A medicina avança no conhecimento e no tratamento de transtorno psiquiátrico caracterizado por ataques inesperados de raiva e de agressividade
Cilene Pereira (cilene@istoe.com.br)
As crises
acontecem por impulso e são desproporcionais às situações que as
motivaram. Sem conseguir se controlar, o indivíduo grita, xinga, bate,
atira objetos. Às vezes, as agressões podem ser sérias. Por causa disso,
muitas vezes a pessoa acaba tendo problemas de relacionamento na
família, no trabalho e com desconhecidos na rua, principalmente no
trânsito. Fala-se aqui da manifestação de uma doença chamada Transtorno
Explosivo Intermitente (TEI). Ela faz parte dos distúrbios do impulso,
categoria de enfermidades psiquiátricas da qual consta também o impulso
incontrolável de atacar a geladeira à noite. Há estimativas de que nos
Estados Unidos cerca de 20 milhões de adultos sejam portadores. No
Brasil, levantamento da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo mostra que ele é o distúrbio mais prevalente entre os transtornos
caracterizados pela impulsividade.

Justamente por conta de sua incidência
(cerca de 3% dos brasileiros) e dos prejuízos que traz ao paciente e a
quem com ele convive, a medicina trabalha para conhecer melhor suas
particularidades. Um passo nesse sentido foi dado recentemente:
pesquisadores da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, analisaram
200 pacientes e descobriram que eles apresentam concentrações elevadas
de duas substâncias (proteína c-reativa e interleucina-6). Os compostos
estão associados a processos inflamatórios gerados como resposta a
agressões ao organismo. “Esses dois marcadores estão consistentemente
vinculados ao transtorno e não aparecem relacionados a outros problemas
psiquiátricos”, disse à ISTOÉ Emil Coccaro, professor do Departamento de
Psiquiatria e Neurociência Comportamental da instituição americana e
coordenador do trabalho.
O pesquisador acredita que a descoberta
abre algumas possibilidades. “Se a inflamação crônica aumenta a
tendência a comportamentos agressivos, então tratá-la pode diminuir o
problema”, afirmou. Outra questão levantada é a realização de um teste
medindo as taxas das duas substâncias para confirmar o diagnóstico.
“Esses exames já existem. Mas é preciso pesquisar mais para saber como
aplicá-los e usá-los para complementar a avaliação clínica”, ponderou.

EXPERIÊNCIA
A psicóloga Vânia (acima) usa terapia para tratar.
A psiquiatra Liliana coordena único serviço especializado do País

Atualmente, o diagnóstico é feito
exclusivamente pelo médico e pelo psicólogo especializado, a partir de
análise clínica. Há critérios bem estabelecidos para caracterizar o
transtorno, como o registro de ataques de agressividade em média duas
vezes por semana por um período de três meses ou a ocorrência de três
explosões comportamentais envolvendo dano ou destruição de propriedades
e/ou agressão física resultando em lesão corporal contra animais ou
pessoas em um período de um ano. “Se as crises são esporádicas, podem
ser reflexo de outros distúrbios ou mesmo de um estresse crônico”,
explica a psiquiatra Liliana Seger, coordenadora do Grupo de TEI do
Ambulatório dos Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
O grupo é o único do País especializado no
tratamento da doença. Lá, ele consiste na combinação do trabalho da
psiquiatria com a psicologia. Em geral, o paciente toma antidepressivos.
E participa de sessões em grupo de um tipo de terapia chamada
cognitivo-comportamental (que objetiva identificar e mudar padrões de
pensamento associados a comportamentos indesejados). São 15 sessões de
terapia e, depois de um mês, mais três sessões quinzenais para a
prevenção de recaídas. “Temos um alto índice de sucesso”, afirma
Liliana.

Em seu consultório em São Paulo, a
psicóloga Vânia Calazans também usa a terapia cognitivo-comportamental.
“O paciente aprende a identificar a razão de determinados
comportamentos, de suas reações explosivas, de sua dificuldade em lidar
com as emoções e com o gerenciamento do sentimento de raiva”, explica a
psicóloga. Vânia também utiliza a hipnoterapia cognitiva como uma
ferramenta da terapia cognitivo-comportamental. “Com o método, a pessoa
consegue relaxar profundamente e dar novos significados a pensamentos”,
diz.
Não se fala em cura do transtorno. O que se
consegue é ajudar o paciente a se controlar. “Ensinamos os portadores a
lidar de forma assertiva com a raiva, a expressar seus sentimentos de
outra forma”, afirma a psiquiatra Liliana. “Quando eles começam a ter
experiências positivas, sentem-se orgulhosos de si mesmos. Isso os leva a
ter mais vontade de se comportar de forma adequada”, assegura Vânia.
Fotos: Kelsen Fermandes, Gabriel Chiarastelli - Ag. Istoé
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