Hospital paulista irá investigar por
que as canções promovem benefícios para a saúde. Os pacientes já têm à
disposição vinte playlists produzidas em parceria com o Spotify e com a
ajuda de um maestro
Cilene Pereira
O gerente de sistemas paulista Rodrigo Pereira, 40 anos, é
doador assíduo de sangue. Na manhã da quarta-feira 3, quando se
preparava para mais uma doação no Banco de Sangue do Hospital Israelita
Albert Einstein, em São Paulo, surpreendeu-se com uma oferta singela no
gesto, mas intensa no resultado. Foi convidado a ouvir música enquanto
passava pelo procedimento. Ao som de “Passarinhos”, de Emicida, o
processo foi bem mais gratificante do que costuma ser. A canção é dessas
que alegram qualquer alma e, no caso de quem está fazendo uma boa ação,
como Rodrigo estava, alegra ainda mais. “Foi um relax”, conta. “Até
esqueci que tinha uma agulha no meu braço.”
A iniciativa faz parte de um projeto recém-iniciado na instituição
paulista cujo objetivo final é identificar com precisão científica os
benefícios que a música traz no cuidado com o corpo. A investigação está
alinhada com uma vertente crescente de pesquisas que pretendem
aprofundar os efeitos sobre a saúde de métodos complementares, como o
uso da música ou das artes plásticas. Para quem ainda encara abordagens
assim com preconceito, a ciência responde com evidências cada vez mais
sólidas de que elas têm espaço real no bem-estar das pessoas. Uma das
provas recentes foram os resultados de uma revisão de 52 estudos a
respeito de câncer e música feita na Drexel University, nos Estados
Unidos. A principal conclusão foi a de que ouvir música melhora muito a
qualidade de vida dos pacientes. “O bem-estar e o prazer influenciam
positivamente a recuperação dos pacientes”, afirma o cirurgião
gastrointestinal Sidney Klajner, presidente da instituição paulista. EFEITO MOZART
Em sua iniciativa, o Albert Einstein criou vinte playlists com base
em sugestões dos seus profissionais de saúde, curadores do serviço de
streaming de música Spotify e nas certeiras considerações do maestro
Walter Lourenção. Aos 87 anos, o músico contribuiu para a seleção das
canções eruditas que tocam na sala de Hemodinâmica, onde são realizados
procedimentos como a colocação de stents (dispositivos para desobstruir
artérias). Foi uma contribuição preciosa. Era costume da equipe médica
ouvir música em som ambiente, e o paciente acabava escutando também. Em
uma dessas vezes, o paciente era o maestro. Foi tudo muito bem, ele
agradeceu ter podido ouvir também, mas fez uma observação. Na trilha,
estava um réquiem, peça feita para homenagear alguém que morreu, para
que descanse em paz. Considerando a situação, não seria de fato uma boa
escolha.
Hoje na playlist da Hemodinâmica não há mais réquiem. Há preponderância
de clássicos que evocam sentimentos positivos, como as em tom maior.
Esses causam o chamado efeito Mozart, em referência à obra do compositor
austríaco Wolfgang Amadeus Mozart. “E são todas instrumentais. Árias,
coros e duetos podem incomodar um pouco”, diz o cardiologista – e
guitarrista -Adriano Caixeta.
O outro serviço no qual os pacientes do Einstein são convidados a
escutar uma trilha enquanto se submetem aos procedimentos é o do exame
de ressonância magnética. Quem já passou por um desses sabe o quanto ele
pode ser desconfortável por causa do barulho e da sensação de
claustrofobia que provoca em muita gente. O paciente escolhe a playlist e
a ouve por meio de um fone especial acoplado ao aparelho. Era a
primeira vez da paulista Francisca Lemos, 47 anos, na máquina. Estava lá
para investigar a origem de sua dor nas costas. Francisca pôs para
tocar Roupa Nova, uma das bandas de maior sucesso nos anos 1980. “Acabei
me sentindo bem melhor”, diz.
Por enquanto, os estudos ainda não estão desenhados (precisam, por
exemplo, serem submetidos ao Comitê de Ética do hospital). A coordenação
dos trabalhos está a cargo de Eliseth Leão, pesquisadora de música e
saúde há 21 anos. “Está demonstrado que escutar canções favorece o
controle da dor e reduz a ansiedade”, afirma. A terapia também auxilia
no tratamento da Doença de Alzheimer, caracterizada pela perda gradual
da memória. As lembranças musicais estão entre as últimas a se perderem.
Mantê-las vivas é a forma de preservar a conexão que resta do paciente
com o mundo, fazendo emergir lá de dentro emoções que contam a história
de cada um. Nesta tarefa, a música é mesmo imbatível. O SOM DO CORPO A evidência dos benefícios da música para o organismo é sólida. Alguns deles: RELAX Enquanto doava sangue, Rodrigo ouviu “Passarinhos”, de Emicida (Crédito:Divulgação)
• Reduz a ansiedade
• Diminui a dor
• Auxilia no tratamento do Alzheimer. Uma canção é uma das últimas memórias a serem esquecidas Nas seleções do hospital, a variedade de canções contempla gostos e idades. Algumas delas: TRILHA Francisca sentiu-se melhor durante a ressonância escutando a banda Roupa Nova (Crédito:Divulgação)
• My girl (The Temptations)
• Garota Nacional (Skank)
• Mulher de Fases (Raimundos)
• Body and Soul (Billie Holiday)
• Summertime (Chet Baker)
• Let it go (tema de Frozen)
• Perdoa (Paulinho da Viola)
• 24k Magic (Bruno Mars)
• Laudate Dominum (Wolfang Amadeus Mozart)
• Sonata para Piano no. 8 (Ludwig van Beethoven)
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