segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Envelhecer faz bem ao Brasil

Cada vez mais numerosos, os brasileiros acima de 60 anos conquistam espaço no mercado de trabalho, impulsionam a economia e se transformam na nova força geradora da riqueza

por Amauri Segalla e Fabíola Perez
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Em 2010, o empresário paulista José Pilli Filho, 64 anos, foi à Europa em busca de um sócio para trazer ao Brasil uma nova tecnologia de construção de estruturas metálicas. O negócio prosperou e, hoje, ele tem clientes em diversas cidades do País. Aos 91 anos, Benjamim Sodré Júnior dá consultoria na área petrolífera e veleja todas as semanas. Há alguns dias, ficou em segundo lugar em uma regata disputada até por jovens. O esporte também está no sangue do carioca Marco Sá, 64 anos, que gosta de pedalar pelas alamedas largas e planas de Miami, a maior cidade da Flórida, nos Estados Unidos.
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Sá trabalha 12 horas por dia para implantar, para uma multinacional americana, um projeto de aplicativos desenvolvidos para o mercado financeiro. O mesmo ritmo intenso de trabalho preenche a rotina do professor Julio Katinsky, 80 anos, que divide seu tempo entre as aulas de pós-graduação que ministra na Universidade de São Paulo e pesquisas acadêmicas. Desacelerar está igualmente fora dos planos do engenheiro civil Jorge Venáglia, 62 anos, dono de uma empresa de restauração arquitetônica, investidor em imóveis e que gosta de viajar três vezes por ano para a Europa. Participar de excursões no exterior é o que move a vida da aposentada Maria Francisca Magalhães, 73 anos, que recentemente passou por lugares como Laos, Camboja e Alasca, de onde voltou há um mês. Os seis idosos apresentados acima são o retrato acabado de uma profunda transformação em curso no País. Nunca os brasileiros envelheceram tão bem – e esse fenômeno é, sob diversos aspectos, positivo também para o Brasil.
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Segundo um estudo realizado pelo Banco Mundial, a população acima dos 60 anos é a nova força econômica do País. Os idosos brasileiros estão mais ricos, mais saudáveis e mais poderosos. De acordo com o relatório, o Brasil vive o que os especialistas chamam de “bônus demográfico”, período em que a força de trabalho (pessoas na ativa) será muito maior do que o número de brasileiros que não produzem. Isso se dará como resultado principalmente do envelhecimento da população. Os números do Banco Mundial são impressionantes. Até 2050, as pessoas com mais de 60 anos vão responder por 49% da população economicamente ativa do País. Atualmente, esse percentual é de 11%. Outra estatística revela que, até 2020, os mais velhos serão responsáveis pelo aumento anual de 2,4 pontos percentuais do PIB per capita do País. Mais do que um número qualquer, significa que os idosos serão uma das mais importantes forças geradoras da riqueza nacional – sem eles, não resta dúvida, o País não terá como se igualar aos patamares de renda das nações desenvolvidas.
O avanço do poder econômico dos mais velhos é comprovado por inúmeras estatísticas. Atualmente, eles respondem por quase 20% do poder de compra do País. Há duas décadas, esse percentual era de 5%. Estima-se que 70% dos idosos brasileiros tenham independência financeira, o que representa o dobro de 20 anos atrás. “O Brasil tem que aproveitar o momento favorável de sua estrutura etária”, diz Michele Gragnolati, administrador da Escola de Altos Estudos Comerciais de Paris e autor do estudo do Banco Mundial.
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A força produtiva dos idosos está ligada diretamente à velocidade irrefreável do envelhecimento da população brasileira. O crescimento anual do número de idosos do País é de 3,4%, ante 2,2% da média nacional. Nesse ritmo, em 2050 os idosos brasileiros vão significar 30% da população total. Na Europa, o “Velho Continente”, a proporção de idosos é de 24%, índice que sofrerá pequenas variações nos próximos anos. É surpreendente imaginar que, em um futuro nem tão distante assim, o Brasil pode se tornar um país mais velho do que, digamos, a França. “São mudanças muito rápidas, que precisam ser acompanhadas por reformas e investimentos em políticas públicas”, diz Gragnolati. O envelhecimento, sugere o estudo do Banco Mundial, deve representar uma oportunidade para o governo destinar mais dinheiro para setores como a educação. Com a redução das taxas de fecundidade e o consequente aumento da média de idade da população, menos vagas terão que ser abertas nas escolas. “Ou seja, os investimentos por aluno poderiam aumentar sem acarretar despesas extras para o Estado, gerando assim um impacto positivo na educação”, afirma Magnus Lindelow, da área de desenvolvimento humano do Banco Mundial para o Brasil. O ciclo é positivo para o País: ao longo dos anos, maior investimento para cada aluno resultará inevitavelmente em uma geração de idosos mais preparada para impulsionar o desenvolvimento econômico no futuro.
