quinta-feira, 5 de maio de 2011

Doenças negligenciadas

A cada ano são registrados cerca de 650 mil novos casos de tuberculose, malária, leishmaniose, hanseníase e doença de Chagas no Brasil, de acordo com os últimos registros disponíveis. Apesar da incidência considerada elevada, não há novos medicamentos por parte de laboratórios nem grandes gastos em saúde pública na assistência farmacêutica a estas enfermidades, que re­­cebem a denominação de doenças negligenciadas pela Orga­ni­­zação Mun­­dial da Saúde. A incidência destes agravos está diminuindo no Brasil, mas o país ainda tem desafios para o futuro.
As informações fazem parte do recente estudo “Epidemiologia das doenças negligenciadas no Brasil e gastos federais com medicamentos”, feito por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Eco­nômica Aplicada (Ipea). Segundo o documento, por afetar os mais po­­bres, as doenças não representam mercados comerciais favoráveis para medicamentos e vacinas. “O estigma social, o preconceito, a marginalização, a pobreza extrema das populações atingidas e a baixa mortalidade são fatores que contribuem para a negligência a estas doenças”, cita o estudo.

Por outro lado, o Brasil lidera a lista dos países em desenvolvimento que mais têm aplicado recursos em estudos de novas formas de tratamento para as doenças negligenciadas.

Gastos ínfimos

O gasto com os medicamentos para estas doenças é relativamente pequeno quando comparado com a despesa total, informa o levantamento. Entre as possíveis causas estão o fato de alguns dos medicamentos serem obtidos por meio de doações da Organização Pan-Americana da Saúde ou de fabricantes e o baixo custo unitário desses remédios.

Segundo dados publicados no site da Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas, uma entidade sem fins lucrativos, embora as doenças tropicais e a tuberculose sejam responsáveis por 11% da carga global de doença, apenas 1% dos novos medicamentos registrados entre 1975 e 2004 foram desenvolvidos especificamente para estas enfermidades.

A coordenadora da unidade médica da organização Médicos Sem Fronteiras no Brasil, Caro­lina Batista, observa um desinteresse por parte das grandes in­­dústrias. “Infelizmente, por es­­tas doenças atingirem pessoas que são invisíveis e que têm pouco ou nenhum poder político, essas ferramentas de diagnóstico e de tratamento são insuficientes”, diz. No caso da doença de Cha­­gas, por exemplo, não há um teste padronizado que possa confirmar se a pessoa foi curada. Somente um laboratório no mundo produz tratamento de primeira linha para tratar a enfermidade, exemplifica a médica.

Há também o problema de subnotificação pelo fato de que muitas pessoas não têm acesso a estruturas de saúde por questões pessoais e sociais, diz a médica. Quando há o acesso, existe dificuldade no diagnóstico. O país tem conseguido reduzir os casos através de ações preventivas, mas ainda é preciso abordar todas as pessoas infectadas no passado, observa Eric Stobbaerts, diretor regional da Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas na América Latina.

Falta preparo

Professor do Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Paraná, Mário Navarro cita ainda a falta de preparo em todo o ter­­ritório nacional para enfrentar os males negligenciados. Ele afirma que, enquanto o sistema da Ama­zô­­nia está preparado para o diagnóstico rápido da malária, isso nem sempre acontece em outras regiões que não registram muitos casos.

Outro desafio é que os vetores estão criando condições para ampliar sua distribuição territorial, devido a chuvas constantes, aproximação do homem ao ambiente natural, entre outros fatores. “Os vetores foram se modificando diante da necessidade de sobrevivência”, diz Navarro.

Brasil investe alto em novos tratamentos

Com investimentos crescentes, em torno de R$ 75 milhões ao ano, o Brasil lidera a lista dos países em desenvolvimento que mais têm aplicado recursos em estudos de novas formas de tratamento para as doenças negligenciadas, de acordo com o relatório do Ipea. Por meio do Programa de Pesquisa e Desenvolvimento em Doenças Negligenciadas no Brasil, lançado em 2006, 140 projetos foram financiados.

A coordenadora da unidade médica da organização Médicos Sem Fronteiras no Brasil, Carolina Batista, diz que avanços importantes foram feitos no país, onde há pessoal qualificado em saúde pública e qualidade tecnológica na produção de medicamentos. Para ela, o Brasil pode assumir uma postura de liderança neste processo o que falta é colocar todo o conhecimento em prática.

Para Eric Stobbaerts, diretor regional da Iniciativa Medica­mentos para Doenças Negligen­ciadas na América Latina, é necessário fazer com que as ações em pesquisa se convertam em produtos concretos à população. Se­­gundo ele, a solução passa por parcerias público-privadas. Segun­do o estudo do Ipea, a tuberculose é a única doença negligenciada que terá medicamentos produzidos por meio desta parceria.

O secretário de vigilância em saúde do Ministério da Saúde, Jarbas Barbosa, diz que o Brasil tem investido nas parcerias. “Já existem experiências bem sucedidas no Brasil demonstrando que a parceira pode facilitar bastante.”

Segundo Barbosa, há medicamentos para estas doenças que estão em uso há vários anos, reforçando a importância da pesquisa. Ele cita o caso da leishmaniose, para a qual o “medicamento é tóxico, injetável e difícil de administrar”. Ele afirma que esta é a única entre as doenças negligenciadas que não está reduzindo no Brasil.

Além de investimentos em tecnologia, o país atua na expansão da atenção básica. Quanto aos gastos considerados baixos na comparação com despesas para outras doenças, levantados pelo estudo do Ipea, o secretário diz que os medicamentos disponíveis são baratos. “O problema não é de compra. O problema é a dificuldade de acesso, mesmo o medicamento existindo.”

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