domingo, 2 de fevereiro de 2014

Domine o seu metabolismo

A ciência define novas estratégias para aumentar a queima de calorias. Há testes genéticos que informam como cada indivíduo aproveita os nutrientes, os treinos e alimentos mais indicados e até a utilização de bactérias que auxiliam na perda de peso

Cilene Pereira (cilene@istoe.com.br)
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Um conjunto de novidades criadas a partir de sólidos conhecimentos científicos começa a ficar disponível para ajudar na luta contra a obesidade. Os recursos têm como objetivo aumentar a queima calórica pelo organismo a partir da manipulação do metabolismo, um processo complexo pelo qual o corpo transforma em energia os alimentos e as bebidas ingeridos e gasta esse combustível. Quanto mais acelerado, maior o uso de calorias. Portanto, maior a chance de emagrecimento. Entre as novas armas, estão testes genéticos que informam como cada um metaboliza nutrientes, o uso de bactérias e a escolha de treinos e alimentos capazes de fazer com que o corpo eleve ainda mais seu gasto calórico.
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A chegada desses recursos é fruto de uma revolução no entendimento do metabolismo. Por muito tempo se acreditou que ele era influenciado por fatores bem estabelecidos e que dificilmente seria possível interferir no seu funcionamento – principalmente, interferir de forma contundente o bastante para provocar aumento significativo no gasto calórico. Sabia-se que cerca de 70% do total de calorias consumidas por dia era utilizado para manter o chamado metabolismo basal, gasto energético despendido mesmo quando o corpo está em repouso para a execução de funções como a respiração e a renovação celular. O restante da queima calórica era dividido entre o necessário para a digestão e absorção de nutrientes (em torno de 10% do total de calorias consumido diariamente) e o necessário para a realização de atividades físicas, de lavar louça a correr.
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Ao longo dos últimos anos, no entanto, a ciência avançou na elucidação de aspectos pouco conhecidos do metabolismo. O resultado é a descoberta de que há muito mais agentes influenciando a forma como o corpo converte alimentos e bebidas em energia e de que maneira ele gasta sua reserva energética. Conclui-se também que esses fatores podem ser manipulados a nosso favor. O primeiro desses elementos é o peso da genética no processo. É claro que era consenso que o DNA teria influência no metabolismo, assim como tem em qualquer função orgânica. Mas não se conheciam os genes a ele associados e tampouco se tinha ideia de sua importância. Porém, esse panorama está sendo desvendado e o que se obtém é um retrato riquíssimo, no qual os genes aparecem exercendo um papel fundamental no funcionamento metabólico. Na última semana, pesquisadores da University of Southern California (EUA), divulgaram um trabalho que ilustra bem essa constatação. Sean Curran e Shanshan Pang identificaram genes que permitem ao organismo se adaptar a diferentes dietas. Sem eles, o corpo fica exposto ao envelhecimento precoce. “Esses genes têm forte impacto no metabolismo”, explicou à ISTOÉ o cientista Curran. “E nossa pesquisa mostra como uma simples mutação pode alterar a habilidade de o corpo metabolizar uma dieta específica.”
Recentemente, outra informação, garimpada por cientistas da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, acrescentou um pouco mais de conhecimento à área. Eles descobriram que o tal “metabolismo lento”, desculpa muitas vezes usada por quem tem dificuldade para emagrecer, pode não ser tão desculpa assim. De acordo com as investigações, uma mutação no gene KSR2 leva a uma queda na intensidade com que o corpo gasta calorias. “Ele deixa mais devagar a capacidade de queimar calorias e representa uma nova explicação para a obesidade”, disse Sadaf Farooqi, responsável pelo estudo.
