As complicações decorrentes
de partos precoces – que ocorrem antes das 37 semanas de gestação – se
tornaram a principal causa de mortalidade infantil em todo o globo. Ao
site de VEJA, especialistas explicam por que os números são tão elevados
e como poderá vir do Brasil a solução para esse grave problema
Rita Loiola
O Brasil tem a maior taxa de mortes ligadas a complicações
por nascimentos prematuros da América Latina - são 9 000 óbitos anuais.
(ThinkStock/VEJA)
Pela primeira vez na história, o parto prematuro – aquele feito antes que as 37 semanas de gestação estejam completas – é a principal causa de mortalidade infantil em todo o mundo. De acordo com o mais amplo estudo do gênero, publicado no periódico
The Lancet,
as mortes por complicações desse tipo de nascimento chegaram a 1,1
milhão, superando doenças como pneumonia e diarreia, até então
responsáveis pela maior quantidade de mortes de crianças até 5 anos.
No Brasil, são cerca de 9 000 óbitos anuais, o que torna o país o
líder na América Latina em mortes ligadas a nascimentos precoces. Nossa
taxa é de 22%, acima da proporção mundial de 17,4%.
As estatísticas revelam uma revolução no padrão da saúde infantil
global: em países pobres e ricos, a desnutrição e as doenças infecciosas
que matavam na infância foram vencidas, transformando as complicações
de nascimentos precoces no próximo desafio ao combate da mortalidade
infantil.
“Vivemos uma mudança no modelo da saúde, chamada transição
epidemiológica. As mortes estão se aproximando cada vez mais do momento
nascimento e precisamos, agora, de esforços para compreender e prevenir
esse fenômeno extremamente complexo que se tornou um grande problema
mundial”, diz o pediatra Fernando de Barros, pesquisador da Universidade
Federal de Pelotas (UFPel) e uma das maiores autoridades do país em
saúde infantil.
Os especialistas têm previsto essa transformação há pelo menos quatro
décadas e alertado os sistemas de saúde para a importância dos cuidados
durante o período pré-natal e após o nascimento, única forma eficaz de
prevenir as mortes de bebês prematuros. Os altos números divulgados pelo
estudo demonstram que, nesse período, pouco se avançou em estratégias
de combate aos nascimentos antes da hora.
“O parto prematuro é um tipo de síndrome silenciosa, pouco conhecida e
com consequências trágicas”, diz o médico Renato Passini Junior,
professor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp). “As autoridades em saúde ainda não têm ideia da
dimensão desse problema complexo que, em grande parte, pode ser
evitado.”
Diminuição da mortalidade infantil — A liderança das
complicações do parto prematuro nas mortes de crianças é consequência
de uma queda mundial na mortalidade infantil entre 2000 e 2013, período
analisado pelo estudo do
The Lancet. A taxa caiu 3,9% e grande
parte dessa redução foi devida ao desenvolvimento de tratamentos,
vacinas e intervenções médicas para combater doenças como pneumonia,
sarampo, diarreia e malária. Os avanços científicos, entretanto, não
tiveram o mesmo resultado para as mortes relacionadas aos partos
prematuros. Elas diminuíram mais lentamente – o que fez com que as
estatísticas, proporcionalmente, aumentassem.
“Sabíamos que esse era um grande fator de mortalidade infantil, pois
as últimas pesquisas mostravam o parto prematuro como o segundo
colocado. Em grande parte do mundo, esses bebês não podem ser tratados
adequadamente: nascem em casa e não têm acompanhamento, o que leva ao
número elevado de mortes”, explica o médico americano Robert Black, da
Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, e líder da pesquisa.
O maior número de bebês mortos por conta do nascimento precoce está
em países pobres como a Índia, com 361 600 óbitos, Nigéria, com 98 300
mortes, ou Paquistão, onde foram registradas 75 000 mortes. No entanto, o
drama dos nascimentos prematuros também atinge países desenvolvidos. Os
lugares com as maiores proporções entre mortes ocorridas por
complicações de partos prematuros são Macedônia (51%), Eslovênia (47,5%)
e Dinamarca (43%).
Isso é explicado porque, nos países desenvolvidos, a taxa de
nascimentos de prematuros é baixa – e a maior parte de mortes de
prematuros nesses lugares não poderia ser evitada. “Nos países ricos,
outras causas de mortalidade infantil como doenças infecciosas ou
diarreia foram eliminadas e, por isso, a proporção é alta. Mas, em
números absolutos, há poucas mortes relacionadas às complicações de
partos prematuros em regiões desenvolvidas, ao contrário do que acontece
na África ou Ásia”, explica Black.
Brasil — Esse cenário é o oposto do que acontece no
Brasil. De acordo com dados do Sistema de Informações de Nascidos Vivos,
do SUS e do Ministério da Saúde, utilizados no maior estudo sobre fatores de nascimentos prematuros no Brasil, 340 000 bebês nasceram prematuros em 2012. São 40 por hora, uma taxa de 12,4% – o dobro da Europa.
A pesquisa, coordenada por Renato Passini Junior, da Unicamp, foi publicada em outubro na revista
Plos One
e acompanhou durante um ano cerca de 30 000 nascimentos em maternidades
das regiões Sul, Sudeste e Nordeste. O objetivo foi descobrir as causas
de tantos nascimentos precoces no país — o que leva um bebê a nascer
antes do tempo é uma soma de componentes complexos ainda não claramente
compreendidos pela medicina.
“O número de partos prematuros no Brasil é assustador. No entanto, há
vários fatores já conhecidos que podem ser identificados durante a
gravidez e combatidos. O fumo ou infecções urinárias durante a gestação,
que podem levar um bebê a nascer antes do tempo, são facilmente
evitáveis”, diz Passini.
