quinta-feira, 4 de junho de 2015

"Ninguém vai acabar com a dengue. Ela chegou para ficar"

Secretário Estadual da Saúde de São Paulo, o médico infectologista David Uip prevê que, no próximo ano, o Estado viverá novamente uma situação complicada em relação à doença

Cilene Pereira
Entre janeiro e maio deste ano, São Paulo viveu uma epidemia de dengue, com mais de 400 mil casos e de 170 mortes. No próximo verão, em 2016, o estado não deve esperar uma situação menos complicada no que se refere à doença. A previsão é do secretário estadual da Saúde de São Paulo, o médico infectologista David Uip. “Mas ninguém vai pisar no freio este ano. Todo mundo percebeu que não tem essa de inverno, verão, não se pode acomodar”, afirmou o especialista nesta entrevista à ISTOÉ.
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O secretário Estadual de Saúde de São de São Paulo, o médico infectologista David Uip
 
ISTOÉ – O estado de São Paulo viveu este ano uma epidemia de dengue, com mais de 400 mil casos. O que deu tão errado?
David Uip –
Não deu errado. Prevíamos que isso acontecer. São Paulo havia sido poupado das grandes epidemias brasileiras, e como é muito difícil erradicar o Aedes Aegypti e ele não respeita fronteiras, ele chegou para valer há cinco anos e encontrou ambiente adequado: clima quente, chuvas, aumento do índice pluviométrico e pouca capacidade de ação do estado.
ISTOÉ – Por que?
Uip - Como se lida com uma epidemia? O que é efetivo? É quando tem prevenção por vacina e se pode tratar o agente causal. O outro problema são os criadouros do mosquito: 80% deles são em casas. E o que sobra? Uma ação muito forte que tem que envolver a sociedade. Ela tem que criar condições para o controle do criadouro.
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Cerca de 80% dos criadouros do mosquito transmissor da dengue estão em casas e sobrados
 
ISTOÉ - E por que isso não aconteceu em São Paulo?
Uip -
Temos 43 milhões de paulistas. É muita gente. E há características intermunicipais muito diferentes umas das outras. Além disso, nem sempre a informação muda comportamento. Precisávamos ampliar a informação.
ISTOÉ – Mas o sr. disse que vocês previram o que aconteceria. Quando começou efetivamente o trabalho para tentar impedir o que poderia vir?
Uip –
Estamos discutindo dengue desde janeiro de 2014. E em novembro fizemos uma reunião com prefeitos e secretários municipais de saúde para alertar que não ia dar certo. Já sabíamos do índice de infestação pelo mosquito em 25 cidades nas quais o quadro era pior. Estávamos vendo o que ia acontecer.
ISTOÉ – E, mesmo assim, por que houve a explosão de casos?
Uip -
Às vezes todo mundo faz tudo e não é o suficiente. Há cidade que tem dificuldade. É preciso controlar o vetor, os criadouros e dar atenção à população. Muitas vezes o município quer fazer tudo isto e não consegue. Nós, do Estado, dobramos o número de agentes, mas tivemos dificuldade de contratação. Parece um processo simples, mas não é. Tivemos dificuldade para contratar motorista para caminhão do fumacê. Quando contrato o agente, ele não é treinado. Tem que treiná-lo. Se a busca de recursos humanos não é simples para o Estado, imagine para o município.
ISTOÉ – Durante a epidemia, o que se viu foram as autoridades de saúde montando ações emergenciais, para atendimento pontual dos casos. Não se planejou uma estrutura de atendimento?
Uip -
Epidemia é encrenca. Não dá para ter uma estrutura planejada, pronta. Isso não existe. Repassamos R$ 50 milhões para os municípios e mais R$ 6 milhões no programa de emergência. Mas faltou treinar mais a base. Numa epidemia, criam-se mecanismos alternativos, como as tendas etc. Mas aí quem atende? Nós e ninguém no mundo têm uma estrutura que de repente se obriga a atender um número muito maior de pessoas a mais.
ISTOÉ – E por que o Estado registrou um número tão alto de óbitos (mais de 170)?
Uip -
O número de mortes é inaceitável. Precisamos reforçar o treinamento das equipes de saúde. O médico tem que identificar rapidamente a gravidade da situação, até porque não se pode tratar igual todo mundo.
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São Paulo registrou mais de 400 mil casos de dengue em 2015
 
ISTOÉ – O que está sendo esperado para o próximo ano?
Uip -
Não espero um ano que vem melhor do que este. Mas todo mundo ficou muito assustado e ninguém vai pisar no freio este ano. Todos perceberam que não tem essa de inverno, verão, não se pode acomodar. Ninguém vai acabar com a dengue. Ela chegou para ficar.
ISTOÉ – E o que está sendo feito para o próximo ano?
Uip -
Acho que temos que fazer mais. Para 2016 não adianta imaginar que as cidades vão responder do jeito que espero. Vamos ter que aumentar números de agentes, de equipamentos. Há situações nas quais podemos melhorar. E temos ainda o chikungunya (vírus também trasmitido pelo Aedes Aegypti), que me preocupa ainda mais. O indivíduo fica meses doente depois de ser infectado.

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