Lapsos de memória são comuns em cérebros que estão envelhecendo de
modo normal, e existem meios de adiar esse processo. A piora do quadro,
porém, pode indicar o surgimento de algum tipo de demência, como a
doença de Alzheimer
Fátima Afonso
Depois que a doença de Alzheimer ganhou espaço na mídia e se
tornou conhecida além das fronteiras da medicina, lapsos de memória
passaram a ser um sintoma mais preocupante para os idosos. Diante de
esquecimentos mais ou menos frequentes – como não lembrar o nome de
alguém ou não saber onde os óculos de leitura foram deixados –, muitos
correm ao consultório do médico com medo de estar desenvolvendo uma
doença degenerativa.
Segundo o dr. Marcos Galan Morillo, especialista em geriatria, “na
maioria das vezes, esses déficits de memória se devem ao envelhecimento
cerebral normal ou estão relacionados à depressão”, que é bem comum nos
idosos e compromete sua capacidade de concentração. “Com o passar dos
anos”, diz o médico, “o cérebro – como qualquer outro órgão do corpo
humano – sofre alterações anatômicas e funcionais.
A partir dos 40 anos, seu peso e volume diminuem 5%; depois dos 70,
esse declínio se dá de modo mais acelerado. E o que é mais importante:
de uma década para outra, além dessas alterações que levam à atrofia de
regiões do cérebro, ocorrem mudanças na ação de vários
neurotransmissores” (substâncias químicas produzidas pelos neurônios que
respondem pela troca de “informações” entre eles, como dopamina,
acetilcolina ou serotonina). “Por isso, em geral, um cérebro de 70 anos
não tem a mesma capacidade de retenção de memória para acontecimentos
recentes que um cérebro de 20.” Navegar na internet adia os efeitos negativos do Alzheimer (Foto: Dmitry Berkut)
Segundo o geriatra, é possível identificar quatro níveis de
desempenho da memória ao longo da vida. O melhor desempenho é alcançado
na meia-idade e se mantém nas pessoas com envelhecimento cerebral
bem-sucedido. A partir dos 40 anos, ocorre uma perda em relação a esse
pico, porém, com plena manutenção das atividades. Com o tempo, pode
haver uma diminuição da memória acima da média, mas sem comprometer as
atividades do dia a dia – o chamado comprometimento cognitivo leve
(CCL). Embora nesse caso o declínio de memória seja mais significativo, a
pessoa ainda consegue fazer contas, pegar um ônibus ou cuidar da casa,
por exemplo.
Por fim, podem surgir as demências, das quais a de Alzheimer é a
doença neurodegenerativa mais frequente entre os idosos. Aí, sim, a
falta de memória e de outras capacidades cognitivas começa a atrapalhar o
dia a dia do paciente: com o tempo, ele perde a autonomia para ir de
casa ao supermercado, não lembra como coar um café e, num estágio mais
avançado, não reconhece as pessoas da família. Diversos fatores de
risco, como genética, hábitos de vida, lesões cerebrais e algumas
doenças da meia-idade, aumentam a chance de desenvolvê-la.
Exercícios para o cérebro
Embora ainda não exista cura para o Alzheimer, os pesquisadores já
concluíram que pessoas que têm uma boa motivação para viver e usam mais o
cérebro – lendo, navegando na internet, jogando cartas, fazendo
palavras cruzadas, etc. – conseguem adiar o comprometimento que a doença
traz. “É a mesma coisa que acontece com um idoso que faz musculação:
ele tem uma reserva de músculo maior do que aquele que não se exercita
e, portanto, se movimenta com mais autonomia”, diz o geriatra. Nesse
sentido, é interessante observar que, conforme o declínio cognitivo se
instala, quanto maior a escolaridade do paciente, mais tardiamente
ocorrerá o comprometimento das atividades cotidianas.
Os exercícios físicos são outra arma poderosa para a saúde do cérebro
ao longo da vida. No livro Aumente o Poder do Seu Cérebro (Sextante), o
biólogo molecular John J. Medina, especializado no estudo dos genes que
agem no desenvolvimento do cérebro humano e na genética das doenças
psiquiátricas, mostra que experiências reproduzidas com milhares de
pessoas, em várias partes do mundo, não deixam dúvidas: “O risco de ter
demência geral ao longo da vida cai pela metade para quem pratica
atividades físicas em suas horas livres”. Exercícios físicos reduzem em 50% o risco de demência geral (Foto: iStock)
O exercício aeróbico, feito com moderação, “parece ser o segredo”.
