Começam a surgir no Brasil e em outros países os serviços de check-up para detectar e corrigir deficiências de memória, concentração e atenção. Os exames também ajudam a prevenir doenças neurodegenerativas como o Alzheimer
Mônica Tarantino (monica@istoe.com.br)
Inspirados nas
recomendações que levam milhares de pessoas ao cardiologista ou ao
clínico para conferir, anualmente, como está a saúde do coração,
neurologistas e pesquisadores do cérebro desenvolveram um corpo de
testes destinado a proteger a saúde cerebral e preservar funções
cognitivas como a memória, a atenção, a capacidade de se concentrar e o
tempo de reação. Essa nova abordagem, nutrida em centros de pesquisa e
universidades como Pittsburgh, Yale e Harvard (EUA), e Melbourne, na
Austrália, começa a se disseminar pelo mundo. “Esse conjunto de testes
identifica a presença de alterações cognitivas. Alguns também podem ser
usados para treinar o cérebro a superá-las”, disse à ISTOÉ David Darby,
que dirige o Instituto Florey de Neurociências e Saúde Mental da
Universidade de Melbourne. Darby é uma referência mundial no estudo do
impacto das mudanças neurológicas no comportamento e um pioneiro no
desenvolvimento dos jogos computadorizados para avaliar as funções
cerebrais.
Iniciativas com esse direcionamento
proliferam na Europa, nos EUA e no Brasil. Centros de memória antes
frequentados somente por idosos com demência ou Alzheimer agora começam a
ser visitados também por uma população mais jovem interessada em
preservar e melhorar a sua performance cerebral. “Recebemos desde
atletas que sofreram concussão cerebral até jovens com problemas de
concentração que querem saber o que a ciência oferece a eles”, diz a
neuropsicóloga Mariana Assed, do Serviço de Psicologia e Neuropsicologia
do Hospital das Clínicas de São Paulo, onde está sendo montado um
centro de avaliação em moldes semelhantes ao da Universidade de
Melbourne. “Estamos reunindo jogos e outros testes para melhorar o
diagnóstico de alterações cognitivas e psiquiátricas”, explica Mariana.
Um dos alvos do check-up cerebral é ampliar
o acesso à chamada reserva cognitiva. Trata-se da capacidade de o
cérebro buscar novos caminhos para usar seus recursos. Na prática, é a
agilidade para acionar uma via alternativa e seguir em frente se o
caminho principal até uma informação – como uma palavra que teima em
desaparecer no meio da conversa – encontra-se bloqueado ou desativado.
Estudos apontam que pessoas com maior poupança cognitiva contornam
melhor suas deficiências. Uma dessas constatações foi publicada pela
revista “Neurobiology”. Uma investigação de cientistas americanos,
italianos e sérvios ligados à Fundação Kessler concluiu que a existência
de uma reserva mais robusta opõe maior resistência à progressão das
perdas cognitivas até mesmo em pacientes com doenças degenerativas, como
a esclerose múltipla.
Em São Paulo, outro serviço de check-up
cerebral, o Centro Neurability de Avaliação e Treinamento da Performance
Cerebral, atua de acordo com os mais recentes achados da neurociência.
Inaugurado há um ano, o local reúne psicólogos, terapeutas,
neuropsicólogos, médicos do esporte e neurologistas. “Está provado que o
cérebro pode ser reconfigurado a partir de suas reservas cognitivas. É
nessa fronteira da ciência que estamos trabalhando”, diz o neurologista
Jorge Pagura, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, e um
dos integrantes do grupo de profissionais do centro.
Ali têm sido examinados, por exemplo,
atletas do futebol feminino, jogadores de vôlei e boxe e indivíduos com
queixas leves ou mais complexas de memória. Foi o que aconteceu com Luiz
Carlos Moraes Rego, 81 anos, de São Paulo. Especialista em engenharia
automotiva pela Universidade de Michigan (EUA) e professor de Inovação
da Fundação Getulio Vargas, há um ano e meio ele se aposentou e trocou
as aulas pela atividade como palestrante, consultor e articulista da
revista “Inovação”. “Comecei a ficar preocupado com os esquecimentos e a
dificuldade de me comunicar”, diz. Após se submeter a uma bateria de
testes que confirmaram o problema, fez 13 sessões de treinamento para
melhorar o uso de seu patrimônio cognitivo. “Foi um excelente
investimento. Parece que religuei o cérebro”, diz.
O publicitário Fauze Jibran, 40 anos,
submeteu-se ao check-up por curiosidade e ficou surpreso ao saber que
sua memória de trabalho – guarda, por exemplo, nomes de pessoas a quem
você acabou de ser apresentado –, estava abaixo do normal. “Vimos que a
ansiedade estava me prejudicando”, conta. Ele foi orientado a modificar
sua rotina para controlar o problema. “As mudanças no estilo de vida me
devolveram a agilidade mental.”
PREVENÇÃO
O neurologista Okamoto, do Hospital Albert Einstein, planeja o lançamento
de um pacote de exames para avaliar pessoas saudáveis
No laboratório do neurocientista Michael
Collins, da Universidade de Pittsburgh (EUA), concentra-se a vanguarda
dos estudos e tratamentos da concussão cerebral, o trauma provocado por
choques ou pancadas que causam impacto na cabeça. Suas pesquisas mostram
que resultados normais dos exames de imagem não são suficientes para
descartar uma avaliação das funções cerebrais de pessoas que bateram a
cabeça. “Treinamentos específicos melhoram esse quadro”, assegura
Collins.
