Nutricosméticos. Já ouviu falar disso? Não adianta buscar no dicionário.
A rigor, a palavra não existe em português, mas tem sido empregada
rotineiramente no balcão da farmácia, nos consultórios e em encontros
internacionais de dermatologia para descrever o mais recente fenômeno
mundial no campo da beleza. São pílulas multicoloridas que contêm uma
associação de vitaminas, minerais, carotenoides e flavonoides, entre
outras substâncias, com a missão de combater as carências nutricionais, a
oxidação dos tecidos e estimular as funções da pele para restaurar a
beleza do corpo e do rosto. “Esse conceito surgiu da necessidade de
nutrir internamente a pele, o que nem sempre pode ser feito pelos cremes
de forma tópica”, disse à ISTOÉ a dermatologista americana Zoe Draelos,
professora de dermatologia da Universidade Duke, nos Estados Unidos.
Ela é considerada uma referência mundial nesse tema. Por isso, sua
palestra no último encontro da Academia Americana de Dermatologia,
realizado no mês passado em San Diego, na Califórnia, estava com lotação
esgotada semanas antes do evento. “Só agora estamos entendendo melhor a
importância da dieta para uma pele saudável e bonita”, complementou.
O sinal mais claro da força de atração exercida pelos nutricosméticos é
sua crescente expansão no mercado mundial. Em 2010, esses artigos
movimentaram US$ 2,4 bilhões, segundo o IMS Health, instituto que
registra números e índices do mercado da saúde. E a previsão é de que
dentro de cinco anos esse montante duplique, atingindo a marca dos US$
4,24 bilhões em 2017, de acordo com a Global Industry Analysts, outra
empresa de dados de mercado. No Brasil, os produtos pertencem à
categoria dos suplementos alimentares, um setor estimado em US$ 400
milhões, segundo a Euromonitor International, empresa que acompanha a
evolução do segmento. Por enquanto, os chamados cosméticos orais
representam US$ 13 milhões desse volume total de vendas. “Mas há um
longo caminho a ser conquistado pelos nutricosméticos no Brasil”,
observa a analista Carrie Leonard, do Euromonitor International. A líder
do mercado no País foi a L’Oréal, com sua marca Innéov. Neste ano, ela
terá que concorrer com a Sanofi-Aventis, que adquiriu as cápsulas
Oenobiol, e a Pfizer, que comprou o laboratório Ferrosan e a sua pílula
Imedeen. Dados divulgados pelo IMS Health dão uma ideia de como será
essa multiplicação de mercado. Segundo a agência, a estimativa de
crescimento do setor por aqui é de 220% até 2015. “O Brasil é um
excelente mercado”, diz Délio de Oliveira, diretor-geral da Divisão
Cosmética Ativa da L’Oréal, empresa que tem centros de pesquisa voltados
para a criação dessas pílulas.
Os números são expressivos, mas a questão central é o que realmente se
pode esperar desses comprimidos. Boa parte dos especialistas considera
os nutricosméticos um recurso interessante. “Trata-se de um conceito de
beleza de dentro para fora, que associa a boa condição da pele com a
saúde”, afirma a dermatologista Mônica Aribi, de São Paulo. “É um
avanço”, diz. Ela indica os produtos a uma clientela mais predisposta a
aceitar novas soluções para melhorar a aparência.
CAUTELA
A dermatologista Mônica Aribi indica os produtos se houver carência de nutrientes
Mas os nutricosméticos seriam, de fato, diferentes dos já bem
conhecidos suplementos vitamínicos ou representam apenas uma roupinha
nova para uma ideia antiga? “Em geral, eles oferecem minerais e
vitaminas em uma forma química que permite a melhor absorção pelo
organismo”, diz a nutricionista, farmacêutica e bioquímica Lucyanna
Kalluf, do Instituto de Prevenção Personalizada, em São Paulo. “Muitas
vezes, os suplementos contêm vitaminas e minerais em um formato de
metabolização mais difícil, e por isso muito se perde”, complementa a
especialista. Ela costuma indicar também outros minerais e fitoterápicos
para complementar o tratamento. “Prefiro selecionar os nutrientes de
forma mais personalizada”, explica.
