terça-feira, 17 de junho de 2014

Com 14 pessoas com 6 dedos, família do DF planeja 'arraiá dos hexas'

Mutação foi herdada de advogado que ajudou a fundar Clube do Choro.
Família se diz orgulhosa e elege Hulk, Oscar e David Luiz seus preferidos.

Raquel Morais Do G1 DF
Mãos com seis dedos; característica é comum em 14 integrantes de uma mesma família no DF (Foto: Vianey Bentes/TV Globo)Mãos com 6 dedos; característica é comum a 14 integrantes de família no DF (Foto: Vianey Bentes/TV Globo)
O início da Copa do Mundo reforçou em uma família de Brasília o orgulho por uma característica que a torna bastante peculiar: dos 24 membros, 14 nasceram com seis dedos nas mãos e nos pés. Apaixonados por futebol, eles decidiram organizar uma festa junina embalada pelo torneio para o mesmo dia em que a seleção brasileira enfrenta Camarões no Estádio Nacional Mané Garrincha. "Nós já somos hexa. O Brasil é que precisa correr atrás de nós", brinca a aposentada Silvia Santos.
Ter dedos a mais não nos afeta
em nada, é uma coisa maravilhosa. Para nós, é uma diferença que
é qualidade. O estranho é quem não tem. Aqui, quando vai nascer bebê e fazem ultrassonografia,
a pergunta não é se é homem
ou mulher. Queremos saber se
tem cinco ou seis dedos"
Silvia Santos,
aposentada que tem 6 dedos em cada mão
A característica, que a família considera “charmosa”, deve inspirar camisetas para comemorar os jogos do Brasil durante a Copa. A festa, que acontece no final da tarde da próxima segunda-feira (23) em um condomínio de Águas Claras, foi batizada de "Arraiá dos Hexas". Brincalhões, os familiares dizem que os "pentas" também serão convidados porque representam o número atual de títulos mundiais da seleção brasileira.
A ideia é que todos usem camisetas com estampas bordadas com a figura de uma mão com seis dedos na tarde da próxima segunda e, de alguma forma, transmitam juntos boas energias para o time de Neymar.

O nome do atacante, no entanto, nem aparece na lista dos jogadores preferidos da família de flamenguistas. As lembranças imediatas e bastante eufóricas são Oscar, Hulk e David Luiz. “E eu também gosto do Fred, viu?”, confessa a dona de casa Silvana, mãe de Maria Morena, de 8 anos.
O primeiro da família a apresentar polidactilia – mutação genética que leva uma pessoa a nascer com dedos a mais – foi o patriarca, Francisco de Assis Carvalho da Silva, pai de Silvana. Advogado e músico, ele ajudou a fundar o Clube do Choro de Brasília e sempre viu na situação um motivo de honra. Por causa disso, ganhou o apelido de "Six". Dos cinco filhos, quatro herdaram a característica.
 
"A gente encara isso com muita naturalidade, acho que até pela forma como meu pai lidava. Aqui em casa, quem tem cinco dedos é que tem complexo. Funciona ao contrário", explica Silvia. "Tenho três filhos, e só o mais velho [Eduardo] é que não tem. Quando levei minha filha para tirar os do pé, porque para colocar sandalinha complicava um pouco, Dudu pediu para guardar para colocar na mãozinha dele. Ele tinha 5 anos e se sentia excluído."

A filha, Ana Carolina, lembra que na infância chegou a se sentir desconfortável com a característica que tanto agradava o irmão depois de ouvir piadinhas de que a mão dela se parecia com a de um extraterrestre. Sem traumas, a técnica em programação hoje se diverte ao ver a cena entre a mãe e o irmão se repetir com o filho do meio, João Pedro, de 5 anos.

"Dos meus três filhos, só o mais velho, Bernardo, nasceu com seis dedos. Então nosso problema é esse, porque o João [Pedro] sempre quer ter seis, como eu e o Bernardo. Ele vê e quer ser igual a nós", ri. “Como ele nos pega como referência, acaba usando o dedo do meio para apontar as coisas, quando na verdade nós usamos o que seria nosso indicador.”

Apesar das “excentricidades”, a família garante que o membro sobressalente não atrapalha nenhuma atividade. A diferença fica mais evidente na hora de posicioná-los para fazer coisas mais precisas, como, por exemplo, escrever - em vez de o lápis e a caneta ficarem entre o polegar o indicador, eles dividem a mão com dois dedos de um lado e quatro do outro.
Integrantes de uma mesma família, que possuem seis dedos em cada mão; característica é comum a 14 membros do grupo (Foto: Vianey Bentes/TV Globo)Família no DF que tem 6 dedos em cada mão; característica é comum a 14 membros do grupo (Foto: Vianey Bentes/TV Globo)
E, para evitar que esses momentos causem constrangimento às crianças como os ocorridos com Ana Carolina na infância, as mães buscam ajuda nas próprias escolas. Caçula de Six, Silvana conta que a filha, Maria Morena, sempre relata que os coleguinhas insistem para ver a mão dela.

"Em todo começo de ano eu aviso a professora que ela tem seis dedos, mas que consegue fazer tudo normalmente. Ela consegue cortar com tesoura sem dificuldade alguma, consegue escrever. Então, peço que a trate sem diferenças, porque isso não é um problema", explica.
A pequena Maria Morena sonha em aprender a tocar piano e acredita que pode levar vantagem por ter dedos a mais. "Eu acho bem mais legal ser assim, consigo pegar mais coisas, tenho mais possibilidades", diz. "Só não gosto quando as pessoas ficam querendo toda hora ver e ficar contando. Eu falo para eles 'vocês têm cinco, e eu seis'. Acho estranho olhar as mãos deles e ver que eles têm menos."
Também mãe de duas crianças com polidactilia e neta do músico, a veterinária Mariana afirma que as conversas com a coordenação renderam até um novo método para ensinar as diferenças entre as pessoas. Na sala de Pedro, de 12 anos, já não é mais consenso que todos têm dez dedos nas mãos e nos pés.

