Surto de nova doença respiratória causada pelo coronavírus 2019-nCoV começa na China, se alastra pelo mundo, coloca autoridades sanitárias de prontidão, inclusive no Brasil, e causa forte impacto econômico e social


O surto do novo coronavírus, chamado de 2019-nCoV, que começou num mercado de carnes na cidade de Wuhan, na China, vem causando pânico global, derrubado bolsas de valores em todo o mundo e provocado perdas econômicas expressivas. A curva da epidemia é ascendente e, até quinta-feira 30, 7711 pessoas haviam sido infectadas e 170 morreram. A doença foi detectada em pelo menos 20 países e se espalha rapidamente. No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, há nove pessoas suspeitas de terem contraído o vírus. Embora se perceba uma reação rápida e vigorosa das autoridades sanitárias de todos os países, coordenada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), o problema é seríssimo e exige reforço das barreiras de controle e aumento da vigilância do transporte internacional de passageiros para evitar que o 2019-nCoV se alastre. Idosos, crianças, gestantes, pessoas com males crônicos como diabetes ou alguma cardiopatia, são especialmente vulneráveis e correm mais risco de serem atingidas de forma severa pela doença.


O Ministério da Saúde declarou situação de risco iminente no Brasil, onde o medo da doença já é sentido e há nove casos suspeitos de infecção pelo coronavírus
A epidemia de coronavírus, que foi comunicada pelo governo chinês à OMS no primeiro dia do ano, pode durar vários meses e sua evolução ainda é imprevisível. Alguns desses vírus que atacam o sistema respiratório são sazonais e, numa perspectiva otimista, pode estar ocorrendo um pico de contágio para depois haver uma pausa, talvez na mudança de estação, o que ainda está distante. Além disso, há certamente muito mais pessoas infectadas do que revelam os números oficiais, principalmente na China, já que os sintomas do contágio pelo coronavírus são comuns a muitas outras moléstias e podem demorar até duas semanas para aparecer. Mais de 100 mil pessoas no mundo estão sob observação neste momento. Para completar, já foi confirmada a transmissão da doença entre humanos, tanto na Ásia como na Europa, e também se comprovou que indivíduos infectados assintomáticos oferecem risco de contágio, o que torna o 2019-nCoV extremamente perigoso.

A OMS, que a princípio classificou o risco do coronavírus como “moderado”, mudou a classificação durante a semana para “alto” e, no território chinês, para “muito alto”. Em uma reunião na quinta-feira 30, a OMS declarou situação de emergência global por causa da doença. O diretor-executivo da organização, Mike Ryan, disse que a decisão foi tomada por causa das “evidências de aumento de casos de transmissão entre humanos fora da China”. “A evolução do surto preocupa e levou os países a agir”, afirmou. ”Agora, o mundo inteiro precisa estar em alerta, preparado para adotar ações de contenção. O momento é crucial. A transmissão ainda pode ser interrompida, mas precisamos nos comprometer a fazer isso”. Segundo Ryan, 20% dos casos notificados até agora são classificados como “severos”. É a sexta vez que a OMS declara emergência global. A última foi em 2016, na epidemia do vírus zika.

Velocidade de contágio
O mais preocupante até agora é a velocidade de contágio do novo coronavírus. De um dia para o outro, têm surgido entre 500 e 1000 novos casos e o número de mortes gira em torno de dez por dia. Os mais de 7700 casos de contágio pelo 2019-nCoV, em menos de um mês, já se aproximam dos 8096 registrados, em 2002, na epidemia da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), também causada por um coronavírus, e superam com folga os 2494 do surto de Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS), ocorrido em 2012. Em contrapartida à velocidade de propagação, a “gripe de Wuhan” revela uma letalidade mais baixa que outras epidemias. Com 170 óbitos, sua taxa de mortalidade vem ficando um pouco acima de 2%. Com a SARS, essa taxa chegou a 9,6% e na MERS, a 34,4%, segundo a OMS.
De um modo geral, se considera que o 2019-nCov é menos letal, mas mais contagioso que seus antecessores, embora seu longo período de incubação ainda não permita conclusões definitivas. Ele é muito mais para perigoso que o H1N1, chamado de gripe suína. “Já se trata de uma pandemia, tendo em vista que atravessou o país de origem, atingiu outros continentes e há transmissão entre humanos”, afirma o médico infectologista Caio Rosenthal. “Ao que tudo indica, pela velocidade de transmissão, é um vírus extremamente contagioso. Por ser novo, ele pega o sistema imunológico desprevenido e não há tempo para produção de anticorpos”. Por outro lado, Rosenthal vê uma vantagem na competição com o coronavírus, que foi seu rápido mapeamento genético. Seu genoma já está totalmente reconhecido pelo cientistas chineses e isso deve facilitar bastante o desenvolvimento de uma vacina. Ele acredita que dentro de dois ou três meses essa vacina começará a ser produzida.