A designer Karoline Gebrael, 32 anos, de
São Paulo, beneficiou-se dessa nova forma de tratar sequelas. Há um ano,
ela sofreu um acidente de carro, mas aparentemente não teve sequelas.
Com o tempo, passou a ter dores de cabeça constantes, cansaço e
dificuldade para se concentrar no trabalho. “Meu desempenho estava
abaixo do que sei que posso”, diz. Karoline submeteu-se aos testes de
avaliação neurocognitiva. “O cérebro dela ainda se ressentia do impacto
sofrido há tanto tempo”, diz o médico Ricardo Eid, coordenador do
Ambulatório de Concussão da Universidade Federal de São Paulo e um dos
idealizadores do Centro Neurability.
Por ser esse um campo do conhecimento ainda
em construção, um dos questionamentos é se o check-up pode ser um
recurso para melhorar a identificação de pessoas com declínio cognitivo
leve ou até sem sintomas que indiquem o risco de demência e Alzheimer. A
prática mostra que sim. “Nos casos em que houver um prejuízo mais
acentuado da memória e de outras funções a indicação é realizar exames
mais complexos para avaliar sua condição neurológica”, afirma o
pesquisador Ivan Okamoto, da Universidade Federal de São Paulo e diretor
do Centro do Cérebro e Memória do Hospital Israelita Albert Einstein,
em São Paulo. Ele vê com bons olhos o uso dos testes para analisar as
funções cerebrais, ajudando, dessa maneira, na detecção de eventuais
problemas. “Ainda que seja tênue a linha divisória entre as perdas
próprias do envelhecimento e quadros iniciais de demência, sabemos que
intervir precocemente pode retardar os sinais das doenças
degenerativas”, afirma.
Okamoto chama a atenção para o fato de que é
urgente aumentar o acesso ao diagnóstico no País. “Aqui, apenas 11% das
pessoas com a doença de Alzheimer estão em tratamento e estima-se que
90% dos pacientes não tenham diagnóstico”, destaca. O médico planeja
lançar nos próximos meses um pacote de exames para o público saudável
com foco na prevenção.
EXAME
A neuropsicóloga Mariana Assed (na foto, atrás) usou testes 3D para
livrar a designer Karoline da dor de cabeça e da falta de atenção
A aplicação dos testes (leia mais sobre
eles no quadro ao lado) encontra suporte nos diversos estudos que buscam
decifrar como os nossos neurônios se conectam uns aos outros e quais
estímulos reforçam ou enfraquecem essas ligações. Entre eles estão os
que avaliam testes neurocognitivos de computador e os chamados
neurogames. Publicada na revista “Nature”, uma pesquisa recente feita
com 40 pessoas com idade entre 60 e 85 anos mostrou, por exemplo, a
eficiência de um jogo desenvolvido pela Universidade da Califórnia, o
NeuroRacer. Ele é utilizado para incentivar a capacidade de executar
diversas tarefas ao mesmo tempo, algo cada vez mais comum. Nele, o
jogador pilota um carro por uma região montanhosa por meio de um
joystick. Ao mesmo tempo, é instruído a apertar um botão apenas quando
um sinal específico aparecer na tela. “O estudo forneceu uma evidência
poderosa de como a aplicação personalizada de um videogame pode ser
usada para investigar as habilidades cerebrais e, ao mesmo tempo, como
ferramenta para a melhoria cognitiva”, diz o médico Moacir Costa Neto,
de Brasília. Ele foi aos EUA e à Austrália conhecer os novos recursos
contra as perdas neurocognitivas.
Outro trabalho, feito por cientistas do
Instituto Max Planck, na Alemanha, e publicado pela revista “Molecular
Psychiatry”, investigou os efeitos de jogos de computador 3D sobre o
cérebro de um grupo de adultos que jogaram, por dois meses e durante 30
minutos por dia, o game “Super Mario 64”. Na comparação com indivíduos
que não passaram pela experiência, o que se viu foi um aumento nas
dimensões de diversas áreas cerebrais, como o córtex pré-frontal (ligado
à tomada de decisões e planejamento) e regiões associadas à formação da
memória e aos movimentos finos das mãos.
Na opinião do médico Paulo Bertolucci,
chefe da Neurologia Comportamental da Universidade Federal de São Paulo,
a popularização dos check-ups e dos jogos para treinar as capacidades
cerebrais é positiva. “O cérebro precisa ser tão bem cuidado quanto o
coração”, afirma. Ele alerta, porém, para a necessidade de usar os
recursos de forma individualizada. “Jogos online ajudam a melhorar
alguma coisa, mas é necessário fazer essa atividade de modo orientado e
com acompanhamento”, recomenda.
Na Austrália, o neurocientista Darby está
justamente monitorando uma população de voluntários para afiar os
critérios a serem usados nas avaliações feitas pela internet. Hoje, quem
acessa sites como o Lumosity, por exemplo, será encaixado em padrões
diagnósticos bastante abrangentes. O que Darby quer é criar condições
para que o resultado obtido pelo internauta seja o mais específico
possível. “E assim será possível ampliar o uso dessa ferramenta e
reduzir a chance de que ela deixe passar variações que indiquem algo
mais grave na saúde do cérebro”, diz Darby.
Fotos: Pedro Dias, Rafael Hupsel – Ag. Istoé, Airam Asil
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