terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

O que se sabe e as incógnitas sobre a epidemia de coronavírus

O que se sabe e as incógnitas sobre a epidemia de coronavírus
Pedestres se protegem com máscaras em Hong Kong - AFP
Taxa de mortalidade, nível de transmissão, momento em que um paciente se torna contagioso, período de incubação: as incógnitas ainda não permitem determinar o impacto global da epidemia causada pelo novo coronavírus que surgiu na China.
– Qual a taxa de mortalidade?
Mais mortal que a gripe, porém menos virulenta do que as epidemias anteriores de coronavírus: este parece ser o perigo do novo coronavírus, batizado de 2019-nCoV, mesmo que sua taxa de mortalidade ainda não tenha sido determinada com precisão.
Até o momento, 361 pacientes morreram em 17.200 casos confirmados na China. A primeira morte fora deste país foi registrada no domingo nas Filipinas, um chinês de 44 anos da cidade de Wuhan, dos 150 pacientes listados em 24 outros países.
“2% dos casos confirmados morreram, o que permanece alto quando comparado à gripe sazonal”, disse Michael Ryan, diretor de programas de emergência da OMS.
Essa taxa é “equivalente a todas as pneumonias virais presentes no hospital. Não é um assassino de perigo extremo”, minimiza Didier Raoult, diretor do IHU Méditerranée Infection em Marselha, embora reconheça que “a verdadeira gravidade dessa infecção respiratória não será conhecida até o final da história”.
Não se sabe quantas pessoas estão realmente infectadas. A taxa de mortalidade indicativa diminui a cada dia, pois, proporcionalmente, o número de novos casos registrados aumenta mais rapidamente do que o número de mortes.
Um estudo publicado na sexta-feira na revista médica The Lancet estima em 76.000 (mais de dez vezes a estimativa oficial) o número de pessoas infectadas em Wuhan, o berço da epidemia, com base em projeções estatísticas.
As duas epidemias mortais anteriores causadas por um coronavírus, Sars (Síndrome Respiratória Aguda Severa) e Mers (Síndrome Respiratória do Oriente Médio), foram muito mais virulentas.
A epidemia de Sars matou 774 pessoas em todo o mundo em 2002-2003, de acordo com a OMS, incluindo 349 na China continental e 299 em Hong Kong dos 8.096 casos, com uma taxa de mortalidade de 9,5%.
Ainda em andamento, a epidemia de Mers fez 858 mortos de 2.494 casos desde setembro de 2012, uma taxa de 34,5% de mortalidade.
A gripe sazonal é muito mais mortal em números absolutos, pois mata entre 290.000 e 650.000 pessoas por ano em todo o mundo, de acordo com a OMS.
Além da periculosidade do vírus, é também sua capacidade de transmissão que determinará a gravidade da epidemia.
“Um vírus relativamente pouco agressivo ainda pode causar grandes danos se muitas pessoas o pegarem”, disse Ryan.
– Qual o nível de contágio?
Um dos parâmetros importantes é o número de pessoas infectadas por pessoa infectada, denominada “taxa básica de reprodução” (ou R0).
Nos últimos dias, diversas estimativas foram feitas por diferentes equipes de pesquisa, variando de 1,4 a 5,5.
A mais recente é de pesquisadores chineses, autores de um estudo publicado na revista médica americana NEJM. Eles estimam que cada paciente infectou uma média de 2,2 pessoas.
É maior que a gripe de inverno (cerca de 1,3), significativamente menor que o sarampo, altamente contagiosa (mais de 12) e comparável à Sars (3).
– Podemos ser contagiosos sem sintomas?
Autoridades chinesas argumentaram que o contágio era possível antes do aparecimento dos sintomas (que é o caso da gripe, mas não o da Sars).
Essa hipótese, que não foi confirmada, poderia complicar o controle da disseminação do vírus, pois dificultaria a localização de pessoas infectadas.
Mas mesmo que essa hipótese seja comprovada, seria necessário “ver o que pesa na dinâmica da epidemia”, ressalta Arnaud Fontanet, do Instituto Pasteur de Paris.
De fato, a tosse de um paciente infectado é um vetor importante para a transmissão do vírus, mas um paciente sem sintomas não tosse.
– A quarentena exclui os riscos?
Além das medidas de contenção na China, que têm como alvo dezenas de milhões de habitantes em torno de Wuhan e Wenzhou, vários países estabeleceram uma quarentena de 14 dias para seus cidadãos repatriados.
Essa duração foi decidida com base no provável período de incubação do novo coronavírus: a OMS estima o tempo entre a infecção e o aparecimento dos primeiros sintomas entre dois e dez dias, enquanto um estudo chinês publicado no NEJM estima em 5,2 dias, em média, com uma grande variação dependendo do paciente.
O fato de a estimativa ser preliminar e “imprecisa” justifica “um período de observação ou quarentena de 14 dias para os expostos”, escrevem os pesquisadores chineses.
Além disso, uma pessoa que não declarou nenhum sintoma e que não foi novamente exposta a um risco de contágio é considerada fora de risco.
– Quais os sintomas?
O quadro clínico da doença respiratória causada pelo novo coronavírus se torna mais claro após a análise dos primeiros 99 casos identificados na China, publicada no The Lancet.
Todos esses pacientes apresentavam pneumonia, a maioria apresentava febre e tosse, e um terço sofria de falta de ar.
A idade média desses pacientes é de 55 anos, dois terços são homens e metade sofrem de doenças crônicas (problemas cardiovasculares, diabetes…). Em 25 de janeiro, 11 desses pacientes morreram, 57 ainda estavam hospitalizados e 31 receberam alta.
Não há vacina ou medicamento para o coronavírus, e o atendimento envolve o tratamento dos sintomas, incluindo febre. Alguns pacientes ainda recebem antivirais, cuja eficácia está sendo avaliada.
– Qual a origem?
A pista de um vírus do morcego, mencionada por pesquisadores desde o início da epidemia, parece se confirmar.
De acordo com um estudo publicado nesta segunda-feira na revista Nature, o genoma do vírus retirado de cinco pacientes seriamente afetados, que trabalhavam no mercado em Wuhan onde os primeiros casos apareceram, é “idêntico a 96%” do de um coronavírus que circula em morcegos.
No entanto, ainda não se sabe qual animal o transmitiu aos seres humanos. Identificar esse hospedeiro intermediário pode ajudar a conter a epidemia.
No caso da Sars, onde o animal em questão foi a civeta, e a proibição do consumo desse mamífero tornou possível “impedir qualquer reintrodução” do vírus, lembra o professor Arnaud Fontanet.
Por outro lado, uma das razões pelas quais a epidemia de Mers continua é o fato de o reservatório do vírus ser o dromedário, um animal doméstico.

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