Wuhan, capital da província de Hubei, epicentro da nova epidemia, tem 11 milhões de habitantes e é uma cidade cosmopolita, que recebe milhares de cidadãos de outros países para trabalhar em sua pujante indústria. As autoridades chinesas dão como certo que o surgimento da doença aconteceu num mercado local onde se vende carne de centenas de animais, muitos deles selvagens. A hipótese mais plausível é que o vírus mutante tenha vindo de morcegos, como no caso da SARS, mas também se considera a possibilidade dele ser originário de cobras. A transmissão para o ser humano pode ter acontecido pela alimentação ou pelo manuseio do animal e o contato com suas secreções. Os agentes de vigilância sanitária da China fizeram uma inspeção e testaram cerca de 500 espécies disponíveis no mercado, de insetos a mamíferos. Em 30 delas, o vírus foi encontrado. Cerca de 80% do material genético do 2019-nCoV é idêntico ao do coronavírus da SARS. Segundo Leonardo Weissmann, infectologista do hospital Emilio Ribas, em São Paulo, não é novidade que os novos vírus que surgem e ataquem seres humanos venham de mamíferos, répteis e aves. O HIV, por exemplo, veio de macacos e o vírus da gripe espanhola, o Influenza, um verdadeiro carrasco da humanidade que matou 20 milhões de pessoas no planeta, há cem anos, se originou de aves. Os cientistas dão como certo o surgimento, a qualquer momento, de uma nova mutação do Influenza. Weissmann diz que o 2019-nCoV é a sétima cepa de coronavírus já encontrada em seres humanos.

cidade pelo sistema ferroviário (Crédito:Divulgação)
Efeitos na economia
Também é esperado um duro golpe na indústria da aviação. Companhia aéreas europeias e americanas estão cancelando viagens para a China. Foram os casos da Lufthansa e da British Airways, que suspenderam todos os seus voos para o país asiático. Por causa da queda na demanda — ninguém quer viajar para a Ásia neste momento — a United Airlines suspendeu 24 voos dos Estados Unidos com destino a Pequim, Hong Kong e Shangai. A indiana IndiGo cancelou viagens com destino às cidades de Chengdu e Hong Kong. No Brasil, a Vale cancelou todas as viagens de negócios de seus executivos para a China. Além disso, nos voos que foram mantidos, as companhias aéreas mudaram suas rotinas. Para proteger a tripulação e os passageiros, foram eliminados itens de conforto, como comida quente, fones de ouvido, cobertores, toalhas e jornais que favorecem a disseminação do coronavírus. A China Airlines, de Taiwan, determinou que os passageiros viajem com suas próprias garrafas de bebidas e substituiu itens reutilizáveis por descartáveis. A Thai Airlines, da Tailândia, passou a desinfetar o interior de suas aeronaves em todos os voos para a China e para outros destinos considerados de alto risco.


A França é um dos países com mais moradores em Wuhan, por causa da grande presença de estudantes e de trabalhadores nas fábricas da Renault e da PSA na região. No caso do Brasil, a repatriação foi descartada. Referindo-se a uma criança brasileira que está nas Filipinas sob suspeita de ter contraído a doença, o presidente Jair Bolsonaro disse que “não seria oportuno retirá-la de lá”. “É o contrário. Não vamos colocar nós em risco por uma família apenas”, justificou. Cerca de 40 brasileiros estão confinados em Wuhan e, segundo a embaixada em Pequim, as autoridades chinesas não estão autorizando a saída dos estrangeiros. “Estamos recebendo demanda de evacuação, o que neste momento não é possível fazer”, afirmou o embaixador Luiz de Castro Neves. O Ministério da Saúde alemão confirmou o primeiro caso de transmissão de humano para humano na Europa. Um homem testou positivo para a nova cepa do coronavírus. Ele foi infectado por um colega de trabalho. Praticamente todos os casos da doença em outros países são de pessoas que estiveram na China ou tiveram contato com gente que veio de Wuhan. Especialistas em saúde dizem que não estão surpresos com as transmissões de coronavírus de humano para humano no Japão, Vietnã e Alemanha. “A transmissão humana não surpreende. Continuaremos a ver outros casos semelhantes fora da China”, disse Michael Head, pesquisador sênior em saúde global da Universidade de Southampton. As novas informações sobre a doença reforçam a importância do conselho dado pelo Public Health England de que, se alguém retornou de Wuhan nas últimas duas sem anas, deveria “ficar em casa e evitar o contato com outras pessoas, como se faria com outros vírus da gripe” e “entrar em contato com o serviço de saúde para informá-lo de sua recente viagem à cidade”. Esse conselho deveria ser seguido por qualquer pessoa que tenha estado em alguma região da China onde a infecção é reconhecida como comum ou se ela souber que teve contato com um caso presumido. Há muita tensão no ar e o fato é que a China se tornou, nas últimas semanas, um lugar extremamente perigoso.
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