quarta-feira, 8 de junho de 2011

Queimaduras: um descuido, muitas sequelas

Carrinhos de controle remoto e ursinhos de pelúcia espalhados pelo quarto, bonecas com todo tipo de roupinhas e jogos de montar. Para as crianças até os 6 anos, tudo isso fica em segundo plano. A maior diversão é se aventurar pela casa, testar os limites e mexer em tudo para descobrir o que cada objeto faz. O cômodo preferido? “A cozinha. Tanto que cerca de 72% das queimaduras em crianças acontecem lá”, diz José Luiz Takaki, chefe do Serviço de Queimados do Hospital Evangélico.
Estatísticas da ONG Criança Segura de 2010 revelam que a queimadura é o tipo de acidente que mais preocupa os pais e cerca de 71% deles tomam medidas em casa para evitá-la. E para prevenir, os especialistas são unânimes: o cuidado é permanente, e deve ser redobrado nas férias – quando as crianças ficam mais tempo em casa, geralmente ociosas. “Queimadura não é acidente. Por trás de cada criança queimada, existe pelo menos um adulto que foi negligente, mesmo que por alguns segundos. Esse momento de descuido é suficiente para desencadear ferimentos graves”, alerta Takaki.

Problemas mais comuns

Entre os acidentes domésticos mais comuns, a queimadura exige atenção principalmente pelas conse-

quências que ela traz para a vida da criança. Além da dor no dia do evento, há o processo de internação e recuperação, que pode durar meses. E quanto maior a área queimada, maior o risco de morte. “Mesmo que sobreviva, a criança tem sua qualidade de vida totalmente comprometida pelo acidente”, comenta Aramis Lopes, médico pediatra e presidente do departamento de segurança da criança e adolescente de Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

E o perigo não está tanto no processo de queimadura, mas nas inúmeras infecções que a criança pode pegar a partir desta lesão. São bactérias, vírus, vermes e fungos que aproveitam o tecido exposto para entrar no corpo e comprometer seriamente a saúde da criança durante todo o período de recuperação.

“A queimadura deixa sequelas físicas e psicológicas que podem ser permanentes. A criança muda depois de uma queimadura: ela passa de uma vida saudável, fazendo normalmente suas atividades, para uma em que tem que conviver com cicatrizes, precisa de acompanhamento permanente no hospital e sente vergonha das sequelas que ficam no rosto e no corpo”, diz Ingrid Stammer, mobilizadora da ONG Criança Segura.

Mas os problemas não se limitam à saúde dos pequenos. Para os pais e responsáveis, o processo de recuperação também é doloroso. “Primeira­mente, vem a culpa de quem deveria estar cuidando da criança e se sente mal por ter deixado isso acontecer. Depois, vem a dificuldade do pai e, principalmente, da mãe, em diminuir o ritmo de trabalho ou até abrir mão dele para acompanhar o filho por meses no hospital em casos mais graves.”

Prevenção

Cerca de 90% dos acidentes domésticos com crianças poderiam ser evitados se as pessoas seguissem as dicas de prevenção que a maioria dos adultos conhecem, mas que poucos põem em prática. “Queimaduras não são fatalidades, mas eventos que podem ser prevenidos”, alerta Maurício Pereima, cirurgião pediátrico e diretor científico da Sociedade Brasileira de Queima­duras (SBQ).

“Os pais e responsáveis precisam sair da zona de conforto do ‘acontece na casa dos outros, não na minha’ e agir para evitar situações de risco”, diz David de Souza Gomez, médico dermatologista e responsável pelo setor de queimados do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Prevenir exige menos trabalho do que se possa imaginar. O passo decisivo é os pais se reunirem com o cuidador ou babá e transmitir as orientações de forma clara para todos. “Os mesmos cuidados e regras valem tanto para o pai e a mãe quanto para a babá”, diz Vanessa Maria Freitas, enfermeira e professora do curso de Primeiros Socorros do Espaço de Desenvol­­vimento Criança em Foco.

Quanto às crianças, tudo deve ser explicado de maneira educativa. “Não basta isolar as tomadas com protetor porque, conforme ela cresce, descobre um jeito de tirá-los. Ela sempre tem que saber o porquê dos cuidados”, diz Ingrid.

Explicar tudo detalhadamente à criança é uma forma de ela saber o que fazer caso vá a algum lugar que não tem as adaptações feitas na casa dos pais. “Os filhos podem passar as férias na casa da avó ou um fim de semana na casa de um amiguinho e não encontrar o ambiente tão seguro. Se ela conhece os perigos, vai se cuidar”, diz Nadia Almeida, médica dermatologista do Hospital Pequeno Príncipe.