Fatores de prematuridade — Obesidade, pressão alta,
diabetes, infecções ou a idade materna são alguns dos fatores de risco
clássicos para partos prematuros. O estudo brasileiro mostrou que as
seis primeiras causas que levam uma gestação a ser interrompida antes do
tempo são gravidez múltipla (24 vezes mais), encurtamento do colo do
útero (6 vezes mais), má-formação fetal (5 vezes mais), sangramento
vaginal (dobra o risco), menos que seis consultas de pré-natal (1,5
vezes mais) e infecções urinárias (1,2 vezes mais).
De acordo com Passini, por trás dessas causas pontuais estão
elementos como um número crescente de mulheres que fazem tratamentos
reprodutivos – e têm mais chances de gestações múltiplas – e os avanços
da medicina, que permitem que mulheres com problemas de saúde levem a
gravidez até os últimos estágios. Além disso, há a mudança no estilo de
vida, com mais pessoas obesas e diabéticas, e equipes de saúde
pouco qualificadas para identificar sintomas que possam levar a partos
prematuros.
“A primeira medida para se evitar as mortes é não só fazer o
pré-natal, mas fazer um pré-natal de qualidade desde os primeiros meses:
a maior parte dos problemas é identificada cedo e pode ser combatida.
Em seguida, é preciso a sensibilização de profissionais e gestantes para
que saibam que o parto prematuro é um problema que traz consequências
terríveis para a criança”, diz Passini. "Junto a isso, os sistemas de
saúde precisam perceber que esse é um problema gravíssimo que precisa
ser combatido."
Cesarianas — Um dos problemas discutidos pelos
especialistas em saúde infantil é o número elevado de cesarianas em
países como o Brasil e os Estados Unidos. Entretanto, ainda não foi
encontrada uma relação direta de causa. Em nosso país, normalmente, os
partos são marcados após as 37 semanas de gestação. Os bebês nascem, em
média, com 40 semanas.
“Se houver erros no cálculo da duração da gestação, uma operação
cesariana pode ser feita antes do tempo”, afirma Robert Black, da
Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos.
De acordo com pesquisa coordenada pela Fundação Oswaldo Cruz e
publicada este ano, 35% das crianças brasileiras nascem com 37 ou 38
semanas de gestação – período em que termina a formação do pulmão,
último órgão do feto a ficar pronto. A má-formação do pulmão pode
trazer, além das internações em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal,
infecções e problemas respiratórios.
“Normalmente, não esperamos as mulheres entrarem em trabalho de parto
– o bebê talvez não nasça com a definição clássica de prematuro, mas
nasce imaturo, o que pode leva a diversos problemas de saúde e muitos
custos associados a isso”, explica a epidemiologista Silvana Granado,
pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo
Cruz.
Investimentos em prevenção — Para combater as mortes
relacionadas a partos prematuros, um dos maiores financiadores
de pesquisas e programas de prevenção em todo o planeta é a fundação
americana Bill & Melinda Gates. Só no Brasil, desde o ano passado,
foram investidos 8,4 milhões de reais, em parceria com o Ministério da Saúde e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Os recursos, destinados a 12 estudos e iniciativas
nacionais, pretendem compreender as causas do fenômeno e replicar seus
resultados em outras regiões do mundo diminuindo, assim, as taxas
globais. Como o país tem uma alta taxa de nascimentos prematuros, a
esperança é que saia daqui a solução para o problema.
"Parte da mudança no panorama da mortalidade infantil se deu porque
as doenças infecciosas foram tratadas e prevenidas com vacinas ou
antibióticos. Ainda não encontramos abordagens tão eficazes para os
partos prematuros – apesar de existirem muitos avanços. O Brasil é um
exemplo na redução da mortalidade infantil e tem uma estrutura clínica e
científica bem desenvolvida que permite criar conhecimento para
beneficiar crianças em risco. A ênfase na prevenção de doenças como a
pneumonia é uma incrível história de sucesso e a esperança é que as
pesquisas brasileiras sobre partos prematuros encontrem causas que
possam ser combatidas, da mesma maneira que aconteceu com as doenças
infecciosas", afirma Jeff Murray, diretor de Saúde da Família da
Fundação Bill & Melinda Gates.
Crianças prematuras — Para os especialistas, para
derrubar as mortes causadas por partos prematuros é preciso diminuir o
número de nascimentos de crianças antes do tempo. Além das consequências
psicológicas, os partos prematuros representam enormes gastos. De
acordo com um estudo de 2007, feito pelo Instituto de Medicina, braço da
Academia Nacional de Ciências americana, os custos associados aos
nascimentos prematuros representam 26,2 bilhões de dólares anuais aos
Estados Unidos. Um bebê prematuro custa 12 vezes mais que uma criança
nascida no momento certo.
Para um bebê nascido antes das 37 semanas, as consequências podem ir
desde os esperados problemas respiratórios até cegueira, surdez,
paralisia cerebral, deficiências físicas e cognitivas. Com o organismo
frágil, a criança é mais suscetível a doenças de todo tipo, que podem
afetar seu desenvolvimento.
“Os nascimentos prematuros requerem a atenção imediata das nações,
especialmente de países como o Brasil, que exibe alta proporção de
mortes”, diz o médico Christopher Howson, consultor da Organização
Mundial de Saúde e um dos autores do estudo
Born Too Soon (
Nascido Muito Cedo,
em tradução livre), de 2012, o primeiro estudo a mapear nascimentos
prematuros em escala global. “A boa notícia é que muito pode ser feito
imediatamente para acelerar a prevenção de nascimentos precoces e para
melhorar o cuidado a esses recém-nascidos. Há recomendações que podem
ser seguidas: o necessário é coragem política e ação.”