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A geração de riqueza por parte dos idosos é também resultado da melhoria da qualidade de vida dos brasileiros. Velhice, hoje em dia, não precisa mais estar associada a doenças e à inatividade. Quando tinha 62 anos, idade em que até pouco tempo atrás a maioria das pessoas estava disposta a passar o resto da vida sem grandes ambições, o engenheiro e empresário José Pilli Filho cismou de investir em um novo negócio. Ele diz que poderia parar de trabalhar sem abrir mão do conforto em que vivia, mas a inquietação o levou para a frente. Pilli trouxe da Europa uma nova tecnologia para a construção de estruturas metálicas e, com a motivação de um iniciante, fez o negócio vingar. “Quem tem tesão pela vida não para nunca”, diz o empresário. “Não pretendo parar de trabalhar jamais.” A disposição, diz ele, é resultado também de sua paixão por atividades esportivas. Pilli está em excelente forma e tem fôlego de garoto. Já disputou 12 maratonas, faz ciclismo e rema. Seu maior orgulho é ter escalado montanhas como o Kilimanjaro, na Tanzânia, o Aconcágua, entre o Chile e a Argentina, e o monte Elbrus, na Rússia. Tudo isso do alto de seus 64 anos. “Não abro mão do esporte por nada.”
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Não parar de trabalhar parece mesmo ser o segredo da longevidade do carioca Benjamim Sodré Júnior, 91 anos, que tem no currículo mais de 70 anos de labuta diária. Ele iniciou a vida profissional como químico, mas interessou-se pelo ramo do petróleo nos anos 1960. “Fiz um curso na Califórnia, nos Estados Unidos, e me especializei na área de logística”, diz. “Acho que sou o petroleiro mais antigo do Brasil.” Desde então, passou por várias empresas e chegou a ter assento no conselho da Petrobras. Há dez anos, trabalha em uma empresa de fornecimento de equipamentos de apoio às plataformas de petróleo. “Chego às nove da manhã e saio às três da tarde”, afirma. “Minha função é consultor. Fico orientando o pessoal mais jovem.” Enquanto caminha com passos firmes pelo exclusivo Iate Clube do Rio de Janeiro, na Urca, é saudado por quem se depara com ele. “Salve, comandante” é o cumprimento mais comum. Seu Benjamim sempre retribui com um aceno. “Não conheço todo mundo, mas todo mundo me conhece aqui no Iate”, afirma. Não é para menos. Ele garante ser o mais antigo velejador de regatas em atividade do Estado do Rio – “talvez do Brasil” – e é bom no que faz. Há duas semanas, terminou uma regata realizada na Baía de Guanabara em segundo lugar, da qual participaram competidores com idade para ser netos ou bisnetos dele. “Não tomo remédios, não uso óculos, dirijo meu carro e não dependo de ninguém para fazer o que mais gosto, que é velejar.”
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Se até pouco tempo atrás os mais velhos eram desprezados pelo mercado de trabalho, hoje essa realidade está mudando. Casos de idosos que continuam na ativa, como o de Benjamim, deixaram de ser exceção. Com uma capacidade de trabalho comparável à dos jovens – mas com a vantagem adicional da experiência –, os idosos passaram a ser mais requisitados pelo mercado de trabalho. Pesquisas mostram que o fantasma da falta de emprego para pessoas que ultrapassaram uma determinada idade (40 anos em meados do século passado, 50 anos no final do século) é coisa do passado. Em 2011, o número de empregos formais para brasileiros acima de 60 anos cresceu 14% – foi a faixa etária que apresentou melhor desempenho. Pesquisas de consultorias como a Michael Page apontam que os idosos ocupam cada vez mais cargos de direção e a participação deles no mercado de trabalho, demonstra outro estudo recente, vai crescer cinco vezes nos próximos anos. Profissionais como o economista carioca Marco Sá, 64 anos, passaram a ser disputados por grandes empresas. Com passagens por bancos como J.P. Morgan Chase, Safra e Itaú, Sá perdeu a conta do número de convites que recebeu de corporações brasileiras e estrangeiras. Pouco tempo atrás, aceitou uma oferta feita em conjunto pelas gigantes MasterCard e Telefônica, que o contrataram para desenvolver um aplicativo para o pagamento de contas via telefone celular, que deverá ser acessado por 87 milhões de pessoas em 12 países da América Latina. “Tive de mudar para Miami”, afirma. A cidade, convidativa para praticantes de esporte, o seduziu por completo. Quando amanhece em Miami Beach, Sá pega sua bicicleta speed, modelo usado para cobrir grandes distâncias, e sai para dar umas voltas. “Costumo percorrer todo o calçadão do balneário”, diz o executivo. Depois de pedalar, vai ao escritório, onde dá expediente durante pelo menos 12 horas.
