Engenheiro sobrevive a quatro paradas
cardiorrespiratórias e fica sem sequelas depois de ser submetido à
hipotermia terapêutica, técnica que salva vidas e acelera a recuperação
de pacientes enfartados
NOVA CHANCE
O engenheiro Carlos Neves e o aposentado Antônio Carlos (abaixo):
graças às técnicas revolucionárias,
eles sobreviveram (Crédito: Fabio Braga)
Priscila Carvalho
O engenheiro Carlos Alberto Neves sofreu um infarto enquanto
dirigia em uma avenida movimentada de São Paulo. Depois de perder os
sentidos e bater o carro, Neves foi ajudado por um policial militar que
passava pelo local. A caminho do Instituto do Coração (Incor), o
engenheiro teve outras quatro paradas cardiorrespiratórias. A mais
severa delas durou 25 minutos. Nesse tempo, seu coração literalmente
parou de bater. “Eu não lembro de quase nada”, diz. “Todos achavam que
não sobreviveria ou que poderia ficar vegetando em uma cama. Quando
voltei, minha família não acreditou. Posso dizer que nasci de novo.”
Como isso foi possível? Neves foi submetido à hipotermia terapêutica,
técnica ainda pouco difundida no País que, ao lado de outras inovações
no tratamento a pacientes enfartados, pode salvar incontáveis vidas.
Apenas no Brasil, ocorrem 720 paradas cardíacas por dia. Crédito: Marco Ankosqui
A técnica consiste em reduzir a temperatura do indivíduo para até 32
graus, quando o normal é 36,5. O paciente é envolvido por uma manta fria
ou, em algumas situações, por cubos de gelo espalhados pele corpo. O
processo dura no mínimo 24 horas e tem como objetivo fazer o organismo
trabalhar menos, reduzindo o seu metabolismo. “Hoje em dia é mandatório
que pacientes que tenham sofrido paradas cardiorrespiratórias passem por
esse procedimento”, diz Sergio Timerman, diretor do Centro de
Treinamento em Emergências do Incor e um dos responsáveis pela chegada
da nova técnica ao Brasil. “O procedimento permite que o indivíduo tenha
uma recuperação melhor, menos agressiva e fique quase sempre sem
sequelas neurológicas permanentes.” Redução de danos
Outro procedimento promete ser ainda mais eficaz. Nele, a pessoa é
submetida a um cateterismo que induz a hipotermia em no máximo 18
minutos. O cateter é inserido na veia femural (que fica na perna) e,
antes de chegar ao coração, resfria o sangue do paciente para uma
temperatura entre 32 e 34 graus. Segundo Timerman, essa técnica reduz os
impactos do infarto. “O procedimento melhora o pós-operatório, evitando
arritmia, cicatrizes grandes e um futuro AVC”, afirma. A diferença
desse método é que, além de ser mais rápido, ele permite que o paciente
fique acordado o tempo todo.
Vítima de um segundo infarto, o aposentado Antônio Carlos Ramos
passou pelo procedimento no ano passado. Ao sair da igreja, sentiu dores
no peito, ligou para o filho e pediu ajuda. Quando chegou ao hospital,
já estava enfartando. “O médico informou ao meu filho que iram fazer o
cateterismo que induz a hipotermia para preservar a integridade do
coração”, diz Ramos. Depois de passar 10 dias na UTI, recebeu alta sem
ficar com sequelas. Para Natali Giannetti, cardiologista do Incor, a
técnica permite a independência do paciente depois da alta, já que na
maioria dos casos é possível levar uma vida normal. “Acompanhamos os
pacientes até o trigésimo dia depois do infarto e todos tiveram boa
recuperação”, diz a médica. INOVAÇÃO Diretor do Incor, Sergio Timerman foi um dos responsáveis por trazer a técnica ao Brasil (Crédito:Kelsen Fernandes)
Estudos publicados na Europa mostraram que a técnica diminui as
sequelas em 35% dos casos. O procedimento foi aplicado em 50 pacientes
entre maio de 2016 e fevereiro deste ano. Marko Noc, coordenador da
pesquisa e chefe do Centro de Medicina Intensiva da Universidade de
Ljubljana, na Eslovênia, ressalta a importância do tratamento. “Eu vejo a
técnica como uma terapia adjunta, contribuindo para a diminuição da
lesão e aumentando a recuperação do miocárdio”, disse à ISTOÉ. “Vale
ressaltar que o que faz um infarto ser categorizado como menor é a
melhora dentro de um ano e também não ter insuficiência cardíaca depois
da alta”. Desde o ano passado, 32 pacientes foram submetidos no Brasil
ao novo método de hipotermia.
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