isso, somos apenas
técnicos.”
A filosofia da cirurgia plástica é gerar bem-estar, auto-estima e
contribuir para a harmonia da auto-imagem do paciente. Bem diferente da
venda de fantasias e ilusões feita por profissionais não habilitados
colocando em risco pacientes. O presidente da SBCP, Níveo Steffen,
afirma que a Sociedade é frontalmente contra a banalização dos
procedimentos cirúrgicos. “Cabe ao cirurgião plástico ser honesto ao
examinar e escutar o paciente para identificar a indicação ou não da
cirurgia plástica, informando sobre as reais possibilidades de
resultado, riscos cirúrgicos e pós-operatório”. Segundo Steffen, a SBCP
tem cerca de 6.500 membros. Apenas seis cirurgiões plásticos e um
dermatologista estão entre os 289 médicos processados por problemas em
procedimentos relacionados à cirurgia plástica entre 2001 e 2008. Corporativismo
Ainda que poucos cometam erros, o corporativismo da classe costuma
proteger os negligentes. Uma empresária de Campo Grande de 36 anos, que
pediu para não ser identificada, tem vivido esse drama. Ela colocou
prótese nas mamas em 2006. No ano passado, depois de amamentar dois
filhos, achou que os seios estavam um pouco assimétricos e consultou um
renomado cirurgião plástico da cidade, professor da Universidade Federal
do Mato Grosso do Sul, indicado por várias pessoas. “Combinamos a
retirada das próteses com correção estética no mesmo procedimento.”
Segundo ela, consta no prontuário médico que foi uma cirurgia de
retirada de implantes mamários com correções estéticas. “Não sei no que
ele errou, mas sei que o resultado foi um pesadelo na minha vida”.
Segundo a paciente, o cirurgião se negou a dar fotos do pós-cirúrgico
e a cópia do contrato de prestação de serviço. Ele disse que após seis
meses suas mamas voltariam ao normal, o que não aconteceu. Quando ela
voltou a procurar o médico, ele deixou de atendê-la e a bloqueou no
WhatsApp. A empresária consultou outros médicos que constataram lesão
muscular em uma das mamas, mas quando pedia um laudo, se negavam, por
serem colegas do renomado cirurgião e não quererem se comprometer. “O
que vai valer é a avaliação judicial, mas os peritos serão os colegas do
cirurgião que fez minha plástica. Será difícil encontrar um que aceite
se comprometer.” Depois da perícia médica, ela fará a cirurgia
reparadora nos Estados Unidos. “Não confio mais nos médicos daqui”, diz,
frustrada. Erros fatais
Denis Furtado, “Dr. Bumbum”, expôs a realidade da cirurgia plástica
no Brasil. Médico sem nunca ter feito residência médica e sem título de
especialista em qualquer área da Medicina, ele tem no currículo
pós-graduações não reconhecidas pelo Ministério da Educação. Denis (na
foto com a mãe, Maria de Fátima) foi preso no dia 19 de julho acusado de
ter causado a morte de sua paciente, a bancária Lilian Calixto (foto),
de 46 anos, após um procedimento estético realizado no apartamento do
médico no Rio de Janeiro.
Precauções que salvam vidas Casos atuais de erros e mortes em procedimentos estéticos chamam
a atenção para escolha criteriosa do profissional, esclarecimento do
paciente sobre possíveis riscos e os cuidados no pós-operatório
Certifique-se de que o profissional é registrado como cirurgião
plástico no site do Conselho Regional de Medicina de sua localidade e/ou
no site da SBCP
Sempre pesquise sobre antecedentes e idoneidade do profissional
Dê preferência a cirurgiões conhecidos ou próximos de sua família.
Cuidado com recomendações feitas por falsos pacientes criados para
elogiar profissionais em mídias sociais e blogs
Exija o Termo de Consentimento Informado. Médico e hospital têm a
obrigação de informar o paciente com linguagem clara sobre todas as
possibilidades de sua cirurgia, incluindo os riscos e fatores
imponderáveis, até mesmo a morte
Siga criteriosamente as orientações médicas antes e após a cirurgia
Fonte: Níveo Steffen, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP)
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