Implantado pela primeira vez no Brasil,
aparelho da nova geração para casos de insuficiência cardíaca reduz
praticamente a zero os riscos de trombose e AVC
OPERAÇÃO A médica Juliana participou da cirurgia para implantação do recurso, feita dia 13 de março (Crédito: Gabriel Reis)
Renata Valério de Mesquita
Já bate forte dentro de um brasileiro o mais moderno coração
artificial do mundo. Trata-se da terceira geração do HeartMate3,
aparelho aprovado em agosto do ano passado pela Food and Drug
Administration (FDA), a agência reguladora americana, e considerado um
avanço de tecnologia pelo seu mecanismo de funcionamento e também um
salto de qualidade de vida para o paciente em relação aos modelos
anteriores. O primeiro implante do produto no Brasil foi feito na
terça-feira 13 no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, pelas mãos do
cirurgião cardíaco Fábio Jatene, com acompanhamento da cardiologista
clínica Juliana Giorgi e do médico holandês Jaap Lahpor, consultor da
empresa Abbott, que desenvolveu o dispositivo. O paciente é um homem de
72 anos.
Os aparelhos conhecidos como corações artificiais têm a função de dar
assistência ao ventrículo esquerdo, onde se inicia a aorta, artéria
responsável por distribuir, a partir do coração, sangue oxigenado para o
restante do organismo. Por isso, ajudam a garantir o bombeamento
adequado do sangue em pacientes com insuficiência cardíaca. A doença é
caracterizada pela incapacidade de o músculo cardíaco realizar esse
bombeamento corretamente. Calcula-se que trinta mil brasileiros
apresentem a condição.
Pacientes em fase avançada da doença e que não têm mais resposta a
tratamento com remédio ou cirurgia dispõem de duas opções: entram para a
lista de espera por transplante ou são designados para receber esses
corações artificiais — tanto para aguentarem a chegada de um novo órgão
(ponte para transplante) quanto para solucionarem a questão para o resto
da vida (terapia de destino). “Os casos nos quais os tratamentos
convencionais não surtem mais efeito têm mortalidade muito alta”, afirma
a cardiologista Juliana Giorgi. “As pessoas contam com cerca de um ano
de sobrevida, tempo em que geralmente passam internadas, dependentes de
balão de oxigênio e remédios”.
O problema em relação ao transplante é que muitos não têm tempo para a
espera ou apresentam contra-indicações, como idade superior a 65 anos,
caso do primeiro brasileiro a receber o HeartMate3. Ser portador do HIV,
ter câncer ou manifestar alguma condição que debilite seu sistema de
defesa também são impeditivos. Nessas circunstâncias, o coração
artificial é a saída. “No Brasil, usa-se pouco esse recurso”, lamenta
Juliana. Uma das razões é o desconhecimento da tecnologia. O custo
também é alto: cerca de R$ 700 mil. Mas a terapia é reconhecida pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pela Associação
Nacional de Saúde (ANS). Portanto, é coberta pelos convênios médicos.
Ainda assim há menos de cinquenta brasileiros com corações artificiais.
O dispositivo que acaba de ser implantado pela primeira vez no Brasil
teve sua superioridade confirmada em um estudo comparativo apresentado
nos Estados Unidos dois dias antes da cirurgia no Sírio-Libanês. A
análise foi feita usando como parâmetro o desempenho da geração
anterior, a HeartMate2. O novo equipamento, que funciona com um
bombeamento por indução magnética, reduziu a praticamente zero os riscos
de trombose e de acidentes vasculares cerebrais (AVC). O antigo empurra
o sangue de forma mecânica e apresentou índice de 17% de trombose e de
19% de AVC. Participaram do estudo 366 pacientes: 190 deles implantados
com a terceira geração, que tiveram índice de sobrevida de 79,5%, 19
pontos percentuais acima do observado nos 176 implantados com a segunda
geração (60,2%). Próximo desafio
Além de ser um dispositivo menor do que os anteriores, sua técnica de
implante é menos invasiva, o que reduz em até quatro horas o tempo de
cirurgia. Isso porque o aparelho é fixado no tórax, acoplado ao
ventrículo esquerdo. Antes era preciso abrir um espaço no abdome. Embora a colocação do coração artificial custe caro, cerca de R$ 700 mil, o valor é coberto pelos planos de saúde RAPIDEZA pioneira cirurgia em São Paulo: quatro horas a menos (Crédito:Divulgação)
O HeartMate3 ainda não superou a necessidade de artefatos externos. O
paciente precisa se adaptar a conviver com partes instaladas fora do
corpo: o controle geral do equipamento e duas baterias externas. No caso
da versão lançada agora, cada uma delas tem 17 horas de autonomia
(antes eram 12). As engrenagens ficam conectadas ao dispositivo colocado
dentro do coração por meio de um fio que atravessa a pele. O paciente
pode tomar banho (existem capas protetoras), mas não pode mergulhar. O
desafio é fazer com que todo o sistema seja instalado internamente, em
uma conformação mais próxima da apresentada pelos marca-passos.
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