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A consequência de achados desse gênero foi a criação de testes genéticos para identificar mutações relacionadas ao metabolismo. Uma vez reconhecidas, é possível agir com intervenções na dieta e no estilo de vida para minimizar seus efeitos. No Brasil, há pelo menos dois tipos de exames disponíveis – o perfil nutrigenético e o painel metabólico. O primeiro, feito por exemplo pelo Centro de Genomas, em São Paulo, analisa os genes associados à obesidade e alterações relacionadas ao metabolismo de gorduras e de vitaminas, entre outros aspectos. O painel metabólico fornece ainda dados sobre a influência dos genes na resposta do corpo a exercícios físicos, capacidade aeróbica e atividade física em termos de redução da gordura corporal. “Eles ajudam o indivíduo a entender como funciona seu processo de queima calórica”, explica Hélio Margarinos, diretor do Laboratório Richet, no Rio de Janeiro, que oferece o teste.
Em São Paulo, a nutróloga Vânia Assaly, do Instituto de Prevenção Generalizada, incorpora os novos recursos no tratamento de seus pacientes. Em geral, ela os recomenda a pessoas que já se submeteram a muitas dietas e a portadores de doenças associadas à obesidade. “É uma maneira de ofertar o conhecimento da ciência à prática clínica para criar dietas saudáveis, não restritivas e voltadas às características de cada um”, diz.
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O estudo do metabolismo também trouxe à luz a evidência de que a flora bacteriana intestinal tem relação com o processo. É fato, por exemplo, que a população bacteriana de obesos é diferente da de indivíduos magros. Por isso, experiências que visam reequilibrar a concentração de bactérias no trato digestivo são conclusivas a respeito dos benefícios da estratégia. Na semana passada, mais uma delas ficou conhecida. Ela foi coordenada por Angelo Tremblay, da Université Laval, no Canadá. O cientista recrutou 125 participantes com sobrepeso. Durante 12 semanas, eles foram submetidos a uma dieta. Nos três meses seguintes, dedicaram-se a manter o peso. Em todo esse período, metade do grupo consumiu duas pílulas por dia contendo bactérias da família Lactobacillus rhamnosus. Esse tipo de recurso é chamado de probiótico (bactérias vivas presentes em iogurtes, sachês ou em comprimidos). O restante ingeriu placebo. Ao final, as mulheres que tomaram as pílulas perderam em média 5,2 quilos, o dobro das outras voluntárias. Entre os homens, não houve diferença significativa. “Pode ter sido um problema de dosagem”, acredita Tremblay. “Já a mudança na flora intestinal das mulheres foi consistente com a ideia de que o uso desses produtos pode ser uma boa opção para alguns indivíduos”, disse à ISTOÉ.
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GASTO
Gibala já comprovou os benefícios dos treinos Intensos intervalados
O mecanismo pelo qual essa associação ocorre não está completamente esclarecido, mas há algumas explicações. Acredita-se que as pessoas emagrecem porque as bactérias produzem substâncias que interferem no metabolismo. No trabalho que conduziu na Universidade de Washington, o pesquisador Jeffrey Gordon analisou as reações de sete pares de gêmeas a iogurtes contendo, entre outros micro-organismos, Bifidobacterium animalis subsp. Lactis, duas cepas de Lactobacillus delbrueckii subsp. bulgaricus e Lactococcus lactis subsp. cremoris. Ele verificou que as bactérias produziram mudanças significativas no metabolismo, particularmente no dos carboidratos. Nas investigações do grupo do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos sobre o tema, há informações sobre a influência dos micro-organismos em outras funções. “Eles podem beneficiar o metabolismo da gordura e a absorção dos nutrientes, entre outras coisas”, explicou à ISTOÉ Linda Duffy, coordenadora da equipe. “Há dados consistentes para a criação de uma estratégia contra a obesidade que inclua o uso de bactérias que ajudam a perder peso.”
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Os novos recursos para acelerar a queima calórica também passam por uma reformulação à mesa. Hoje, há informações suficientes para embasar cientificamente recomendações como a de não deixar de lado a ingestão de proteína, que exige mais gasto para ser digerida. E também de fazer pequenas refeições em intervalos curtos de tempo. É uma maneira de manter o metabolismo ativo. Um dos maiores avanços nessa linha foi a ampliação da lista dos alimentos que promovem queima calórica (leia quadro na pág. 67). A combinação desses conhecimentos está permitindo a confecção de planos alimentares mais eficientes. “Colhemos resultados catastróficos em anos de dietas restritivas”, diz Vânia Assaly. Às pessoas cujo metabolismo consome poucas calorias para se manter funcionando, a nutróloga indica alimentos que aumentem esse gasto.
