terça-feira, 4 de novembro de 2014

Lançada a primeira vacina contra a dengue

Após dez anos de pesquisa, indústria farmacêutica anuncia o primeiro fármaco que oferece proteção contra a doença. Mas especialistas têm dúvidas sobre o real poder da vacina

Mônica Tarantino (monica@istoe.com.br)
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Pesquisadores do laboratório Sanofi Pasteur anunciaram na tarde desta segunda, durante a reunião anual da Sociedade Americana de Medicina Tropical e Higiene,  em New Orleans, nos Estados Unidos, os resultados da última etapa de testes clínicos necessários para pedir a aprovação da sua vacina contra a dengue às agências reguladoras. Os dados completos do estudo serão publicados hoje pela revista científica New England Journal of Medicine. É o primeiro dos imunizantes em desenvolvimento contra a doença a obter resultados conclusivos depois de ser testada em grande número de pessoas. Outras vacinas contra a dengue estão em estudo em todo mundo. No Brasil, há iniciativas no Instituto Butantan e na Fundação Oswaldo Cruz.

A empresa informou que o pedido de aprovação será enviado no início de 2015 à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Se for aprovado, o imunizante estará disponível no País até o final do próximo ano. Segundo o laboratório, a vacina diminui em até 60,8% o número de casos da doença. Segundo a indústria, seu objetivo principal é negociar com os governos para inserir a vacina nos calendários públicos de vacinação especialmente nos países mais atingidos pela doença.

Há dez anos em pesquisa, o imunizante da Sanofi Pasteur oferece níveis diferentes de proteção contra os quatro sorotipos diferentes da dengue. Nos testes feitos na América Latina e Central, demonstrou 50% de proteção para o sorotipo 1. Em relação ao sorotipo 2, a proteção foi de 42%. Já contra os sorotipos 3 e 4, a proteção alcançou mais de 75%. Considerando todos esses resultados, os cientistas calcularam que o nível geral de proteção do imunizante é de 60,8%. Ou seja, a cada 10 pessoas que teriam dengue, seis estão protegidas. Além disso, os cientistas informaram que as pessoas vacinadas que tiverem a doença experimentarão sintomas mais brandos. “Nos últimos resultados, a vacina reduziu a hospitalização pela dengue em 80,3%. Por terem desenvolvido alguma imunidade contra a doença, as pessoas desenvolvem sintomas menos intensos de dengue”, explica a pediatra e especialista em infectologia Lúcia Bricks, médica da Sanofi Pasteur e há mais de vinte anos envolvida com pesquisas sobre a dengue. A especialista, que atuou na erradicação do sarampo, disse que o estudo atual confirma o que foi apurado em um outro braço do trabalho realizado na Ásia com 10.275 crianças, cujas análises encontram-se publicadas na revista científica “The Lancet” de julho deste ano.

Os dados recentes indicam que o novo imunizante é capaz de prevenir 90% dos casos de dengue hemorrágica, a forma mais grave da dengue. Ela pode ocorrer se a pessoa que já teve a doença uma ou mais vezes for picada por um mosquito que carrega um sorotipo diferente do vírus. Por exemplo, se o paciente teve dengue pelos sorotipos 1 e 2, pode manifestar a forma mais grave da doença se for infectado pelo sorotipo 3 ou 4. O número de chances varia na mesma proporção das combinações possíveis entre os quatro sorotipos.

Uma parte dos testes finais aconteceu no Brasil, onde até novembro deste ano foram registrados mais de 550 mil casos da doença. Ao todo, 3.550 crianças e adolescentes com idades entre 9 e 16 anos receberam três doses da vacina, com intervalos de seis meses entre elas. Um terço deles recebeu uma substância placebo (sem efeito) para que se pudesse fazer a comparação com o grupo que tomou a vacina. Os voluntários foram selecionados em cinco cidades que registram maior número de casos: Natal, Fortaleza, Campo Grande, Goiânia e Vitória.  Ao todo, na América Latina, 20 mil crianças e adolescentes brasileiros e também do México, Honduras, Colômbia e Porto Rico participaram do estudo.

Na opinião da médica Lúcia Bricks, a vacina ganha importância justamente porque protege contra os quatro sorotipos, ainda que ofereça níveis diferentes para cada um deles. “Cada um contribuiu para o resultado global. Hoje não existe forma de prevenção. Se a vacina consegue proteger 6 pessoas em cada 10, está prevenindo bastante”, diz a pediatra especialista. Segundo ela, os efeitos colaterais são muito toleráveis e a vacina não causa reações intensas e é bem tolerada. Não houve mortes provocadas pelo fármaco.

Dúvidas

Reunidos em New Orleans (EUA), médicos de todo o mundo estão discutindo neste momento os novos dados sobre a vacina. Para o infectologista Artur Timerman, do Hospital Edmundo Vasconcellos, de São Paulo, ainda há muitas perguntas a serem respondidas. Uma delas se refere à proteção de 90% ou mais contra a forma grave da dengue, que pode ocorrer quando a pessoa que já teve a febre é infectada por sorotipo diferente. “É necessário saber qual sorotipo circulava no período em que foram feitos os testes para se chegar a esses índices”, diz o médico. Isso está relacionado, segundo o médico, com a proteção diferenciada.  “Essa informação ainda não temos”, diz o médico.

Na opinião do médico, um dos problemas é a baixa proteção oferecida contra o sorotipo 2, por exemplo. “Se a pessoa recebe a vacina e produz boas quantidades de anticorpos contra a dengue 1, 3 e 4, é possível pensar que ela estaria sujeita a uma reação mais intensa se for picada por um mosquito infectado pelo sorotipo 2, para o qual a vacina oferece proteção muito baixa”, diz o médico. Em estudo anterior, feito na Ásia, a vacina da Sanofi Pasteur registrou apenas 35% de proteção contra o sorotipo 2.

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