Caramujo encontrado em rio de São Bento (MA)
(Foto: Clarissa Carramilo/G1)
A esquistossomose ou barriga d'água, doença que pode ser erradicada com
medidas de saneamento básico, ainda ameaça as cidades da Baixada
Maranhense, de acordo com o estudo do infectologista Raimundo Cutrim, do
Departamento de Medicina da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). O
médico doutor em Doenças Tropicais pesquisa as formas de contágio da
doença há 30 anos e garante que não há controle da transmissão no
Estado.
Sem registros detalhados sobre a enfermidade, o pesquisador recruta
acadêmicos periodicamente para realizar atendimento voluntário nas
cidades de maior incidência. O
G1 acompanhou o grupo em
Cururupu e São Bento, no norte maranhense. Em apenas uma manhã, foram
diagnosticados 35 novos casos da doença. A Secretaria de Estado de Saúde
informou que não há registros em 2015, enquanto o Ministério da Saúde
exclui o Maranhão dos Estados que pertencem à área endêmica. Para o
pesquisador, há algo errado na conta.
Infectologista Cutrim conversa com moradora
da Baixada (Foto: Clarissa Carramilo/G1)
"É preciso ter cuidado. A situação é de alerta. O governo federal
negligenciou, entregou tudo para Estados e municípios e alguns não
estavam preparados para receber, não tinham funcionários, a coisa não
foi tão bem. De São Luís até Belém, tem até mil localidades com
prevalência de esquistossomose, mais de mil", afirma.
Em Cururupu, município com pouco mais de 31 mil habitantes, há 23
estabelecimentos municipais de saúde e dois privados. Somente 4,1 mil,
de aproximadamente 7,3 mil residências, possuem abastecimento de água
encanada. A rede de esgoto é predominantemente formada por fossas
sépticas e rudimentares. A incidência de pobreza é de 62,91%, de acordo
com dados do IBGE.
Segundo o Ministério da Saúde, a doença é causada pelo
Schistosoma, parasita que necessita, além do homem, da participação de caramujos de água doce, do gênero
Biomphalaria,
para completar seu ciclo vital. Na fase adulta, o parasita vive nos
vasos sanguíneos do intestino e fígado do hospedeiro definitivo.
Rotina das comunidades é ligada ao rio
(Foto: Clarissa Carramilo/G1)
Vida no rio
O ambiente de rios somado ao panorama de abandono da saúde pública são
determinantes para o descontrole na transmissão da esquistossomose. Nos
povoados quilombolas Aliança e Ceará, os moradores são categóricos em
afirmar que ninguém se livra de contrair o verme.
"Todos! Todos! Todos os que estão vivos e os que já morreram, não
escapou nenhum aqui no pedaço do caramujo. Essa região é o lugar que tem
mais resultado desse verme. Quando chega lá na Funasa, já é conhecido o
Ceará", conta o lavrador José Rodrigues.
Por que, meu Deus, será que ela [a doença] entrou no meu corpo e não sai?"
Raimundo Cornélio, 82
Na comunidade onde os moradores se mantêm da produção e venda de
farinha de mandioca e da criação de animais, as casas são de barro e
palhoça, não há água encanada e nem esgoto. A rotina ligada ao rio
contribui para a disseminação dos casos.
"Eu acho que falta é saneamento básico. No caso, dentro da comunidade, a
distribuição de água, né? Tem muitas casas que às vezes pega a água
ainda na cacimba, próximo ao rio, então, eu acredito, com o pouco
conhecimento que eu tenho, que isso prejudica muito. Se tivesse assim
uns tanques pra pessoa trabalhar nas casas do forno. No caso, seria o
município ter mais atenção na distribuição de água. Tanto que preocupa
que isso tem forçado algumas pessoas até a mudar, tá fazendo um esforço
com pouca condição. E evita as pessoas que vêm, as vezes parente que
mora longe”, completa.
Raimundo Cornélio, 82, convive com o abdômen
dilatado (Foto: Clarissa Carramilo / G1)
Barriga d'água
Uma vez contraída, a esquistossomose pode causar coceira, febre, tosse,
diarreia, enjoos, vômitos e emagrecimento. Na fase crônica, há o
aumento do fígado e do baço, hemorragia no esôfago e dilatação do
abdômen, característica que dá à doença o nome popular de barriga
d'água.
O idoso Raimundo Cornélio, de 82 anos, convive com a esquistossomose há
anos. Com a barriga volumosa, os pés inchados e dificuldades para falar
e se locomover, ele não entende como contraiu a doença, que o leva a
extrair sete litros de água por dia do abdômen.
