Cada vez mais numerosos, os brasileiros acima
de 60 anos conquistam espaço no mercado de trabalho, impulsionam a
economia e se transformam na nova força geradora da riqueza
por Amauri Segalla e Fabíola Perez
Em 2010, o empresário paulista José Pilli Filho, 64 anos, foi à
Europa em busca de um sócio para trazer ao Brasil uma nova tecnologia de
construção de estruturas metálicas. O negócio prosperou e, hoje, ele
tem clientes em diversas cidades do País. Aos 91 anos, Benjamim Sodré
Júnior dá consultoria na área petrolífera e veleja todas as semanas. Há
alguns dias, ficou em segundo lugar em uma regata disputada até por
jovens. O esporte também está no sangue do carioca Marco Sá, 64 anos,
que gosta de pedalar pelas alamedas largas e planas de Miami, a maior
cidade da Flórida, nos Estados Unidos.

Sá trabalha 12 horas por dia para implantar, para uma multinacional
americana, um projeto de aplicativos desenvolvidos para o mercado
financeiro. O mesmo ritmo intenso de trabalho preenche a rotina do
professor Julio Katinsky, 80 anos, que divide seu tempo entre as aulas
de pós-graduação que ministra na Universidade de São Paulo e pesquisas
acadêmicas. Desacelerar está igualmente fora dos planos do engenheiro
civil Jorge Venáglia, 62 anos, dono de uma empresa de restauração
arquitetônica, investidor em imóveis e que gosta de viajar três vezes
por ano para a Europa. Participar de excursões no exterior é o que move a
vida da aposentada Maria Francisca Magalhães, 73 anos, que recentemente
passou por lugares como Laos, Camboja e Alasca, de onde voltou há um
mês. Os seis idosos apresentados acima são o retrato acabado de uma
profunda transformação em curso no País. Nunca os brasileiros
envelheceram tão bem – e esse fenômeno é, sob diversos aspectos,
positivo também para o Brasil.

Segundo um estudo realizado pelo Banco Mundial, a população acima dos
60 anos é a nova força econômica do País. Os idosos brasileiros estão
mais ricos, mais saudáveis e mais poderosos. De acordo com o relatório, o
Brasil vive o que os especialistas chamam de “bônus demográfico”,
período em que a força de trabalho (pessoas na ativa) será muito maior
do que o número de brasileiros que não produzem. Isso se dará como
resultado principalmente do envelhecimento da população. Os números do
Banco Mundial são impressionantes. Até 2050, as pessoas com mais de 60
anos vão responder por 49% da população economicamente ativa do País.
Atualmente, esse percentual é de 11%. Outra estatística revela que, até
2020, os mais velhos serão responsáveis pelo aumento anual de 2,4 pontos
percentuais do PIB per capita do País. Mais do que um número qualquer,
significa que os idosos serão uma das mais importantes forças geradoras
da riqueza nacional – sem eles, não resta dúvida, o País não terá como
se igualar aos patamares de renda das nações desenvolvidas.
O avanço do poder econômico dos mais velhos é comprovado por inúmeras
estatísticas. Atualmente, eles respondem por quase 20% do poder de
compra do País. Há duas décadas, esse percentual era de 5%. Estima-se
que 70% dos idosos brasileiros tenham independência financeira, o que
representa o dobro de 20 anos atrás. “O Brasil tem que aproveitar o
momento favorável de sua estrutura etária”, diz Michele Gragnolati,
administrador da Escola de Altos Estudos Comerciais de Paris e autor do
estudo do Banco Mundial.

A força produtiva dos idosos está ligada diretamente à velocidade
irrefreável do envelhecimento da população brasileira. O crescimento
anual do número de idosos do País é de 3,4%, ante 2,2% da média
nacional. Nesse ritmo, em 2050 os idosos brasileiros vão significar 30%
da população total. Na Europa, o “Velho Continente”, a proporção de
idosos é de 24%, índice que sofrerá pequenas variações nos próximos
anos. É surpreendente imaginar que, em um futuro nem tão distante assim,
o Brasil pode se tornar um país mais velho do que, digamos, a França.
“São mudanças muito rápidas, que precisam ser acompanhadas por reformas
e investimentos em políticas públicas”, diz Gragnolati. O
envelhecimento, sugere o estudo do Banco Mundial, deve representar uma
oportunidade para o governo destinar mais dinheiro para setores como a
educação. Com a redução das taxas de fecundidade e o consequente aumento
da média de idade da população, menos vagas terão que ser abertas nas
escolas. “Ou seja, os investimentos por aluno poderiam aumentar sem
acarretar despesas extras para o Estado, gerando assim um impacto
positivo na educação”, afirma Magnus Lindelow, da área de
desenvolvimento humano do Banco Mundial para o Brasil. O ciclo é
positivo para o País: ao longo dos anos, maior investimento para cada
aluno resultará inevitavelmente em uma geração de idosos mais preparada
para impulsionar o desenvolvimento econômico no futuro.

