O embalsamamento para conservação de um corpo deve ocorrer
preferencialmente nas primeiras 12 horas após a morte de uma pessoa,
segundo o especialista nessa técnica Cirino Otávio dos Santos, que atua
há 13 anos na área, no Rio de Janeiro.
"Passadas 24 horas, o sangue coagula e fica problemático injetar o
líquido (formol) que precisa penetrar nas artérias", explica.
Nesta quinta-feira (7), o presidente interino da Venezuela, Nicolás
Maduro, anunciou que o corpo do ex-presidente Hugo Chávez será
embalsamado. Ele morreu na terça-feira (5) aos 58 anos, vítima de um
câncer na região pélvica.
"Assim como está Ho Chi Min (revolucionário do Vietnã), como está Lênin
(fundador da antiga União Soviética), como está Mao Tsé-Tung (líder
comunista da Revolução Chinesa), ficará o corpo do nosso comandante em
chefe embalsamado no Museu da Revolução de maneira especial para que
possa estar em uma urna de cristal e nosso povo possa tê-lo para
sempre", informou Maduro.
O ex-ditador da Coreia do Norte Kim Jong-il também está exposto em um
memorial na capital Pyongyang desde dezembro de 2011, logo após a morte
dele, no dia 17.
Multidão acompanha o cortejo levando o caixão de Chávez por Caracas (Foto: Carlos Garcia Rawlins/Reuters)
Outras personalidades também já foram embalsamadas, para depois serem
enterradas, como o ex-presidente americano Abraham Lincoln, a
ex-primeira-dama da Argentina Evita Perón, a princesa Diana e os Papas
Pio X, Pio XII e João XXIII.
Segundo o auxiliar de necropsia e embalsamador Airton Lima, que está no
ramo há 33 anos e há 12 administra uma empresa especializada em
Guarulhos, na Grande São Paulo, o caso de Chávez pode ser mais
problemático para ser submetido ao processo, pois ele já teria entrado
em decomposição.
É preciso levar em conta que ele (Chávez) estava doente, internado,
recebendo soro, e depois ainda foi feita uma procissão (por Caracas), no
calor"
Airton Lima,
auxiliar de necropsia e embalsamador
"Será que fizeram o embalsamamento na hora ou vão deixar para depois? É
preciso levar em conta que ele estava doente, internado, recebendo
soro, e depois ainda foi feita uma procissão (por Caracas), no calor. O
corpo de Chávez pode levar três ou quatro dias para aceitar o líquido
injetado. Cada caso é um caso, mas o certo é fazer o tratamento assim
que a pessoa morre e passa pelo IML (Instituto Médico Legal)", diz Lima.
O especialista explica que, no caso de Chávez, que ficará exposto
publicamente, seria possível reverter o inchaço corporal decorrente do
tratamento contra o câncer. As técnicas usadas e a refrigeração são
capazes de fazer as células "murcharem" e voltarem ao normal, segundo
Lima.
Já a redoma a vácuo em que os mortos famosos são mantidos serve para
"eternizar" a pessoa, pois a ausência de oxigênio faz com que bactérias,
fungos e vírus não se proliferem e, portanto, não deteriorem o corpo.
Corpo embalsamado do fundador da União Soviética, Vladimir Lênin, em 1997 (Foto: Sergei Karpukhin/AP)
Como é feito o embalsamamento
Um embalsamamento exige que o corpo esteja inteiro e, em condições
ideais, leva de 6 a 12 horas para ser concluído, explica Lima. O
especialista Cirino dos Santos complementa que, se o organismo não
aceitar bem a técnica, por problemas como artérias obstruídas, o
processo todo pode durar dias ou até duas semanas.
O primeiro passo é a retirada da roupa e a lavagem do corpo, com água e
sabão. Então é introduzida uma solução química contendo formol e outras
substâncias, por meio de uma espécie de sonda, chamada de bomba
injetora, na artéria femoral ou carótida. Esse líquido permanece no
corpo de 20 a 45 minutos e coagula o sangue, que é drenado – entre 60% e
70% do total. Assim, os órgãos ficam "emborrachados" e duros, o que os
mantém preservados.
