quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

O zika vírus e a microcefalia

microcefalia jornal hoje













Deu zica. Este ano o Brasil enfrenta um surto de recém-nascidos com microcefalia que é alarmante. Ao que tudo indica, essa epidemia está relacionada a um vírus emergente, o zika vírus, que está se espalhando rapidamente pelo país e pode ser o responsável por uma das piores catástrofes na área de saúde de todos os tempos. São mais de mil casos suspeitos de microcefalia em diversos estados, principalmente no Nordeste. A microcefalia é uma malformação incurável que causa redução do volume cerebral, com consequências graves e permanentes para o desenvolvimento do individuo. É grave porque afeta fetos em formação e o comprometimento é para vida toda.
O zika vírus é um patógeno conhecido e identificado inicialmente em 1947 na floresta de Zika (Uganda), mas que desde 2007 estava restrito a África e Ásia. Esse vírus pertence ao gênero dos flavivírus, que inclui o vírus da dengue, febre amarela e do Nilo, e pode ser transmitido por um artrópode. No Brasil, são mais de 84 mil pessoas infectadas. No individuo adulto, o Zika pode passar despercebido, em alguns casos causando somente sintomas leves, como febre e dores pelo corpo. Não existe vacina para esse vírus.
Após alguns meses de silêncio, o governo federal finalmente se manifestou sobre o problema. Com ajuda da Organização Mundial da Saúde e do CDC (Centro de Controle de Doenças) dos EUA, que se preocupa com uma eventual contaminação no continente americano, resolveram montar uma operação de emergência. De acordo com nosso atual ministro da Saúde, Marcelo Castro, o caos pode ser consequência direta de um descaso com o programa de combate ao mosquito Aedes aegypti – o mosquito da dengue, e potencial agente transmissor do zika vírus.

Resolvi escrever sobre o assunto, refletindo sobre quais seriam as atitudes cientificas mais óbvias a serem tomadas. Isso não só seria uma oportunidade única para os cientistas brasileiros (pois o mecanismo de ação do vírus é ainda desconhecido), como permitiria que o governo investisse em soluções definitivas (ao invés de investir em evitar mosquitos). Os experimentos científicos descritos abaixo têm um baixo custo em comparação ao orçamento destinado ao extermínio de mosquitos e custos com futuros tratamentos para os afetados ao longo da vida.
A primeira coisa a fazer seria buscar uma relação causal do vírus com o fenótipo dos pacientes, algo inédito na literatura mundial. Até agora, temos apenas uma correlação entre o vírus e material biológico dos pacientes. E essa evidência não é robusta: apenas dois fetos infectados com o vírus e com o diagnóstico de microcefalia por ultrassom existem até o momento. O vírus também foi encontrado em tecidos de um outro bebê com microcefalia que morreu ao nascer. Existem outras evidências circunstanciais vindas de outros países e que, juntas, tornam essa alternativa plausível. É possível que a versão do zika vírus brasileiro seja uma variante ou linhagem genética mais patogênica, selecionada através de algumas características da população nordestina, como exposição ao vírus da dengue ou ao mosquito transmissor.
Mas a pergunta mais importante seria como o zika vírus causa microcefalia? Uma hipótese atraente seria que o zika vírus atravessasse a placenta, atingindo o feto em momentos críticos do desenvolvimento neural na gestação. O vírus poderia, por exemplo, infectar células do sistema nervoso central, causando a morte ou alterando o ciclo de células progenitoras neurais. Experimentos com modelos animais poderiam ajudar a confirmar essa correlação, mas o tempo de gestação humano é diferente da maioria dos animais em laboratório e ainda não sabemos se o vírus infectaria células nervosas de outras espécies.

Um outro experimento possível é colocar o vírus diretamente em contato com “minicérebros” humanos. Felizmente o Brasil é um dos poucos países do mundo que já possui esse tipo de tecnologia, inclusive com participação privada, que poderia agilizar esses experimentos. Esse experimento apenas forneceria resultado interpretável caso o vírus causasse morte ou alteração na replicação e especialização de células progenitoras neurais. Um resultado negativo indicaria que o vírus deva atuar de forma indireta.
Sinceramente, acho até mais provável que esse seja o caso, pois existem outros vírus já conhecidos que agem de forma indireta e causam problemas cerebrais. Nesse caso, o vírus não atingiria células progenitoras neurais diretamente, mas células da glia que, quando estimuladas, secretam moléculas imunológicas que afetam o desenvolvimento neural. Essa via pode também ser ativada pelo sistema imune da mãe quando infectada, e as moléculas imunológicas (não o vírus) seriam as responsáveis pela microcefalia. O mecanismo indireto é interessante do ponto de vista do vírus, pois sugere uma tentativa de coevolução. Uma análise genética, sequenciando o genoma da variante do zika brasileiro e comparando-a com as linhagens asiáticas e africanas, revelaria quais seriam os genes causadores da resposta imune e, consequentemente, da virulência inesperada no surto brasileiro.
Se realmente descobrirmos que o zika vírus é modulado por sinalização do sistema imune, poderemos contra-atacar sua atuação durante a gravidez com certos anti-inflamatórios, por exemplo. Seria, com toda certeza, um plano de ação muito mais eficaz do que tentar combater o zika evitando mosquitos, estratégia que o Brasil fracassou no passado.

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