segunda-feira, 30 de julho de 2018

Poliomielite: vacina é única ação contra reintrodução do vírus

Ministério da Saúde chama atenção para coberturas vacinais abaixo de 50% no País. No Ceará, pessoas que tiveram a doença relatam vida de dificuldades em decorrência das sequelas
por Renato Bezerra - Repórter
pólio
Benvinda Sá contraiu a pólio e hoje enfrenta diversas dificuldades no dia a dia ( FOTO: HELENE SANTOS )
Para a nutricionista Eveline Silva, 52, ter deixado de tomar apenas uma dose do esquema vacinal contra a poliomielite, doença infectocontagiosa viral aguda conhecida como paralisia infantil, foi o suficiente para resultar numa vida inteira de limitações e dificuldades. Após contrair a doença aos 11 meses de idade, acabou ficando com quadro paralítico irreversível dos membros inferiores, o que a faz depender, hoje, de uma cadeira de rodas para locomoção.
Para que casos assim não voltem a acontecer no País, o Ministério da Saúde reforça a necessidade de manter a prevenção, pois, embora erradicado no Brasil desde o início dos anos 90, para que o País permaneça com a Certificação de Área Livre de Circulação do Poliovírus Selvagem é importante manter coberturas vacinais acima dos 95%. Um alerta lançado pelo órgão no início de julho, contudo, chamou atenção para coberturas abaixo de 50% em mais de 300 cidades brasileiras, trazendo o risco de reintrodução do vírus.
Barreira, no Ceará, foi citada na lista do Ministério com cobertura vacinal de apenas 38,51% em crianças menores de um ano, mas o baixo resultado foi atribuído pela gestão municipal a uma falha no lançamento dos dados, estando o Município, na verdade, com 95% de cobertura.
No Estado, a meta de vacinação tem sido alcançada nos últimos dez anos, segundo destaca a coordenadora de Imunização da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), Ana Vilma Leite, havendo, no entanto, a necessidade constante de se trabalhar município por município, orientando-os quanto a uma cobertura mínima homogênea. "Como Estado estamos sempre nos fóruns com os secretários de saúde, pedindo o apoio para que trabalhem juntos aos profissionais, apontando a importância da prevenção, mostrando como as doenças foram combatidas com as vacinas, e o impacto delas", afirma.
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Além disso, um trabalho realizado de quatro em quatro meses nas macrorregiões, explica ela, também vem discutindo estratégias de prevenção às coberturas baixas, estabelecendo planos de ação que mantenham o Estado longe de qualquer doença imunoprevenível.
A vacina antipólio faz parte do calendário básico de vacinação brasileiro, sendo necessária a aplicação de três doses no esquema primário: aos dois, quatro e seis meses de idade; além de dois reforços, sendo o primeiro dado aos 15 meses e o segundo aos quatro anos.
Mesmo com a caderneta em dia, crianças entre um e quatro anos de idade devem ser imunizadas nas campanhas anuais, que em 2018 acontece de 6 a 31 de agosto. No Ceará, a meta é imunizar 95% das 509.183 crianças nessa faixa etária. A campanha reforça o objetivo de barrar a circulação do vírus novamente nos estados brasileiros, sendo esse um risco real frente a baixos índices de imunização, segundo avalia Ana Vilma Leite.
Apesar de confirmar a existência de grupos antivacina, a coordenadora garante se tratar de números tímidos, incapazes de interferir na cobertura vacinal desejada. "Alguns falam ter medo das reações, mas o que a gente tem que destacar é que a vacina serve para estimular o sistema imunológico a produzir os anticorpos para proteger da doença. A vacina é incapaz de matar uma pessoa e não se proteger é muito grave. Só podemos erradicar uma doença se estivermos vacinando", destaca.
Embora de maior incidência nas crianças, os adultos também podem ser contaminados com o vírus. Para esse grupo, ainda segundo esclarece Ana Vilma Leite, se faz necessário se vacinar no caso de viagens ao Afeganistão, Nigéria e Paquistão, países onde ainda existe a circulação endêmica do poliovírus selvagem.
Pós-pólio
A aposentada Benvinda Sá, 62, sabe o quanto uma simples vacina teria feito diferença na sua vida. Não imunizada e tendo contraído o vírus aos seis anos de idade, acabou adquirindo sequelas permanentes no braço direito e na perna esquerda.
Segundo ela - que também depende de uma cadeira de rodas para se locomover - além das limitações diárias enfrentadas na cidade por pessoas com alguma deficiência física, os desafios para quem teve a doença do tipo paralisante são maiores, uma vez se tratar de uma condição que se agrava com o tempo. Entre os sintomas pós-doença mais comuns relatados, estão as dores no corpo, fadiga muscular, cansaço e dificuldade de respirar. "Sequela de pólio não tem cura, ela é uma doença agravante e com a idade você vai se debilitando mais ainda", esclarece.
Por esse motivo, acrescenta Benvinda, pessoas nessa condição carecem, hoje, de um equipamento público com atendimento específico a elas. "Gostaria de um local que tivéssemos tratamentos especializados. No meu caso, por exemplo, se eu tomar um Dorflex a minha pressão cai, a musculatura fragiliza e eu caio. Precisamos de tratamento com fisioterapeutas, ortopedistas e neurologistas, voltados para a síndrome pós-pólio", diz.
Transmissão
A poliomielite é transmitida pela via fecal-oral, por objetos, alimentos e água contaminados com fezes de doentes ou portadores. Falta de higiene pessoal e más condições de saneamento são fatores de risco a essa contaminação, segundo alerta o médico infectologista Robério Leite.
A princípio se tratando de uma infecção viral inexpressiva, explica ele, pode gerar um quadro de febre acompanhada de diarreia, vômitos e dores nos membros, geralmente inferiores, com perda de força progressiva. "Mas essa paralisia pode ser mais grave e envolver a musculatura respiratória, que pode ser um risco para a própria sobrevida do indivíduo", destaca.
O médico reforça não existir nenhum anti-viral existente para a doença, sendo a vacina a única forma de combate. E não havendo a imunização necessária, conforme aponta, o risco de reintrodução do vírus no contexto global existe. "Se você tem muito fluxo migratório do Oriente, migrações da África, existe a possibilidade de implantação do pólio vírus em regiões onde ele está controlado", comenta.
No Ceará, o ultimo caso registrado da doença foi em 1988, segundo a Sesa. Sobre o aparecimento dos casos de síndrome pós-pólio (SPP), a pasta diz haver "um grupo técnico avaliando o atual cenário e estudando a criação de um protocolo de tratamento, conforme a necessidade da demanda que surge. A Sesa ressalta ainda que, na rede pública estadual, há serviços especializados, como neurologia e fisioterapia, por exemplo, os quais podem atender também pacientes que desenvolveram SPP".

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