“O legal é que a gente viu uma mudança na escola também. A professora do Pedro parou de falar que, juntas, as mãos formam uma dezena, porque para ele não funcionava. Agora, ela diz que há pessoas diferentes; loiras, morenas, ruivas, de olhos azuis, verdes e castanhos, e que isso é assim mesmo, é normal", comemora a veterinária.

Para ela, as crianças dificilmente se sentirão envergonhadas pela condição, já que é natural dentro da família. Mariana afirma ainda que, fora da escola, é difícil as pessoas notarem que ela ou os filhos têm seis dedos. O mais novo, Arthur, de 1 ano e 5 meses, apresenta a mutação genética apenas nos pés.
Mulher com seis dedos nas mãos, característica de  família no DF (Foto: Vianey Bentes/TV Globo)Mulher com 6 dedos nas mãos, característica de família
no DF (Foto: Vianey Bentes/TV Globo)
Festa e futebol
Brincalhões, os familiares decidiram juntar as comidas típicas de junho à passagem da seleção brasileira pela cidade para realizar o Arraiá dos Hexas e convidar os familiares que são “pentas”.

Vestidos de verde, amarelo e azul, os “hexas” afirmam confiar no desempenho da seleção brasileira ao longo do Mundial e se dizem felizes com a realização do evento no Brasil. Eles não ignoram as outras necessidades do país, que pautaram protestos desde junho do ano passado, mas acreditam que seria pior não levar a taça desta vez. 

“O gasto já foi gigantesco, e agora não consigo nem imaginar a reação das pessoas se a gente ainda não fosse campeão. Tem mesmo coisa a mudar, mas a gente não pode fechar os olhos para como é bonito isso tudo. Não é legal ver a interação entre tanta gente diferente, uma interação bonita? Você ver que, na porta do estádio, as torcidas se cumprimentam, a rivalidade é só em campo. Ou, então, ver os japoneses limpando o estádio [após perder para a Costa do Marfim na Arena Pernambuco por 2 a 1, no primeiro dia da Copa], aprender com os outros. É legal sentir esse clima, ver a cidade colorida”, pondera a aposentada Silvia.
Entre 3% e 5% dos bebês
nascem com algum defeito congênito, e os dedos a mais são
a alteração mais recorrente
O filho mais novo dela, João, de 15 anos, é goleiro e conta que teve essa mesma sensação ao ver suíços e equatorianos se divertirem antes do início da primeira partida do Grupo E e da própria estreia do Mané Garrincha no Mundial, no último domingo. Ele foi o único membro da família a se programar para assistir partidas do torneio no Mané Garrincha e afirma que adorou a experiência.

A irmã Ana Carolina e a prima Mariana escolheram não ir ao estádio por causa dos filhos pequenos. “A Catarina tem só 4 meses, é muito pequena. Fico com medo tanto pela possibilidade de manifestação quanto pelo cansaço dela. E é normal criança ficar inquieta. Eu acabaria não aproveitando. É melhor me privar de ir agora, pelo nosso conforto”, disse ao G1.

Alteração genética
De acordo com a coordenadora de Doenças Raras da Secretaria de Saúde, Maria Terezinha de Oliveira Cardoso, a polidactilia é a mais frequente entre as malformações. "Não temos dados sobre o DF, mas o que é possível dizer é que entre 3% e 5% dos bebês nascem com algum defeito congênito, e que os dedos a mais são os mais recorrentes", disse.
A gente encara isso com muita naturalidade, acho que até pela forma como meu pai lidava. Aqui em casa, quem tem 5 dedos é
que tem complexo. Funciona ao contrário. Tenho três filhos, e só o mais velho [Eduardo] é que não tem. Quando levei minha filha para tirar os do pé, porque para colocar sandalinha complicava um pouco, Dudu pediu para guardar para colocar na mãozinha dele. Ele
tinha 5 anos e se sentia excluído"
Silvia Santos,
integrante da 'família hexa'
A alteração genética está ligada à hereditariedade e, ao contrário do que muitas pessoas acreditam, não há fatores externos que possam desencadeá-la. O mais comum é que a pessoa nasça com apenas um dedo a mais em cada membro, mas há casos em que a mutação vem acompanhada de lábio leporino ou de doenças no coração.

Embora geralmente os dedos a mais funcionem bem, a cirurgia para extraí-los costuma ser recomendada. O tratamento é oferecido pela rede pública do DF, mas a mudança não chega nem a ser cogitada pela família.

Refutando a ideia de “defeito”, a aposentada Silvia afirma que a característica realmente dá muito orgulho aos hexas. Ela diz ainda que recebeu de um médico uma proposta para passar por mapeamento genético, mas que recusou por medo de que os filhos ficassem complexados sem necessidade.

"Ter dedos a mais não nos afeta em nada, é uma coisa maravilhosa. Para nós, é uma diferença que é qualidade. O estranho é quem não tem. Aqui, quando vai nascer bebê e fazem ultrassonografia, a pergunta não é se é homem ou mulher. Queremos saber se tem cinco ou seis dedos", brinca.

Filho mais novo de Silvia, João afirma que os dedos a mais o ajudam bastante como goleiro. O garoto de 15 anos contou com a ajuda da mãe para improvisar as luvas: eles compraram dois pares, um de boa qualidade e outro mais simples. No que era melhor, fizeram furos para poder acomodar o membro sobressalente e depois costuraram um dedo recortado do par de luvas de qualidade inferior.

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