Elizangela chegou com dores no peito e plantonista alegou 'frescura'; ouça.
Técnica de enfermagem trabalhava no próprio hospital, que abriu inquérito.
Matheus Rodrigues
Do G1 Rio
Ellizangela trabalhava como técnica de enfermagem (Foto: Reprodução / Internet)
A técnica em enfermagem Elizangela Medeiros Gonçalves, de 35 anos,
morreu nesta segunda-feira (2), três dias após passar mal e buscar
atendimento no Hospital Estadual Adão Pereira Nunes (HEAPN), em Duque de
Caxias, na Baixada Fluminense, mesmo lugar onde ela trabalhava. A
família alega negligência no atendimento e a própria Elizangela havia
questionado a alta médica em um áudio enviado por Whatsapp
.
A mulher sentiu dores no peito e dificuldade para respirar na noite de
29 de outubro. O marido, Éder Gil Moreira, disse que chegou por volta
das 5h30 do dia 30 no hospital, mas a mulher só foi receber atendimento
duas horas depois. Segundo ele, o médico de plantão, identificado como
Sebastião, teria alegado que ela “estava de frescura” e teria proibido
que outros funcionários atendessem a paciente.
“Na quinta-feira, ela passou mal em casa, ai [sexta] de madrugada levei
para o hospital. Ela estava de folga. Quando chegamos lá, os
recepcionistas foram ótimos. Quando o médico chegou, disse que ela
estava de frescura, que ela estava tentando armar para pegar dias de
atestado. Como uma pessoa de folga vai de madrugada procurar um
atestado? O médico proibiu a equipe de colocar a mão nela, disse que
quem botasse a mão nela ia para o livro e seria advertido pela
coordenadora. Esperaram o plantão do médico virar para ela ser atendida.
Eu cheguei 5h30 da manhã e ela só foi atendida 7h30 da manhã”, afirmou.
Foi negligência, falta de amor humano, falta de amor ao próximo, o
médico que faz isso não está ali para salvar vidas, está ali pelo
dinheiro"
marido de Elzângela, Éder Moreira
Após ser avaliada por outro médico, Elizangela recebeu alta e voltou para casa. Familiares contaram ao
G1
que a técnica em enfermagem não conseguia andar, mesmo após ter sido
liberada da unidade. Na segunda-feira (2), a ela foi levada para uma
Unidade de Pronto Atendimento (UPA) após passar mal novamente e morreu.
“A gente socorreu ela na UPA, ela teve um infarto e uma parada
cardíaca. Tentaram reanimar, mas não adiantou nada. Já era tarde, não
tinha muito o que fazer. Ela foi com a mãe e o pai porque eu estava no
meio da Avenida Brasil, voltando do trabalho. O que tinha que ser feito,
tinha que ser feito quando buscamos o primeiro atendimento. Ela dava a
vida por aquele hospital, ela mesmo falava: ‘eu cuido dos meus pacientes
porque quero ver eles bem'. Agora, na hora dela, acontece isso. Foi
negligência, falta de amor humano, falta de amor ao próximo, o médico
que faz isso não está ali para salvar vidas, está ali pelo dinheiro”,
disse o marido.
Certidão de óbito mostra causa da morte indeterminada (Foto: Diego Medeiros / Arquivo Pessoal)
A certidão de óbito da técnica em enfermagem diz que a causa da morte é "indeterminada, hipertensão arterial sistêmica".
O marido de Elizângela não se conforma com o que aconteceu e contou
ainda que a esposa iria se formar em dois anos e estava empolgada para
se tornar enfermeira. “O sonho dela era terminar a faculdade dela, ia
terminar em dois anos e estava animada. Nós tínhamos planos e acabou
tudo. Tínhamos dois filhos e ela deixou duas sementes para mim”,
lamentou Éder, que cogitou a possibilidade de levá-la ao Hospital Carlos
Chagas, em Marechal Hermes, no Subúrbio do Rio, mas que depois achou
melhor levá-la no hospital onde ela trabalhava.
A mãe de Elizângela, Luzia, disse que a filha comentava que o médico
Sebastião ficava nervoso e reclamava quando tinha de ser acordado para
atender pacientes. Segundo ela, ele só ficava dormindo.
O irmão de Elizângela, Diego, contou que acompanhou o martírio da irmã e
que agora só espera que seja feita justiça e o médico Sebastião seja
punido para que não faça com mais nenhum paciente o que fez com a
técnica em enfermagem.
'Não quero morrer', revela áudio
Um áudio enviado pela técnica em enfermagem Elizangela Medeiros
Gonçalves para seus amigos de profissão relata os momentos em que ela
ficou no hospital onde trabalhava. No arquivo, Elizangela reclama do
atendimento recebido e diz que não quer morrer.
"Quando eu cheguei pela manhã, o doutor Sebastião me fez um Diazepam e
disse que eu estava com uma crise nervosa e eu estava dispneica,
cansada, pálida, sem conseguir falar. Eu era pra ter ido direto pra
vermelha e ele botou DZP, um negócio assim. Foi como se eu não tivesse
nada, fosse frescura. Não deixou ninguém me botar no O² e disse que se
alguém me botar no O² que ele ia relatar no livro e a equipe toda ia
levar ao superior. Renato da vermelha enfermeira foi lá e ele não deixou
me tirar dali. Eu fiquei até as 7h esperando alguém para me colocar no
oxigênio e eu vou te falar que foi Deus que me deu força para eu
suportar porque mais um pouquinho eu não ia aguentar nesse intervalo
esperando outro médico. Eu poderia morrer de falta de ar, de oxigênio,
porque até para ir no raio X eu tive que ir de ‘bola de oxigênio’ e pra
ir no banheiro eu já não estou conseguindo. E pra ficar internada para
esses médicos fazerem pouco caso, me tratar como um lixo e eu trato os
pacientes como prioridade. Eu não quero morrer. Para morrer ai, eu
prefiro morrer em casa", disse Elizangela no áudio.
Elizângela morreu três dias após receber alta médica (Foto: Reprodução / Internet)
Hospital apura episódio
A direção do Hospital Estadual Adão Pereira Nunes informou que
Elizangela deu entrada na unidade às 05h47 do dia 30, com queixa de
dores no peito e falta de ar, sendo imediatamente acolhida e atendida.
Já às 5h55 ela foi medicada, após exames clínicos, em que foram
constatadas pressão arterial levemente alta e taquicardia discreta. Em
seguida, solicitaram exames de eletrocardiograma e dosagem de enzimas
cardíacas, permanecendo em observação clínica. Elizangela voltou a ser
examinada pelo corpo clínico, às 7h30, passando por terapia com oxigênio
e medicações para controle da dor. Ela ficou em observação até às
15h30, quando recebeu alta médica.
A direção informou ainda que deu início a uma apuração para avaliar se
houve algum desvio de conduta dos profissionais que a atenderam. Caso as
denúncias sejam comprovadas, serão estipuladas as punições cabíveis. A
direção se solidarizou com a família e colegas de trabalho, se
disponibilizando a esclarecer dúvidas sobre o atendimento à paciente.
Coren notificou enfermeiros
Em nota, o Conselho Regional de Enfermagem do Rio de Janeiro informou
que fiscalizou, na tarde desta quarta-feira (4), as unidades de saúde
por onde passou a técnica de enfermagem Elizângela Medeiros para apurar
se houve alguma irregularidade no âmbito da enfermagem. Segundo o órgão,
“os enfermeiros responsáveis técnicos foram notificados e deverão
responder ao Coren-RJ sobre os fatos ocorridos”. Um parecer deverá ser
emitido pelo Conselho após a investigação.