Ao combinar condomínio fechado e centro
de repouso, empreendimentos transformam a cara dos asilos. Além de
serviço médico 24 horas, há atividades culturais, boliche e até aulas de
“zumba sênior”
CONVÍVIO Nair Salomão, 101 anos, moradora de residencial para idosos em São Paulo (Crédito: Gabriel Reis)
Camila Brandalise
Com a foto do cantor John Lennon na mão, Nair Mendonça
Ribeiro Salomão, 101 anos, abre um sorriso. A brincadeira para estimular
a memória, em que é preciso reconhecer o artista estampado nas cartas, é
uma das atividades diárias propostas aos moradores do Cora Residencial,
de São Paulo, voltado para pessoas com mais de 60 anos. Em uma mesa no
hall do prédio, ela põe o cartão com a imagem do ex-Beatle de lado. Quer
contar sua história. “Sou do tempo do suicídio de Getúlio Vargas.”
Depois da morte do marido, passou a morar com a filha, mas se incomodava
ao percebê-la sobrecarregada com as responsabilidades da família e os
cuidados com a mãe. Nair pediu que a levasse a uma casa de idosos, e o
combinado foi que ficaria uma semana para testar. Já tinha 100 anos e lá
ficou. No local, vive como se estivesse em um condomínio fechado: tem
seu quarto e autonomia para sair e voltar quando quiser. Mas dispõe
também de serviços específicos, atendimento médico 24 horas e
alimentação com nutricionista, além de uma programação que afasta a
alcunha de casa de repouso com atividades que vão de boliche a “zumba
sênior”. ALMOÇO COLETIVO Locais contam com acompanhamento nutricional e outros serviços na área da saúde (Crédito:Gabriel Reis)
Chamadas de instituições de longa permanência para idosos, os
residenciais voltados para a terceira idade tentam quebrar a imagem
estigmatizada dos asilos ao criarem um híbrido de condomínio com centro
de convivência. O Cora Residencial, com sete unidades na capital
paulista, é um deles. Os valores mensais ficam em uma média de R$ 7,5
mil dependendo do tipo de quarto, que pode ser individual, duplo ou
triplo, e do tratamento. O modelo existe em diferentes cidades
brasileiras e é inspirado em empreendimentos que são praxe em outros
países, como Estados Unidos, Canadá e Inglaterra (leia mais no quadro ao
lado), onde a população idosa cresce gradativamente. Assim como no
Brasil, cuja taxa da população com mais de 60 anos foi de 9,8% para
14,3% de 2005 a 2015. Na verdade, aqui o aumento é mais rápido do que em
países desenvolvidos e chegará a 35% em 2070, segundo o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Médico geriatra e especialista em doenças cognitivas do
envelhecimento, Rodrigo César Schiocchet da Costa afirma que a
depressão, doença de grande incidência entre idosos, pode atingir níveis
mais altos entre pessoas que vivem em instituições de longa
permanência. “Os estudos que mostram isso focam em asilos tradicionais,
com perfis diferentes dos residenciais para idosos”, afirma. A ideia
desses novos centros, segundo Costa, é benéfica no sentido de estimular o
desenvolvimento cognitivo, o CARINHO
Ana Maria Benavente, 80 anos: opção de viver em condomínio para idosos
não significa abandono da família. “Meu filho me adora e me visita
regularmente” (Crédito:GABRIEL REIS)
convívio social e a qualidade de vida geral. Com isso, evita-se
quadros depressivos, que podem ser fator para uma série de outras
doenças na terceira idade. “Desde a alimentação à atividade física, tudo
deve ser pensado para a saúde física e mental.” Segundo a mais recente
Pesquisa Nacional de Saúde do IBGE, divulgada em 2014, a faixa etária
entre 60 e 64 anos é a maior entre todos os brasileiros diagnosticados
com depressão: 11% do total. Amor da família
Bem resolvida com sua escolha de moradia, Ana Maria Benavente, 80 anos,
não titubeia ao afirmar que viver em uma casa geriátrica nada tem a ver
com abandono familiar. “Meu filho me visita regularmente, ele me adora”,
diz, rindo. Morando sozinha até sete meses atrás, um dia levantou da
cama e caiu. Foi quando achou que valeria tentar o residencial para sua
faixa etária. “Gosto daqui”, diz ela, cabelos loiros e sobrancelhas
desenhadas com lápis. “Mas prefiro morar sozinha, gostava mais da minha
casa, do meu lugar.” Por enquanto, porém, o plano é continuar vivendo no
residencial. “Fui pintora, tinha um ateliê, e posso fazer isso aqui.
Hoje mesmo tem aula de teatro, estou animada.” Para Costa, o tabu sobre
casas para idosos vem sendo quebrado com as novas instituições, mas
ainda é visto com ressalvas, principalmente pela família. Aos poucos, os
asilos deixam de ser relacionados a abandono e passam a funcionar como
centros de lazer e de cuidados. Um lugar melhor tanto para hóspedes
quanto para familiares. Vilas nasceram na Flórida Gabriel Reis
Na ânsia de ter um espaço de alto padrão para aposentados, os
americanos criaram não um condomínio, mas toda uma vila para pessoas com
mais de 55 anos. Fundada em 1972, The Villages é hoje uma cidade com
120 mil habitantes. Em 2000, eram apenas 8.300. É também um forte reduto
republicano, com apoio declarado a Donald Trump. A média de preço de
uma casa vai de R$ 800 mil a R$ 3 milhões. O custo mensal, que inclui
manutenção de piscinas, quadras de tênis e campos de golfe, além de
atividades recreativas e serviços básicos como água e TV a cabo, é de R$
3 mil. O empreendimento é um dos pioneiros no mundo no setor de
moradias para idosos que dispõem de serviços variados e se afastam da
ideia de asilo. Hoje há vários outros modelos parecidos ao redor do
mundo. Em Londres, o Battersea Place conta com uma ala de enfermagem de
luxo. Na Nova Zelândia, uma casa na vila Settlers Albany sai por R$ 4
milhões. Na Holanda, a vila de Hogeweyk foi projetada para idosos com
demência e Alzheimer e tem uma estrutura específica para ajudar os
moradores.
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