"Esse líquido conservante é também um bactericida muito potente, que
mata todos os micro-organismos e previne o mau cheiro", explica Santos.
Segundo ele, nenhum órgão é retirado, como faziam as mumificações do
Antigo Egito. Caso algo precise ser removido, deve ser colocado no
formol e depois armazenado novamente no lugar.
Militares fazem reverência ao líder da Revolução Chinesa, Mao Tsé-Tung, em foto sem data (Foto: AP)
"Hoje em dia, não se pode jogar mais nada fora, pois pode haver algum
processo judicial sobre a morte. Às vezes, abrimos o corpo quando há
excesso de líquido, mas deixamos tudo como estava e fechamos", afirma
Santos.
Entre os materiais metálicos usados no embalsamamento, estão faca,
pinça e agulha para costurar os pontos. Em seguida, é lavado o cabelo,
feita a barba (se for homem), passada vaselina no rosto para não
ressecar e iniciada a maquiagem – em geral, o próprio embalsamador cuida
de todo o resto da preparação para o velório e o enterro. Se houver um
intervalo grande entre esse processo e a exposição do morto, o corpo é
refrigerado novamente, antes de ser maquiado e vestido.
A técnica pode ser aplicada tanto em morte natural quanto violenta, diz
Lima. Quando há perfurações por arma de fogo, por exemplo, é
introduzida uma cera para tornar o rosto mais uniforme e apresentável.
Já quando o método ocorre após uma morte natural, sem passar por uma
necropsia no IML, o embalsamamento é chamado de tanatopraxia.
Ex-ditador da Coreia do Norte Kim Jong-il é visto embalsamado três dias após sua morte, que ocorreu
no dia 17 de dezembro de 2011 (Foto: Korean Central News Agency via Korea News Service/AP)
Viagens aéreas e velórios longos
Os pedidos das famílias para embalsamar um parente ocorrem, em geral,
quando o corpo precisa ser transportado de avião para outro estado ou
país, ou ainda quando o velório será longo, com dias de exibição
pública.
Para voos nacionais, o embalsamamento é feito para durar pelo menos 72
horas. Já para viagens internacionais, pode suportar meses ou até anos.
Segundo Santos, embalsamar um corpo apenas para ser velado custa entre
R$ 300 e R$ 600; para fazer um voo nacional sai entre R$ 800 e R$ 1.200;
e para um voo internacional fica de R$ 1.500 a R$ 2.000. Já um caso de
avançado estágio de decomposição, em que é necessário fazer o que os
técnicos chamam de mumificação, custa entre R$ 2 mil e R$ 3 mil. Lima
complementa que, para um corpo durar a vida toda, o preço não sai por
menos de R$ 3.500.
Hoje em dia, não se pode jogar mais nada (nenhum órgão) fora, pois pode haver algum processo judicial sobre a morte"
Cirino Otávio dos Santos,
embalsamador
O embalsamador de Guarulhos conta que já preparou o corpo de
personalidades que precisaram ser transportadas para outra cidade após a
morte ou veladas por muito tempo, como o ex-vice-presidente José
Alencar, a ex-primeira-dama Ruth Cardoso, os atores Nair Bello e Paulo
Autran, o ex-senador e ex-governador da Bahia Antônio Carlos Magalhães, o
ex-prefeito de Santo André Celso Daniel e vítimas brasileiras e
estrangeiras de acidentes aéreos como o voo 447 da Air France em 2009, o
3034 da TAM em 2007 e o 1907 da Gol em 2006.
"Se a pessoa tinha alguma doença infectocontagiosa, é possível
embalsamá-la, mas não transportá-la por via aérea", diz Lima. Segundo
ele, nesse caso, a orientação sanitária brasileira é fazer a cremação.
Em casos de morte violenta, como atropelamento ou incêndio, é possível
tentar reconstruir o rosto da pessoa por meio de uma foto cedida pela
família, destaca Lima. A técnica serve também para amenizar a dor do
choque das pessoas próximas, segundo o especialista.