A maioria dos nutricosméticos possui em sua composição as chamadas
substâncias antioxidantes. São compostos como as vitaminas A, C e E, o
licopeno (presente no tomate em maior quantidade), os bioflavonoides
(encontrados nas frutas cítricas e uvas escuras), as catequinas
(presentes no chá-verde, e em frutas como uvas e morango, entre outras),
o ácido fenólico (está no brócolis, na cenoura e nos grãos integrais) e
a quercetina (nas cascas das uvas e nos vinhos). Na literatura
científica, eles aparecem como recursos capazes de prevenir o
envelhecimento precoce das células por meio de um mecanismo
razoavelmente complexo. “Eles combatem a oxidação dos tecidos, o que
leva ao envelhecimento”, resume a dermatologista Mônica Aribi.
A oxidação é atribuída aos radicais livres, moléculas que se formam por
uma reação natural do organismo ao processo de queima do oxigênio pelas
células. Como são instáveis, rapidamente se associam às moléculas
próximas, o que pode levar a danos em células sadias. Em 99% dos casos, o
corpo repara esses estragos. Mas, se a produção de radicais livres
aumentar muito, incentivada por doenças, alimentação ruim, radiação
ultravioleta do sol ou fumo, entre outros agressores, fica difícil
neutralizar as consequências de seu acúmulo – manchas na pele, rugas,
falta de hidratação, entre outras. Aí é que entram em cena as doses
adicionais de substâncias antioxidantes: “As vitaminas, minerais como o
selênio e compostos como o licopeno, entre outros com funções
antioxidantes, se ligam aos radicais livres, anulando sua ação”, explica
Lucyanna.

Até agora, no entanto, ainda não são definitivos os trabalhos
científicos para comprovar a ação dos produtos que contêm substâncias do
gênero. “Existem estudos em ciência básica de excelente qualidade
metodológica, mas há pouquíssimos trabalhos em seres humanos feitos com
grupos para comparação. Isso é necessário para demonstrar a real
eficácia”, diz Ediléia Bagatin, pesquisadora e especialista em
cosmiatria, da Universidade Federal de São Paulo. “E é fundamental que
sejam realizadas pesquisas independentes, que não sejam financiadas
pelos fabricantes, evitando-se o conflito de interesses, para se chegar a
alguma conclusão”, afirma.
Além disso, os cientistas estão se deparando com desafios científicos
para apurar a intensidade do desempenho desses produtos. “Ainda não
temos bons métodos para avaliar a presença e a redução dos radicais
livres na pele humana”, afirma a especialista Zoe Draelos.
Para embasar suas indicações, os dermatologistas que recomendam esses
produtos associam as evidências oferecidas pelos estudos disponíveis às
suas observações feitas em consultório. “Há cápsulas que ajudam, por
exemplo, a estabilizar a flora da pele, o que auxilia o combate à
dermatite. Os efeitos são maravilhosos”, diz a dermatologista Mônica
Aribi, que também aposta nos protetores solares. “São muito bons para
pessoas com manchas na pele resistentes aos tratamentos, como os
melasmas.” Ela adverte que tomar essas substâncias por via oral para
atenuar o fotoenvelhecimento não dispensa a aplicação do filtro sobre a
pele. “O filtro bloqueia a ação dos raios, o nutricosmético reduz o
ataque dos radicais livres”, diz.
Com a expansão dos nutricosméticos, cresce também entre os médicos a
preocupação em alertar para aspectos que não podem ser ignorados. “Os
efeitos só começam a aparecer depois de pelo menos três meses de uso
regular”, esclarece a dermatologista Carolina Marçon, de São Paulo. Além
disso, é sabido entre os especialistas que esses produtos só agem se a
pessoa apresentar uma deficiência nutricional. Num padrão ideal, os
antioxidantes que o organismo requer para a batalha contra os radicais
livres seriam fornecidos por uma dieta equilibrada. “Mas é muito difícil
obter tudo o que precisamos da alimentação”, afirma a nutricionista
funcional Patrícia Davidson, do Rio de Janeiro.