Segundo ele, no caso de Alzheimer, “esse tipo de exercício diminui em
mais de 60% a probabilidade de ocorrência dessa doença”. Para tanto,
basta se exercitar duas vezes por semana. Com uma caminhada diária de 20
minutos, o risco de sofrer um acidente vascular cerebral – “uma das
principais causas de deficiências mentais nos idosos” – cai 57%.
Em termos de alimentação, o que faz diferença no envelhecimento
cerebral? As evidências mostram que a dieta mediterrânea – baseada no
consumo de verduras, legumes, frutas frescas e secas, azeite de oliva e
peixe, e associada ao controle de riscos cardiovasculares – também é
indicada para manter o cérebro saudável. Afinal, lembra Morillo, “assim
como o coração, o cérebro é irrigado por um número imenso de artérias,
responsáveis por levar até ele sangue, oxigênio e nutrientes. Se elas
começam a entupir graças a placas de colesterol, as regiões não
irrigadas terão perda de funcionamento”.
Na avaliação do geriatra, a receita para prevenir o aceleramento da
degeneração cerebral é a mesma indicada para prevenir, entre outras, as
doenças tradicionais do coração: um estilo de vida saudável, com
atividade física, uma boa alimentação, menos estresse, controle da
hipertensão e do diabetes, ausência de tabagismo e baixo consumo de
álcool. Evidentemente, quanto mais cedo ela for colocada em prática,
melhores resultados trará.
SINAIS PRÉVIOS
Ronald Reagan: problemas de saúde perceptíveis nos discursos (Foto: Steve Christensen)
Piadas prolixas e incoerentes podem ser um indício precoce da doença
de Alzheimer, afirmam cientistas americanos em um estudo divulgado em
fevereiro. A pesquisa indica que mudanças sutis no estilo de fala
ocorrem anos antes de o declínio mental chegar a um estágio mais sério.
Segundo os cientistas responsáveis pelo estudo, seria possível detectar
essas mudanças e prever se alguém corre risco mais de dez anos antes de
um diagnóstico de Alzheimer se consolidar.
Em uma palestra na Associação Americana para o Avanço da Ciência, em
Boston, Janet Sherman, diretora clínica do Centro de Avaliação de
Psicologia do Hospital Geral de Massachusetts, descreveu novas
descobertas que revelam déficits linguísticos distintivos em pessoas com
comprometimento cognitivo leve (MCI), um precursor da demência. Ela
descreveu estudos feitos nos textos dos últimos livros das escritoras
Iris Murdoch e Agatha Christie que detectam esse problema, assim como
análises dos discursos de Ronald Reagan na presidência americana (em
comparação, os discursos de George H. Bush, que governou os EUA com
idade similar à de Reagan, não apresentaram o mesmo problema). Para
Janet, em até cinco anos deverão ser desenvolvidos testes linguísticos
capazes de detectar o distúrbio.
OS SINTOMAS DA DEPRESSÃO
Déficits de memória muitas vezes estão relacionados à depressão,
bastante comum com o envelhecimento. A doença pode aparecer, por
exemplo, depois da aposentadoria ou da perda de um familiar. Quando ela é
identificada e tratada corretamente, porém, o problema
desaparece. Segundo o Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos
Mentais, usado por médicos do mundo todo, a depressão é diagnosticada
quando o paciente tem, por no mínimo duas semanas, cinco ou mais dos
seguintes sintomas: • Tristeza ou humor depressivo •Perda do interesse por coisas que antes davam prazer • Aumento ou perda de peso sem haver relação com a dieta • Insônia ou excesso de sono • Perda de energia ou cansaço excessivo • Agitação ou morosidade de movimentos e da fala •Sentimento de inutilidade ou culpa • Dificuldade para pensar, concentrar-se ou tomar decisões; problemas de memória • Pensamentos relacionados a morte ou suicídio • Para que a depressão seja caracterizada, o primeiro e o segundo sintomas devem sempre estar presentes.
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