terça-feira, 7 de abril de 2015

Conselho Federal de Medicina é contra a criação de cursos de medicina no país. Entenda o porquê

De acordo com instituições representativas consultadas pelo site de VEJA aumentar o número de médicos é usar uma solução simples para resolver o complexo problema que é a saúde pública brasileira

Por: Giulia Vidale
Estetoscópio
Segundo o governo, a medida de abrir novas vagas em cursos de medicina pretende corrigir diferenças regionais de proporção de médicos por habitantes(Rainer Junker/Hermera/Getty Images/VEJA)
Instituições que representam os médicos no Brasil são contra a abertura de vagas em cursos de medicina anunciada pelo governo federal na última semana. O edital, feito em conjunto pelos ministério da Saúde e Educação, prevê a abertura de 1.887 vagas em 22 cidades de oito Estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O objetivo é elevar o número de médicos do Brasil para 600 000 até 2026 (em 2013 haviam 374 000). No entanto, de acordo com o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Paulista de Medicina (APM), a iniciativa federal, parte do Programa Mais Médicos, não surtirá os efeitos esperados na saúde pública brasileira.
"Esse é um ato de irresponsabilidade", afirma Mauro Ribeiro, vice-presidente do CFM. "Atualmente, o Brasil tem cerca de 150 escolas médicas. Em número absolutos perdemos apenas para a Índia, país com mais de 1 bilhão de habitantes. Abrir novas escolas não vai resolver o problema da saúde pública no país, pois os locais selecionados para receber estes cursos não têm condições de ensinar medicina. Faltarão profissionais qualificados para lecionar e hospitais-escola para preparar os alunos",
Para a APM, a medida poderá também ter impacto negativo nos cursos de formação que existem atualmente. "A formação dos médicos no país está se deteriorando gradativamente graças ao aumento de instituições que não oferecem o mínimo para o ensino. Isso resultará certamente no agravamento da situação assistencial do Brasil", afirma Florisval Meinão, presidente da Associação Paulista de Medicina.
Boa infraestrutura - De acordo com as instituições consultadas pelo site de VEJA, para atrair médicos a regiões mais afastadas dos grandes centros e, principalmente, para fixá-los nessas regiões é preciso oferecer locais com boa estrutura tanto para a formação quanto para a atuação do profissional.
"A principal motivação para os médicos se fixarem em determinado lugar são as condições de trabalho. Em seguida vêm a inserção social do profissional no local e o salário. Isso significa que se não houver investimento para melhorar a infraestrutura dos locais e das condições de atendimento aos pacientes nestas regiões, os futuros médicos não irão se fixar ali", explica Ribeiro.
Investimento no que já existe - Para o CFM, a melhor solução seria investir na melhoria dos cursos existentes e na infraestrutura básica necessária para o atendimento de saúde, que está precária na maioria dos municípios brasileiros.
"Atualmente, o que vemos são médicos formados despreparados ou sem condições para atender os pacientes", diz Ribeiro.
De acordo com ele, a prova aplicada pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), que se tornou obrigatória para todos os concluintes das faculdades paulistanas ilustra bem este fato. No ano passado, 55% dos 2.891 futuros profissionais foram reprovados. Além disso, grande parte dos participantes do exame revelou desconhecimento sobre questões básicas da prática médica, como diagnosticar pneumonia em um bebê.
Apesar de obrigatória, ser reprovada na prova do Cremesp não impede a pessoa de exercer a profissão, pois ainda não existe uma lei que torne o exame obrigatório para o exercício da profissão. O teste apenas é um indicador que revela a situação dos graduandos que se formam e vão atender em hospitais e prontos-socorros.
De acordo com os especialistas, não adianta buscar a solução simples de aumentar o número de médicos para resolver um problema complexo como a saúde pública no Brasil. "Precisamos interiorizar o sistema de saúde e não os médicos. Não adianta mandarmos médicos para locais onde não existem recursos para ele atender a população", diz Ribeiro.
Fies - As novas restrições ao Fies representam outro problema para a adesão aos novos cursos. A mensalidade de uma faculdade de medicina no Brasil custa em torno de 3.000 reais. O alto valor do curso já prioriza o ingresso de pessoas com renda alta e as novas restrições do Fies representam mais um empecilho para os estudantes de baixa renda que sonham em fazer o curso.
Novo edital - Esse é o segundo edital voltado à criação de vagas de cursos de medicina dentro do Programa Mais Médicos. O primeiro foi lançado no ano passado e, de acordo com dados dos ministérios, chegou a 39 cidades de 11 Estados do país. O Ministério da Saúde afirma que os profissionais da medicina costumam se fixar nos locais onde fazem a graduação e a residência médica, o que contribui para uma maior oferta de médicos no mercado nas regiões Sul e Sudeste, onde há a maior parte dos cursos de medicina. Por isso, a meta é levar a formação de médicos a regiões onde há menor concentração de atendimento e, com isso, motivar a fixação de profissionais nesses locais.
Com o edital anunciado na última semana as vagas serão abertas em cidades onde o índice de médicos fica abaixo de 2,7 profissionais para cada mil habitantes.

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