Um erro comum no consumo desses produtos é ignorar as
contra-indicações. “É essencial averiguar se o paciente é alérgico a
algum alimento”, orienta a dermatologista Juliana Neiva, do Rio de
Janeiro. “Há cápsulas que contêm ômega 3 e componentes tirados de frutos
do mar aos quais algumas pessoas são alérgicas”, diz. Os produtos da
linha Imedeen, por exemplo, trazem um composto de proteínas de origem
marinha. A dermatologista Adriana Vilarinho, de São Paulo, diz que
também é indispensável conhecer o perfil da saúde do paciente e saber se
é diabético, por exemplo. “Há açúcares contidos no material de algumas
cápsulas que podem causar alterações nas taxas de glicemia no sangue.
Isso precisa ser considerado.”
É verdade. Tomar os cosméticos orais por conta própria é uma conduta
criticada por médicos e nutricionistas. “Há muitos casos de pessoas que
recorrem a mais de um suplemento ao mesmo tempo porque querem tratar a
celulite e o cabelo. Isso pode ter efeitos indesejados”, alerta a
dermatologista Adriana Vilarinho.
É por essa razão que nos consultórios mais estrelados de São Paulo e do
Rio de Janeiro, por exemplo, a indicação de um nutricosmético passa por
várias etapas. “É preciso descartar causas de queda de cabelo como
doenças e carências de minerais como o ferro, que não estão presentes
nessas fórmulas”, diz a dermatologista Carolina Marçon, de São Paulo. A
nutricionista Lucyanna Kalluf também não dispensa exames para avaliar
quais são realmente os minerais em carência. “Não se pode indicar
cápsulas de nutricosméticos sem solicitar um teste de sangue para saber
do que e de quanto o paciente precisa”, diz ela.
Esses cuidados são importantes também para evitar a ingestão
excessiva de vitaminas e minerais. “Quem ingere vitamina A demais, por
exemplo, por alimentação ou suplementação, pode ter sintomas como pele
seca, áspera e descamativa, dores de cabeça e náuseas”, diz a
especialista Lucyanna.
Também é preciso ter em mente, quando se recorre aos nutricosméticos,
que eles são parte de um tratamento mais amplo. Não realizam milagres
sozinhos. Por isso, não se pode esperar que apenas uma pílula acabe com
as rugas do rosto ou faça desaparecer os furinhos da celulite. “A
celulite, por exemplo, é causada por diversos fatores. Quem se decide a
enfrentá-la precisa também modificar diversos padrões. O nutricosmético
será mais um item. Senão, não vai adiantar nada”, explica a
dermatologista Carolina. No tratamento de linhas de expressão, é o mesmo
processo. Os produtos não substituem o creme anti-idade. “Mas
potencializam seu efeito”, afirma a farmacêutica carioca Talita Pizza,
que defendeu tese de mestrado sobre os nutricosméticos na Universidade
de São Paulo.
Atentos ao interesse manifestado por esses produtos, pesquisadores da
Universidade de Saint Andrews, no Reino Unido, estão aproveitando a onda
para incentivar o consumo de nutrientes in natura. Recentemente, eles
publicaram um estudo na revista “American Journal of Public Health”
comprovando que comer mais frutas e vegetais pode mudar o tom da pele,
dando-lhe mais brilho. “Nossa mais recente pesquisa constata que as
melhorias na dieta produzem benefícios visíveis para a pele”, disse Ross
Whitehead, autor do estudo que envolveu 35 estudantes, acompanhados por
seis semanas. “As pessoas que comem mais frutas e verduras têm um tom
dourado na pele que dá uma aparência mais saudável e atraente”,
complementou. A grande sacada desses pesquisadores, porém, é que a
vaidade pode ser um excelente motivador para melhorar a nutrição. O
estudo acabou estimulando o grupo a seguir uma alimentação mais
saudável.
PESQUISA
Na L’Oréal, há centros de estudo para criar nutricosméticos