Também se começa a dar mais importância ao momento certo das refeições. Esse campo de estudo ganhou o nome de crononutrição. Seu objetivo é descobrir as conexões do relógio biológico com o mecanismo de gasto calórico. Vêm dele descobertas como a registrada por Oren Froy, da Universidade de Jerusalém. Durante 18 semanas, ele forneceu a um grupo de cobaias uma dieta rica em gordura. Elas foram alimentadas sempre na mesma hora e pelo mesmo espaço de tempo. Essas cobaias foram comparadas a três grupos: um recebeu dieta com pouca gordura também em um cronograma fixo, outro ingeriu alimentos pouco gordurosos sem rigor em relação ao horário e o último comeu muita gordura, mas sem hora certa. Os animais que ingeriram dieta com muita gordura em horários rígidos chegaram ao final do experimento pesando menos do que aqueles que ingeriram muita gordura em horários aleatórios e também mais magros do que aqueles que receberam uma dieta de baixo teor de gordura sem hora fixa. “Esse resultado mostra que o horário de ingestão tem precedência sobre a quantidade de gordura na dieta, levando a uma melhora no metabolismo”, disse Froy à ISTOÉ. “O melhor é traçar os horários do consumo de gordura, no período entre dez da manhã e seis da tarde”, explicou.
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As informações dessa área da ciência estão por trás de muitas das orientações atuais dadas nos consultórios. “Procuro saber sobre a qualidade de sono do paciente”, conta a nutricionista funcional Daniela de Almeida, do Rio de Janeiro. “Um padrão regular de sono é fundamental para a adesão a um plano alimentar balanceado com horários predeterminados, regulando o metabolismo.”
Outra intervenção em uso é a ênfase nos treinos intervalados. O consenso científico atual dá conta de que o modelo de alternar a intensidade dos exercícios é o que apresenta maior impacto na aceleração do metabolismo. “Quinze minutos por dia de exercício intenso intervalado podem alterar o processo de gasto de calorias”, afirmou à ISTOÉ o pesquisador Martin Gibala, da McMaster University, no Canadá. “Entre outras coisas, ele melhora a habilidade de os músculos gastarem combustíveis como a glicose e gorduras para obter energia.” Há outras implicações. “Alternar picos de intensidade com períodos curtos mais moderados também permite que o praticante, no fim, consiga fazer exercícios intensos por mais tempo”, afirma o especialista em fisiologia do exercício Ronaldo Barros, coordenador da área de avaliação física da rede de academias Cia Athletica, de São Paulo. “Se tivesse que praticar em alta intensidade continuamente, não conseguiria. E quanto mais intenso o exercício, mais o corpo produz substâncias que vão obrigá-lo a usar energia para metabolizá-las, mesmo depois da prática.”
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Muitas outras novidades estão em estudo nos centros de pesquisa. Os cientistas vêm descobrindo substâncias que, de um jeito ou de outro, impactam o metabolismo. É o caso da enzima IKKbeta, identificada na Brown University (EUA). Em experiências com cobaias, ela permitiu que os animais engordassem menos apesar de comerem muito. Isso ocorreu porque o composto melhorou tanto a queima calórica que possibilitou o gasto das calorias extras de forma mais eficiente. Outra promessa em análise – com o mesmo efeito – é o fator de crescimento de fibroblasto (FGF21), objeto de pesquisa do laboratório farmacêutico Eli Lilly. No futuro, espera-se a criação de remédios que atuem sobre essas substâncias, ajudando o ser humano a dominar de vez o metabolismo.
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Colaborou Mônica Tarantino 
Fotos: João Castellano/Istoe, João Castellano/Agência Istoé; Rafael Hupsel, Masao Goto Filho /Ag. IstoÉ; Rogerio Cassimiro / Época

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