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Como é significativo o número de idosos que ocupam cargos de direção, eles constituem um dos grupos econômicos mais poderosos do Brasil. Os mais velhos não só ganham bem como costumam gastar mais do que os outros. Uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas comprovou que a inflação dos produtos destinados a pessoas com mais de 60 anos é maior do que para a média da população. Ou seja: como a demanda é alta, os preços subiram mais nessa faixa etária. Com dinheiro no bolso, os idosos acabam por estimular diversos setores. O mais sensível à força financeira dessa turma é o turismo. De acordo com Ana Amélia Camarano, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o envelhecimento dos brasileiros é o principal responsável pela expansão desse ramo de negócios. “O mercado de turismo é abastecido, sobretudo, por idosos”, diz. “Mais de 60% de passageiros de cruzeiros têm acima de 60 anos.” Só no Estado de São Paulo, 63% dos idosos viajam, no mínimo, uma vez por ano – é quase o dobro do percentual da população como um todo. Uma dessas viajantes inveteradas é a professora aposentada e viúva Maria Francisca Magalhães, a Kika. Pelas suas contas, ela passa, por ano, pelo menos três meses fora do Brasil. E nada de destinos convencionais. “Conheço mais de 40 países em cinco continentes e pretendo visitar muitos outros ainda”, diz. Kika conhece lugares como Laos, Camboja e Mianmar e há alguns dias voltou de uma temporada de quase um mês pelo frio Alasca. “Tenho recursos, não preciso de ninguém e possuo sede de conhecimento. Por isso, viajo mesmo. Quer vida melhor que essa?”
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É inegável que o envelhecimento da população tem um papel importante no crescimento econômico do Brasil, mas não se pode desprezar os desafios que esse fenômemo impõe ao País. Conter o aumento explosivo do custo previdenciário é um peso que o governo terá que administrar. “O modelo de aposentadoria brasileiro funcionava enquanto havia mais jovens do que aposentados”, diz Osvaldo Nascimento, vice-presidente da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi). “A partir do momento que o grupo de pessoas com mais de 60 anos se equipara com a parcela de jovens e adultos, haverá menos contribuintes e mais pessoas para receber os benefícios vindos do Estado. Isso, claro, gera mais despesas para o governo.” Uma hora, portanto, essa conta vai chegar. O perigo é atingir níveis insolúveis. Segundo especialistas, as reformas dos últimos anos não foram suficientes para conter o problema. A única saída é aumentar o período de contribuição, o que significa fazer com que os brasileiros se aposentem mais tarde. Os governantes terão coragem para tomar medidas que, obviamente, serão impopulares? Do lado deles, há o argumento de que os idosos brasileiros nunca viveram tão bem – e que são saudáveis e ativos o suficiente para trabalhar e continuar gerando riqueza. Ter mais de 60 anos hoje, como revelam as histórias fantásticas dos idosos desta reportagem, não é sinônimo de decadência. É sinônimo de vida produtiva.

Com reportagem de João Loes, Mônica Tarantino, Monique Oliveira e Wilson Aquino
Fotos: Kelsen Fernandes/ag. istoé; Roberto Duarte
Foto: Masao Goto filho/ag. istoé
Fotos: Rafael Hupsel/Ag. Istoé
Fontes: Michael Page, IBGE e Relatório GEM
Fontes: Banco Mundial, OMS e Pnad
Foto: João Castellano/ag. istoé
Fontes: IBGE e Banco Mundial

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