Começamos a envelhecer cedo. Aos 21 anos nosso corpo passa a eliminar mais células do que criá-las e a soma dessas unidades fundamentais de nosso organismo entra no negativo. Por dia, um adulto perde cerca de 1 bilhão de células. Não há ainda formas de interromper esse fenômeno, mas a busca pela sua reversão, dizem os cientistas, passa pela tentativa de desvendar o mecanismo de um processo natural em que as próprias células se encarregam de eliminar componentes problemáticos por meio de uma espécie de faxina: a chamada autofagia.
Neste processo de limpeza, ocorre a destruição de proteínas e elementos defeituosos e estressores da célula (ver quadro). Caso a autofagia não dê conta de eliminar o que afeta a função celular, a célula morre.
Estímulo
Alimentação e atividade física ajudam faxina A faxina promovida pela autofagia ajuda a conter o envelhecimento. Ao digerir mitocôndrias desgastadas, a célula se livra de estruturas que podem liberar radicais livres. Destruir componentes envelhecidos permite que as células funcionem melhor e se mantenham jovens mais tempo. A boa notícia é que tudo indica que há como dar uma forcinha nesse processo. Pesquisas feitas com camundongos na Universidade do Texas, nos EUA, provaram que a autofagia é estimulada com a prática de atividade física. Estudos em animais mostraram também que uma alimentação com restrição calórica ajuda no processo. Mesmo sem testes em humanos, esta é uma mensagem importante para quem tem uma dieta regrada e não deixa o corpo ficar parado. “Pessoas saudáveis, que praticam atividades físicas e controlam o peso e a taxa de colesterol podem equilibrar o processo de morte celular e ganhar um tempo a mais de juventude”, diz a pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo, Soraya Soubhi Smaili.
“A autofagia é um processo que ocorre dentro da célula. É uma autolimpeza, que ajuda a retardar a morte celular, o que pode diminuir a perda de células e equilibrar o nosso ‘saldo’ por um tempo maior”, explica a professora do Departamento de Farmacologia da Escola Paulista de Medicina (EPM) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e membro da Sociedade Internacional de Morte Celular Soraya Soubhi Smaili.
Conhecida desde a década de 60, a autofagia era encarada antes como um tipo de morte celular. Estudos sobre ela só passaram a ser desenvolvidos no início dos anos 90, quando os genes que controlam esse processo de digestão celular foram descritos. Só então, o verdadeiro papel do fenômeno começou a ser desvendado.
“Ainda não conhecemos completamente como a autofagia ocorre, mas percebemos que ela não tem papel de morte, mas de proteção e sobrevida de nossas células”, diz a professora da Unifesp.
Contra a degeneração
Manter as células vivas por mais tempo pode ser essencial para conter o avanço da degeneração causada por doenças como o mal de Parkinson e de Alzheimer, caracterizadas pelo acúmulo de proteínas malformadas nas células.
“Algumas pesquisas mostram que, quando a autofagia é estimulada com fármacos, aumenta a sobrevida dos neurônios, evita que eles entrem em processo de degeneração e permite que um maior número de células continue em funcionamento”, afirma Soraya.
O estímulo a esta autolimpeza ajudaria também a retardar a diabete – atenuando a resistência à insulina – e as doenças cardíacas, ao tornar mais lenta a perda de função e atividade dos órgãos. “Em quadros de isquemia ou enfarte, a autofagia é importante para a manutenção das células do músculo cardíaco. É uma forma de manutenção da vida”, diz o pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Eduardo Cremonese Fillipi Chiela.
Células cancerígenas também se beneficiam
Da mesma forma que a autofagia ajuda células como os neurônios a sobreviver, ela pode auxiliar células doentes a se multiplicar. No caso do câncer, caracterizado como uma proliferação exagerada de células danosas, o processo de limpeza precisa ser controlado, pois este mecanismo de defesa faz com que o tumor resista aos tratamentos.
“Inibir a autofagia em células cancerígenas permitiria aumentar a sensibilidade para matá-las, mas ainda não existem remédios ou tratamentos específicos para agir nesse processo”, explica a pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo, Soraya Soubhi Smaili.
Pesquisa
Desde 2007, biomédicos do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) tentam esclarecer como um composto conhecido resveratrol – bastante concentrado no vinho tinto – age de forma diferente em células sadias e em células cancerígenas responsáveis pelos tumores mais comuns e agressivos do sistema nervoso central, os gliomas.
O resveratrol protege as células saudáveis e mata uma parte das células tumorais. Por outro lado, o composto induz a autofagia no restante das células cancerígenas sobreviventes, o que as protege da morte.
“Cerca de 40% das células tumorais morrem logo no primeiro contato com o resveratrol. Queremos descobrir a influência da autofagia sobre os mecanismos de morte celular e tentar esclarecer e controlar a ação do resveratrol neste processo. Isto pode ser inovador no tratamento contra este câncer”, explica o biomédico e pesquisador da UFRGS na área de biologia celular e molecular de tumores cerebrais, Eduardo Cremonese Fillipi Chiela. O pesquisador analisou por quatro anos a ação do resveratrol em culturas de células de gliomas. O próximo passo é testar esse modelo em animais.

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