Em cada idade

Até os 4 anos, quando as crianças são mais curiosas e querem conhecer tudo que há dentro de casa, a preocupação deve ser passar as informações de maneira lúdica, dentro do seu nível de compreensão. “Ela ainda não tem uma associação clara que o fogo machuca, então explora a casa de maneira ingênua, sem saber muito bem o que está fazendo. Por isso, converse, mostre que frio e quente são diferentes e podem machucar”, orienta Ingrid.

Depois dessa idade, o melhor é investir na conversa e aproveitar situações oportunas. Sempre que surgir um gancho, como a criança contar que um coleguinha de escola se queimou, pergunte o que ela sabe sobre isso, traga outros exemplos e dialogue, mas nada de mostrar imagens fortes ou fazer ameaças, o que pode ter o efeito contrário.

Atendimento
Nada de receitas caseiras

O que não faltam são receitas caseiras para aliviar a dor da queimadura e acelerar a recuperação. De creme dental a pó de café, passando por leite condensado, margarina, clara de ovo, gelo e enxaguante bucal, a variedade de produtos é grande, mas os especialistas são categóricos: esqueça todos eles.

“Ao invés de ajudar, isso atrapalha, porque aumenta as chances de infecção e não interrompe o processo, a ferida continua queimando e o médico perde tempo tendo que limpar totalmente o local. Como esses produtos costumam grudar na queimadura, a limpeza agride a ferida e causa ainda mais dor à pessoa”, explica David de Souza Gomez, cirurgião plástico e médico responsável pelo setor de queimados do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Por isso, a primeira orientação – mesmo em queimaduras com produtos químicos – é lavar a área com água corrente em temperatura ambiente por cerca de 10 minutos, o que interrompe o processo de queimadura, alivia a dor e retira toda a sujeira. Não use soro fisiológico e não abane o local, o que pode agravar o ferimento. Depois, coloque um pano limpo molhado em cima da região afetada e encaminhe a pessoa para atendimento médico.

“Se a roupa estiver grudada, não tente tirá-la, para não lesionar ainda mais a região e, em caso de queimadura elétrica, antes de tocar na criança, corte a energia para evitar que você também se queime”, recomenda Aramis Lopes, médico pediatra e presidente do departamento de segurança da criança e adolescente de Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Em Curitiba, os pacientes devem ser encaminhados para o Hospital Evangélico, referência no atendimento a queimados.

Serviço

Hospital Evangélico – Alameda Augusto Stellfeld, 1.908 – Bigorrilho. Telefone: (41) 3240-5000.

Tipos
As queimaduras são classificadas em três tipos, conforme o nível de agressão à pele:

- Primeiro grau: bastante frequente, ocorre com a destruição da epiderme, a camada mais superficial da pele. Ela fica vermelha e dolorida, mas os sinais somem em uma semana, não há bolhas e, após a cicatrização, não ficam marcas.

- Segundo grau: compromete a epiderme e a derme, uma camada mais profunda da pele. Causa dor intensa e bolhas. As mais superficiais demoram entre 10 e 15 dias para melhorar, enquanto as mais profundas levam pelo menos três semanas. Em ambos os casos, após a cicatrização, o local fica com uma cor diferente da que era antes, destoando do restante. Se a queimadura for profunda, a cicatriz tende a ficar em alto-relevo. No caso de áreas de articulações pequenas, como dedos das mãos ou dos pés, o acidente gera uma limitação funcional e a pessoa perde o movimento dessas partes.

- Terceiro grau: destrói completamente a epiderme e a derme e compromete outros tecidos, como músculos, ossos, nervos e gordura, o que causa sequelas estéticas e funcionais. Não dói, porque a queimadura destrói as terminações nervosas. O paciente deve ser operado para que seja realizada a reconstrução do tecido lesado (enxerto). As partes implantadas ficam mais escurecidas que o restante da pele, enrugadas, com bordas mais altas e com suas funções limitadas. Com isso, a criança perde o movimento da região afetada. O tempo de recuperação varia, mas é de pelo menos um mês e pode chegar a vários anos. Em casos mais graves, o ferimento pode levar a amputação de áreas como dedos, mãos e pés.

Bolhas e “casquinhas”
Geralmente aparecem em queimaduras mais profundas e não devem ser drenadas (furadas) em casa. Este procedimento só pode ser feito em ambiente hospitalar, com autorização do médico responsável pelo atendimento, já que isso facilita a entrada de bactérias na lesão, levando a infecções. Da mesma forma, pomadas, analgésicos e anti-inflamatórios só podem ser usados com indicação médica.

Nenhum comentário:

Postar um comentário