Segundo a Organização Mundial da Saúde, somente 50% dos doentes crônicos seguem o tratamento. Em pacientes com diabetes, a baixa aderência pode aumentar em 125% os custos com a doença. O problema é tão grave que grandes companhias já contratam empresas para garantir que seus funcionários tomem religiosamente seus medicamentos
Aretha Yarak
Adesão ao tratamento: de acordo com estudo americano, o
abandono dos medicamentos resulta em 125.000 mortes todos os anos nos
Estados Unidos
(Thinkstock)
Por definição, as doenças crônicas são silenciosas e se desenvolvem lenta e progressivamente. Isso significa que nos primeiros anos seus portadores não costumam apresentar sintomas ou complicações. Os sinais iniciais da doença tendem a surgir mais tarde, quando os órgãos já estão comprometidos. Essas doenças, a exemplo do diabetes, da asma e da hipertensão, não têm cura, mas podem ser prevenidas e controladas com a adoção de tratamentos adequados. É aí que entra um dos grandes problemas atuais da saúde pública: cerca de 50% dos pacientes não consegue cumprir com as recomendações médicas, sejam elas apenas a ingestão de remédios ou ainda mudanças nos hábitos de vida.
Tuberculose
Quando vale a pena pagar para o paciente se tratarA doença é causada bactéria Mycobacterium tuberculosis, que se propaga pelo ar. A tuberculose afeta normalmente os pulmões, mas pode atingir quase todos os órgãos do corpo. O tratamento é feito com o uso de antibióticos, que devem ser tomados por, no mínimo, seis meses. O abandono ou a irregularidade no tratamento reduz as chances de cura, agravando a doença e podendo levar o paciente à morte. O doente sem tratamento é um risco à saúde pública, já que é uma fonte permanente de bacilos e pode transmitir a doença a outras pessoas.
De acordo com o Ministério da Saúde, em 2010 foram detectados 88% das ocorrências da doença, com um indicador de cura de 73,2%. Atualmente são detectados 70.000 novos casos por ano. Um dos maiores problemas no tratamento da tuberculose é a adesão do paciente ao tratamento. Após os primeiros meses, quando o paciente já se sente saudável, há grande risco de abandono — a terapia exige a ingestão de mais de um antibiótico diariamente pelo prazo determinado pelo médico. O abandono e o tratamento irregular são as principais causas da tuberculose drogarresistente. Em geral, ela exige terapias mais prolongadas (de 18 a 24 meses), muito mais caras e que apresentam taxas de cura bem inferiores às observadas no tratamento básico.
A adesão é tão importante para sanar a doença, que alguns governos têm investido em programas de estímulo ao paciente. De acordo com a Secretaria de Saúde da cidade de São Paulo, por exemplo, o tratamento na capital segue a estratégia recomendada pela OMS, o Tratamento Diretamente Observado (TDO). Nele, o paciente é atendido diariamente, com o medicamento ingerido na presença do profissional da saúde. São Paulo incentiva o tratamento com a entrega de uma cesta básica mensal para os doentes em TDO e com o fornecimento de vale transporte. Estima-se que 6.000 novos casos apareçam todos os anos na capital paulista, e outros 1.000 passem por retratamento.
A Organização Mundial de Saúde estipulou para 2015 a redução nas taxas de abandono no tratamento da tuberculose para menos de 5%. Atualmente, as taxas no Brasil são de 10%.
Pesquisa publicada no The New England Journal of Medicine, em 2005, aponta ainda que os médicos também têm sua parcela de culpa pela baixa adesão ao tratamento. Segundo o estudo, eles falham quando há a prescrição de terapias complexas, não conseguem explicar corretamente os benefícios e os efeitos colaterais da medicação, desconsideram o estilo de vida do paciente ou o custo dos remédios e mantêm uma relação terapêutica pobre com o paciente. "Por isso, bato na tecla: o médico precisa ter tempo para falar com o paciente. Só assim ele vai conseguir explicar e entender as necessidades dele", diz Knobel. A medicina praticada no Brasil hoje, no entanto, caminha pela contramão: as consultas tendem a durar, em média, somente 15 minutos.
Impacto econômico — Estima-se que, nos Estados Unidos, de todas as admissões hospitalares relacionadas com o uso de remédios, de 33% a 69% se devem à baixa adesão aos tratamentos medicamentosos. Essas internações custam aproximadamente 100 bilhões de dólares por ano. De acordo com o Instituto IMS Health, do total de custos que poderiam ser evitados, a não adesão corresponde a 57%. No Brasil, não há levantamentos que apontem quais os prejuízos que o problema acarreta aos cofres públicos. Se os resultados americanos fossem extrapolados para o Brasil, considerando que em 2012 o orçamento do programa Saúde Não Tem Preço, do Ministério da Saúde, foi de 1,3 bilhão de reais, 650 milhões de reais teriam sido gastos com pacientes crônicos que não tiveram adesão ao tratamento — e, portanto, terão complicações futuras, engrossando a conta de hospitais.
