quarta-feira, 3 de julho de 2013

Médicos propõem mudar critérios para transplante de fígado

CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO
Pacientes hepáticos extremamente graves devem continuar na fila do transplante do fígado ou liberar a vaga para aqueles com mais chances de sobrevida?
Um estudo do Hospital das Clínicas de São Paulo, o principal centro transplantador do país, mostrou que estão sendo operados doentes muito graves, com alto risco de morte ou complicações.
Ao mesmo tempo, outros pacientes graves, porém com mais chances de recuperação, estão morrendo na fila. Foram avaliados dados de 543 pessoas operadas entre 2002 e 2011.
Com base nos resultados, publicados na revista científica "Liver Transplantation", médicos propõem alterações nas diretrizes nacionais para transplante de fígado, que limitariam a cirurgia em casos muito graves.
O assunto, polêmico, será debatido hoje em evento médico em São Paulo e entrará na pauta de discussões do sistema nacional de transplante (leia texto ao lado).
Até 2006, prevalecia no país o critério cronológico para a distribuição de órgãos, ou seja, os mais antigos tinham prioridade na fila.
A partir de 2007, o critério passou a ser a gravidade, que é avaliada por um modelo matemático (Meld) que se baseia em resultados de exames laboratoriais e atribui pontos para cada paciente.
Os números vão de 6 a 40. Quanto maior o valor, maior a gravidade, menor o tempo de vida previsto para o doente e maior é a prioridade de receber o órgão. São considerados casos graves aqueles que têm índices acima de 16.
Segundo Luiz Augusto Carneiro D'Albuquerque, diretor da Divisão de Transplantes de Órgãos do Aparelho Digestivo do Hospital das Clínicas e um dos autores do artigo, 70% dos pacientes operados do HC tem Meld acima de 36.
Isso resulta em um índice mais alto de retransplante e de mortalidade. "Perdemos de 20% a 25% dos nossos pacientes até um ano após o transplante."
Na Califórnia, segundo ele, a taxa de sobrevida é de 92%. "Mas os pacientes chegam melhor ao centro transplantador. Aqui nossos pacientes chegam muito debilitados."
Carneiro, que integra a câmara nacional de transplante de fígado, defende que o país limite em 36 o Meld de candidatos a transplante de fígado. "Hoje não há como fazer isso. A família [do paciente] pressiona muito, as equipes têm um envolvimento com o doente. Mas o órgão é um bem público e escasso. Se um recebe, outro fica sem."

Editoria de arte/Folhapress
Para o médico Marcelo Bruno, que coordena a área de transplantes de fígado no hospital Albert Einstein, é importante que haja um estudo multicêntrico no país para avaliar a necessidade de um limite máximo para o Meld.
Segundo ele, no Einstein não há diferença no índice de sobrevida de pacientes com Meld acima de 30 em relação aos que têm números inferiores. "Mas eles ficam mais tempo internados na UTI, precisam de mais transfusão de sangue, de diálise e reinternam mais. É um paciente que gera um custo maior."
Na opinião de Eduardo Antunes da Fonseca, que dirige as áreas de transplantes de fígado nos hospitais A.C. Camargo e Sírio-Libanês, é difícil estabelecer um limite de gravidade para não transplantar um doente grave.
"Esbarra numa questão ética. É uma decisão complicada do ponto de vista médico."
Segundo ele, antes de se pensar em mudança dos critérios do Meld, é preciso avaliar se a alta taxa de mortalidade não está relacionada à falta de estrutura dos hospitais para atender pacientes muito graves.
"Talvez seja o caso de eleger instituições com melhores condições de fazer transplante dos mais graves."

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