A
estratégia, voltada para combater os vírus de dengue, zika e
chikungunya, chega a Belo Horizonte. A expectativa é conter possíveis
epidemias
Por
Léo Rodrigues (Agência Brasil)
A estratégia de inserir uma bactéria no
mosquito Aedes aegypti vai ser estendida para mais cidades brasileiras
(Ilustração: Marcus Penna/SAÚDE é Vital)
Um projeto inovador voltado para reduzir a transmissão da
dengue, da
zika e da febre
chikungunya está
previsto para ser desenvolvido em Belo Horizonte em meados de 2018.
Trata-se da introdução da bactéria Wolbachia no mosquito Aedes aegypti,
vetor das doenças, e que é capaz de evitar que os vírus sejam
transmitidos para os seres humanos durante a
picada.
O projeto Eliminar a Dengue: Nosso Desafio (Eliminate Dengue: Our Challenge)
é um projeto internacional sem fins lucrativos que surgiu na Austrália e
usa a bactéria Wolbachia. Atualmente há trabalhos de campo do projeto
em cinco países e outros três estão se articulando para aderir. No
Brasil, ele foi trazido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), com o
apoio do Ministério da Saúde. A iniciativa está entre os trabalhos
científicos apresentados na 69ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência (SBPC).
No Brasil, os trabalhos começaram em duas áreas pequenas: em
Jurujuba, bairro de Niterói; e em Tubiacanga, bairro do Rio de Janeiro. A
liberação de mosquitos com a bactéria começou em agosto de 2015 e se
encerrou em janeiro do ano passado. Desde então, vem ocorrendo um
monitoramento semanal, com mosquitos sendo coletados em armadilhas e
levados ao laboratório para verificar se possuem a Wolbachia.
A eficiência da estratégia
“Mais de um ano e meio após nós pararmos de liberar mosquitos nestas
duas localidades, vimos que 90% deles contêm a bactéria. Isso comprova a
autosustentabilidade do projeto. Não precisamos ficar voltando à mesma
área para fazer novas liberações”, explicou o pesquisador da Fiocruz
Luciano Moreira, coordenador do projeto no Brasil.
Dados similares também foram constatados na Austrália, onde, nas
áreas onde os trabalhos começaram, em 2011, perto de 100% da população
do Aedes já registra a Wolbachia.
Isso ocorre porque a fêmea do Aedes que possui a Wolbachia em seu
organismo irá transmiti-la a todos os seus descendentes, mesmo que se
acasale com machos sem a bactéria. Além disso, quando apenas o macho
possui a Wolbachia, os óvulos fertilizados morrem. Dessa forma, a
bactéria é transmitida naturalmente para as novas gerações de mosquitos.
Moreira destaca que o projeto não envolve nenhuma modificação
genética, nem no mosquito e nem na bactéria. Fora isso, a iniciativa não
elimina o mosquito do meio-ambiente, apenas substitui uma população
capaz de transmitir doenças por outra incapaz. “É uma iniciativa
totalmente segura. Estudos já mostraram que a Wolbachia não oferece
riscos à saúde humana, ainda que o mosquito pique uma pessoa”.
De acordo com o pesquisador, a Wolbachia está presente naturalmente
em 60% dos insetos, mas não no Aedes aegypti. O que o projeto faz é uma
introdução artificial. “Quando o Aedes com a bactéria pica alguém que
está com dengue, zika ou febre chikungunya, ele adquire o vírus. Mas
esse vírus precisa se replicar dentro do mosquito. Para isso, deve
entrar nas células onde as bactérias já estão. O que provavelmente
acontece é uma competição entre a bactéria e o vírus por nutrientes e
outros componentes que ambos necessitam. E no final a Wolbachia, que já
estava instalada ali, vence a disputa”, explica.
Em que pé estamos
O próximo passo do projeto no Brasil é a sua expansão no Rio e em
Niterói, já que as áreas atingidas até então nestas duas cidades
envolviam populações pequenas, entre 3 e 4 mil pessoas. Em Niterói, já
estão sendo liberados mosquitos em uma área com 270 mil habitantes.
No Rio de Janeiro, o trabalho começa em agosto, em dez bairros. Nos
meses seguintes, outras regiões da cidade serão incluídas e a previsão é
que, até o final de 2018, o projeto já tenha alcançado uma área onde
vivem 2,5 milhões de pessoas. A preparação já começou, através de
campanhas de comunicação visando o esclarecimento e o envolvimento da
população. O apoio é essencial, pois algumas casas recebem armadilhas
para coleta dos mosquitos.
A inclusão de Belo Horizonte no projeto no ano que vem começará pela
Pampulha e pela região norte, áreas que têm cerca de 840 mil habitantes
no total.
A Fiocruz ainda
não realizou estudos epidemiológicos para avaliar se de fato ouve
redução do número de casos de dengue, zika e febre chikungunya com o
projeto. De acordo com Luciano Moreira, este tipo de pesquisa precisa
envolver áreas grandes. Ele diz que a Indonésia começou a desenvolver um
estudo com esta proposta em agosto do ano passado, em uma área de 500
mil habitantes. Os primeiros resultados devem sair em 2019, mostrando se
houve ou não redução do número de infectados pela doença antes e depois
da liberação dos mosquitos.
Ainda assim, evidências apontam para a diminuição dos casos. “Em
todos os países envolvidos, há mais de 40 localidades onde já aconteceu a
liberação de mosquitos. Em nenhuma delas foi observada ocorrência de
surtos”, disse o pesquisador.
Um estudo diferente será conduzido no Rio de Janeiro a partir dessa
nova etapa. Em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde, a Fiocruz
fará um acompanhamento para comparar o número de casos nos bairros
abrangidos pelo projeto com o número de casos nos demais bairros. A
expectativa é se perceba uma diferença nos locais onde houver mosquitos
com a Wolbachia.
Esta matéria foi publicada originalmente na Agência Brasil.