Já um estudo publicado em 2008 no Journal of Managed Care Pharmacy aponta que, em pacientes com diabetes, quando a adesão ao tratamento é de 80% a 100%, os custos médicos totais são de 4.000 dólares. Mas quando essa adesão cai para níveis de 1% a 19%, os custos saltam para 9.000 dólares — um crescimento de 125%. Levantamento brasileiro feito na cidade de Passos, em Minas Gerais, como tese de doutorado apresentada em 2011 na Universidade de São Paulo, demonstra que apenas 1,4% dos pacientes com diabetes conseguiu aderir completamente ao tratamento — que inclui medicação, atividade física e planejamento alimentar. De acordo com a OMS, no continente europeu o desenvolvimento de complicações vasculares por diabetes respondeu por um aumento de 2 a 3,5 vezes com os gastos totais com a doença. "Os custos diretos com complicações atribuídas ao baixo controle do diabetes são de três a quatro vezes maiores, quando comparado a situações nas quais há o controle da doença", afirma o relatório do órgão.
Na hipertensão, doença que atinge cerca de 600 milhões de pessoas no mundo, a tendência é basicamente a mesma. Uma pesquisa de 2010 publicada no periódico Circulation mostra que a não adesão ao tratamento acontece com mais de 60% dos pacientes com problemas cardiovasculares. No caso específico da hipertensão, dos pacientes que conseguem manter o tratamento nas fases iniciais, mais de 50% tendem a parar com a medicação dentro de seis a 12 meses — período que coincide com a estabilização da pressão. "Como os remédios para hipertensão são distribuídos gratuitamente pela rede pública, acredita-se que o problema de adesão esteja resolvido no Brasil. A verdade é que a adesão continua ruim, porque ela não depende só do preço", diz Decio Mion, chefe da Unidade de Hipertensão do Hospital das Clínicas de São Paulo e coautor do livro Adesão ao Tratamento — O Grande Desafio da Hipertensão.
Pílula monitorada — A falta de adesão ao tratamento é um mau negócio não apenas sob o aspecto de saúde, mas também sob o financeiro. Hoje existem empresas que lucram fazendo com que funcionários de grandes companhias sigam religiosamente seus tratamentos. Fundada em setembro de 1999, a empresa paulista ePharma atua em um nicho de negócios promissor no Brasil — o do chamado Pharmacy Benefit Management, ou PBM (os brasileiros, para manter a sigla, batizaram essa política empresarial de "programa de benefício de medicamento"), Sua função é organizar um benefício extra aos funcionários de empresas terceirizadas: desconto em farmácia e acompanhamento das terapias. A empresa é responsável por gerir as listas de medicamentos subsidiados e, em alguns casos, ligar para o paciente para dar esclarecimentos e apoio no tratamento. Com mais de 150 clientes, 18.000 farmácias conveniadas e presente em mais de 2.000 municípios, a empresa nacional espera movimentar 45 milhões de reais em 2013.
"Nossos clientes são grandes corporações que já conseguem entender a importância de prover ao doente crônico o acesso aos remédios e, principalmente, promover sua adesão ao tratamento", diz Luiz Monteiro, médico e presidente da Associação Brasileira das Empresas Operadoras de PBM (PBMa). Segundo ele, quase 3 milhões de brasileiros já recebem esse tipo de benefício no Brasil, atendidos por alguma das quatro empresas do setor. Entre os clientes da ePharma está a Petrobras, que subsidia medicamentos — com descontos de 100% a 50% — há cinco anos para todos os seus colaboradores e dependentes. "Os medicamentos de alto custo, como os oncológicos, que não podem ser encontrados em farmácia, são entregues em domicílio", diz Pedro Oliveira, médico e gerente clínico do Programa de Gestão de Risco em Saúde da ePharma.
A empresa atende ainda planos de saúde, como a operadora baiana Promédica. Nesse caso, no entanto, o serviço é mais especializado: de 10% a 15% dos 120.000 conveniados recebem periodicamente ligações de uma equipe multidisciplinar para conversar sobre o tratamento. "A periodicidade com que essas ligações são feitas depende da gravidade estado do paciente. Elas podem ser feitas de duas vezes por semana a uma vez a cada três meses", diz Oliveira. As ligações duram, em média, 20 minutos e podem ser feitas por nutricionistas, psicólogos, farmacêuticos ou médicos, dependendo da necessidade do paciente. A preocupação faz sentido. Levantamento de coautoria de Décio Mion, feito no Hospital das Clínicas de São Paulo com 354 pacientes hipertensos e publicado no periódico Clinics, mostrou que as orientações multidisciplinares via telefone foram efetivas para conseguir a adesão ao tratamento. "Para uma boa resposta no tratamento, é preciso que se façam ações conjuntas, que se adotem medidas que abordem todos os aspectos da terapia", diz.
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