sexta-feira, 30 de julho de 2010

Ações concentram remédios caros nas mãos de poucos

Estudo publicado na Revista de Saúde Pública mostra que a maior parte das ações movidas contra o governo estadual paulista para obtenção de medicamentos não cobertos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) está concentrada nas mãos de poucos médicos e poucos advogados. Os resultados, segundo os pesquisadores, são mais um indício de que a indústria farmacêutica está por trás desses processos.
A pesquisa analisou 2.927 ações cadastradas no Sistema de Controle Jurídico da Secretaria de Estado da Saúde, movidas em 2006, em benefício de pacientes residentes na cidade de São Paulo. Dos 565 advogados responsáveis pelas ações, 19 ajuizaram 63% dos processos. No caso de alguns medicamentos específicos, um único advogado foi responsável por 70% das ações.
O estudo revela também uma concentração de médicos citados nas ações: nos processos para aquisição de quatro remédios, mais de 20% das justificativas foram assinadas pelo mesmo médico. Os nomes dos profissionais envolvidos não foram divulgados. O título do artigo não deixa dúvidas sobre a conclusão: “Ações judiciais: estratégia da indústria farmacêutica para introdução de novos medicamentos”.
Segundo o artigo 198 da Constituição, todos devem ter acesso universal e integral à saúde. O estudo sugere que laboratórios manipulam esse princípio para, com a ajuda de médicos e advogados, aumentar os lucros. Remédios comprados com liminares não passam por licitação e, por isso, o Estado é obrigado a pagar o preço estipulado pelos fabricantes, sem negociação.
Argumentos
O trabalho é resultado do levantamento realizado por Ana Luiza Chieffi, funcionária da Secretaria de Estado da Saúde, para um curso de mestrado profissional em 2008 na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Ela oferece argumentos estatísticos para frequentes críticas de secretários de saúde a essas ações.
Em setembro de 2008, quando a polícia paulista desmontou um esquema que obrigava o estado a adquirir drogas de alto custo para psoríase, a Secretaria Estadual da Saúde estimou que cerca de 50% dos R$ 400 milhões gastos com remédios via Justiça seriam decorrentes de fraudes.
Na ocasião, o então governador José Serra (PSDB) disse que “há uma indústria de ações judiciais” e chamou a operação de “ponta de um barbante de um nó que precisa agora ser desatado”. Em 2009, a secretaria afirma ter investido R$ 1,3 bilhão em remédios, R$ 400 milhões para cumprir medidas judiciais– 30% do total. No ano estudado (2006), o gasto com ações foi de R$ 65 milhões (5,4% do total).

Vitórias
Processos atualizam lista do SUS
A maior parte das ações judiciais não são fruto de esquemas para aumentar o lucro de indústrias farmacêuticas, mas de necessidades reais dos pacientes. A análise é de Mário Scheffer, presidente do Grupo Pela Vidda/SP de apoio a pessoas com o HIV e pesquisador do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde.
Scheffer sublinha que é perigoso estigmatizar as demandas judiciais de medicamentos. “Obviamente não são a forma ideal para garantir acesso às terapias, pois supõem um atraso para o paciente e um gasto maior para o Estado. Mas, muitas vezes, apressam a inclusão de uma droga importante no rol dos remédios cobertos pelo SUS”, justifica.
Ele cita o programa de acesso universal aos antirretrovirais da aids. “As ações judiciais tiveram um papel importantíssimo. Graças a elas, criou-se um modelo nacional e estadual de atualização periódica da lista”.

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