Maria Isabel dos Santos, 68, conta que ela eos 13
filhos tiveram a doença (Foto: Clarissa
Carramilo / G1)
“Do nada apareceu esse negócio. A barriga cresceu em janeiro do ano
passado. Eu quero uma explicação para eu entender o quê que é o meu
sofrimento. Por que, meu Deus, será que ela [
a doença] entrou
no meu corpo e não sai? Ela tem que sair. Toda doença, ela tem remédio.
Essa tá desse jeito. Como se formou, só Deus sabe”, lamenta.
Caramujo
A lavradora Maria Isabel dos Santos, de 68 anos, revela que ela, o
marido e os 13 filhos já tiveram a doença e que não sabe como acontece a
contaminação.
Não como, mas acho que bebo o caramujo"
Maria dos Santos, lavradora
"[
O caramujo] tá ali no rio. Tem muito. Não como, mas acho que
bebo o caramujo. Tô dizendo por dizer, porque eu não sei como é que ele
vai pra gente. Eu não como, mas vai ver que eu bebo? Tem vez que dá
quatro ovos, tem vez que já dá o ovado. Já tomei remédio três vezes.
Sempre repete [
os exames], todo ano tem que repetir. A gente faz poço, mas vai no rio lavar uma roupa e às vezes tem que tomar banho rápido", conta.
Ela, que se diz feliz de viver no lugar onde nasceu e se criou, conta
que viu os filhos partirem um a um para morar em outras localidades em
busca de melhores condições de vida. "Eu moro aqui, eu gosto daqui, mas
tem esse problema de saúde, o caramujo. Aí toma remédio que passa muito
mal. Às vezes eu fico tonta, dá aquela arrelia, mas tem que segurar
porque se botar fora [
o remédio], não adianta", avisa.
Dados
A Secretaria de Estado da Saúde (SES) informou ao
G1
que foram confirmados 115 casos de Esquistossomose no Estado em 2014. A
cidade com maior incidência é São Luís, com 48 casos, seguido de Tutoia
com 32 e Maranhãozinho e Pastos Bons, ambos com 12 casos. Em 2015, ainda
não há nenhum caso confirmado.
A SES destaca ainda que a efetivação do Programa de Controle da
Esquistossomose é de responsabilidade direta dos municípios. O Estado dá
suporte na capacitação dos recursos humanos das equipes municipais,
realiza supervisão direta e monitora as ações de prevenção. Além disso,
fornece os kits para preparação dos exames de detecção da doença e
distribui o medicamento específico (Praziquantel 600 mg) para o
tratamento dos casos positivos.
Estudantes de medicina atendem novos casos na
Baixada (Foto: Clarissa Carramilo/G1)
Em nota ao
G1, o Ministério da Saúde diz que a
estimativa é de que, no Brasil, cerca de 25 milhões de pessoas vivem em
áreas sob o risco de contrair a doença. Os estados das regiões Sudeste e
Nordeste são os mais afetados, sendo que a ocorrência está diretamente
ligada à presença dos moluscos transmissores.
Atualmente, a doença é detectada em todas as regiões do país. As áreas
endêmicas e focais abrangem 19 Unidades Federadas e compreendem os
Estados de Alagoas, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte (faixa
litorânea), Paraíba, Sergipe, Espírito Santo e Minas Gerais
(predominantemente no Norte e Nordeste do Estado).
Para o Ministério, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio de Janeiro, São
Paulo, Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul, Goiás e no Distrito
Federal, a transmissão é focal, não atingindo grandes áreas. O Sistema
de Informações do Programa de Vigilância e Controle da Esquistossomose
(SISPCE) mostra que, nessas áreas, foram realizados 360.820 exames em
2014, com 16.246 casos positivos.
Nas áreas não endêmicas, os casos são detectados nas unidades de saúde,
ambulatórios ou hospitais e notificados e registrados no Sistema de
Agravos de Notificação – Sinan. Em 2014, ocorreram 5.953 casos no
Brasil, sendo 18 no Maranhão.
Não existem vacinas contra a esquistossomose. A prevenção consiste em
evitar o contato com águas onde existam os caramujos hospedeiros
intermediários. O tratamento para os casos simples é domiciliar.
O praziquantel, na apresentação de comprimidos de 600 mg é administrado
por via oral, em dose única de 50 mg/kg de peso para adultos e 60mg/kg
de peso para crianças. Como segunda escolha, a oxamniquina apresenta
cápsulas de 250 mg e dose de 15 mg/kg para adultos e solução de 50 mg/ml
e dose de 20 mg/kg, para uso pediátrico. Os casos graves geralmente
requerem internação hospitalar e tratamento cirúrgico.