sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Crenças exterminadoras

Brânquias de arraia para curar câncer e chifre de rinoceronte para combater ressaca são crendices asiáticas que colocam em risco a sobrevivência de algumas das mais belas espécies animais

André Julião

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FÉ CEGA
Apesar de não haver comprovação científica, asiáticos retalham arraias
crentes de que as brânquias do animal reforçam o sistema imunológico

Os rinocerontes torcem para que o Vietnã adote uma rigorosa lei seca. Isso porque os moradores do país acreditam que o chifre do bicho em pó é um eficiente remédio contra a ressaca. Crenças desse tipo são responsáveis pela ameaça de extinção de diversas espécies animais e têm um novo alvo: as arraias gigantes. Na semana passada, as organizações Shark Savers e WildAid divulgaram um relatório em que alertam para o risco de duas espécies desse animal desaparecerem. A pesca foi intensificada nos últimos dez anos para a comercialização das brânquias – estruturas responsáveis pela filtragem da água – que, secas, podem valer até US$ 500 por quilo. Apesar de não haver nenhuma comprovação científica dos benefícios de ingerir essas partes, alguns asiáticos acreditam que comê-las fortalece o sistema imunológico, melhora a circulação, e trata dores de garganta, catapora, problemas de rim, câncer e ajuda até casais com problemas de fertilidade.

Curiosamente, a Medicina Tradicional Chinesa (MTC) não reconhece nenhum valor farmacológico nas brânquias de arraia. “Entrevistamos praticantes e eles não conseguiram localizar nenhuma referência nos textos mais usados da medicina oriental. Alguns admitiram que esse ingrediente não tem efeito algum”, disse à ISTOÉ Michael Skoletsky, diretor-executivo da Shark Savers. A explicação para a demanda maior pode estar numa tática comum em qualquer mercado. “Todo consumidor sabe que a efetividade do marketing pode superar a do produto”, diz Skoletsky. Ele acredita que falsas afirmações de que a ingestão das brânquias fortalece o sistema imunológico uniram-se ao temor por epidemias, como as gripes suína e aviária. O resultado foi o surgimento de uma “necessidade” pelo produto.

Animais de diversas partes do mundo estão à beira da extinção por conta da crença de cura dos asiáticos. Entre eles estão os tigres-de-bengala, que têm seus ossos e testículos reduzidos a pó. Ursos são mantidos em cativeiro para a retirada da bile, líquido produzido pelo fígado, que, alguns asiáticos acreditam, teria o poder de curar uma série de doenças. E os chifres de rinoceronte, além de considerados suvenires caros, são usados como se fossem capazes de dar fim a males que vão da ressaca ao câncer. Essa parte do animal é composta de queratina, mesmo elemento que compõe cabelos e unhas – ou seja, não traz nenhum benefício à saúde. A crescente demanda fez com que 2011 tenha sido o ano com o recorde de matança de rinocerontes na África do Sul – 448. Em 2007, foram 13. “Certamente, o aumento da riqueza no Vietnã e na China tem um papel importante nesse quadro”, disse à ISTOÉ Richard Thomas, porta-voz da organização Traffic, que monitora o mercado de animais selvagens. É mais um exemplo de que inteligência e bom-senso são duas coisas que o dinheiro ainda não consegue comprar.

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