segunda-feira, 1 de junho de 2015

Amor eterno pelo colesterol

Durante décadas, alimentos como o ovo foram tratados ora como vilões, ora como mocinhos. Pesquisas recentes põem fim a essa gangorra - a mais conhecida (e condenada) das gorduras não faz mal quando é levada ao organismo por meio da alimentação

Por: Adriana Dias Lopes
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Um inimigo acuado para sempre
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Já não é o caso, tomando emprestado o mais conhecido verso do Soneto da Fidelidade de Vinicius de Moraes, de um amor que seja infinito enquanto dure, posto que é chama. Em relação ao ovo, o amor agora é eterno, incondicional, irrecorrível. O consumo do mais eclético dos alimentos de origem animal, abundante em colesterol, a mais conhecida e condenada das gorduras, acaba de ser definitivamente liberado pela ciência da nutrição. O aval veio de uma instituição reputada no assunto, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, órgão governamental responsável pelas diretrizes alimentares americanas - e, portanto, com impacto em todo o mundo.
A absolvição se estende a outros alimentos ricos em colesterol, como camarão, coxa de frango (com pele, fique bem claro), coração de galinha, lula e bacalhau. A novíssima norma pode representar uma extraordinária reviravolta nos hábitos à mesa. Ela põe por terra a orientação de cautela no consumo de ovos, para permanecer didaticamente com o mais claro sinônimo de colesterol ingerido, em vigor desde a década de 60. A quantidade de colesterol levado à boca não podia, até agora, ultrapassar 300 miligramas diários, o equivalente a um ovo e meio (ou a uma coxinha de frango). Diz Raul Dias dos Santos, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e diretor da Sociedade Internacional de Aterosclerose: "É a mudança de padrão alimentar mais drástica já ocorrida desde os primórdios das discussões sobre o papel das gorduras no organismo".
O documento americano é um cartapácio de 571 páginas. A alforria do colesterol aparece na 17ª e, em pouco mais de discretas cinco linhas, abre o sinal verde, com uma recomendação que desde já começa a fazer barulho pela força de sua assertividade. "Não há evidência disponível que mostre alguma relação significativa entre uma dieta com colesterol e os níveis de colesterol sanguíneo. O consumo excessivo de colesterol não é motivo de preocupação." Ponto. E termina aqui o incômodo vaivém que ora fazia do ovo e seus congêneres os vilões da dieta, ora os tratava como mocinhos. À pergunta inescapável - o colesterol dos alimentos faz mal ao coração? - cabe agora uma única resposta: não. Um não eterno. O colesterol danoso é tratado sobretudo com medicamentos (estatinas) e atividade física.
Cerca de 80% do colesterol circulante no organismo é produzido pelo fígado - o restante vem da alimentação. Em doses normais, o colesterol (seja o alimentar, seja o hepático) tem um papel importantíssimo no funcionamento do corpo humano, participando da síntese de hormônios e mantendo a integridade das membranas das células. Em excesso, porém, danifica as paredes das artérias, o que o faz ser também a causa principal dos problemas cardiovasculares, como o infarto e o derrame. O embate, este que agora se encerra, tentava esclarecer qual era a responsabilidade do colesterol ingerido e qual era a parcela do colesterol naturalmente fabricado pelo ser humano. Duas recentes conclusões dos cientistas desempataram o jogo renhido.
Comer sem culpa
(VEJA.com/VEJA)

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