A geração de riqueza por parte dos idosos é também resultado da
melhoria da qualidade de vida dos brasileiros. Velhice, hoje em dia, não
precisa mais estar associada a doenças e à inatividade. Quando tinha 62
anos, idade em que até pouco tempo atrás a maioria das pessoas estava
disposta a passar o resto da vida sem grandes ambições, o engenheiro e
empresário José Pilli Filho cismou de investir em um novo negócio. Ele
diz que poderia parar de trabalhar sem abrir mão do conforto em que
vivia, mas a inquietação o levou para a frente. Pilli trouxe da Europa
uma nova tecnologia para a construção de estruturas metálicas e, com a
motivação de um iniciante, fez o negócio vingar. “Quem tem tesão pela
vida não para nunca”, diz o empresário. “Não pretendo parar de trabalhar
jamais.” A disposição, diz ele, é resultado também de sua paixão por
atividades esportivas. Pilli está em excelente forma e tem fôlego de
garoto. Já disputou 12 maratonas, faz ciclismo e rema. Seu maior orgulho
é ter escalado montanhas como o Kilimanjaro, na Tanzânia, o Aconcágua,
entre o Chile e a Argentina, e o monte Elbrus, na Rússia. Tudo isso do
alto de seus 64 anos. “Não abro mão do esporte por nada.”

Não parar de trabalhar parece mesmo ser o segredo da longevidade do
carioca Benjamim Sodré Júnior, 91 anos, que tem no currículo mais de 70
anos de labuta diária. Ele iniciou a vida profissional como químico, mas
interessou-se pelo ramo do petróleo nos anos 1960. “Fiz um curso na
Califórnia, nos Estados Unidos, e me especializei na área de logística”,
diz. “Acho que sou o petroleiro mais antigo do Brasil.” Desde então,
passou por várias empresas e chegou a ter assento no conselho da
Petrobras. Há dez anos, trabalha em uma empresa de fornecimento de
equipamentos de apoio às plataformas de petróleo. “Chego às nove da
manhã e saio às três da tarde”, afirma. “Minha função é consultor. Fico
orientando o pessoal mais jovem.” Enquanto caminha com passos firmes
pelo exclusivo Iate Clube do Rio de Janeiro, na Urca, é saudado por quem
se depara com ele. “Salve, comandante” é o cumprimento mais comum. Seu
Benjamim sempre retribui com um aceno. “Não conheço todo mundo, mas
todo mundo me conhece aqui no Iate”, afirma. Não é para menos. Ele
garante ser o mais antigo velejador de regatas em atividade do Estado do
Rio – “talvez do Brasil” – e é bom no que faz. Há duas semanas,
terminou uma regata realizada na Baía de Guanabara em segundo lugar, da
qual participaram competidores com idade para ser netos ou bisnetos
dele. “Não tomo remédios, não uso óculos, dirijo meu carro e não dependo
de ninguém para fazer o que mais gosto, que é velejar.”

Se até pouco tempo atrás os mais velhos eram desprezados pelo mercado
de trabalho, hoje essa realidade está mudando. Casos de idosos que
continuam na ativa, como o de Benjamim, deixaram de ser exceção. Com uma
capacidade de trabalho comparável à dos jovens – mas com a vantagem
adicional da experiência –, os idosos passaram a ser mais requisitados
pelo mercado de trabalho. Pesquisas mostram que o fantasma da falta de
emprego para pessoas que ultrapassaram uma determinada idade (40 anos em
meados do século passado, 50 anos no final do século) é coisa do
passado. Em 2011, o número de empregos formais para brasileiros acima de
60 anos cresceu 14% – foi a faixa etária que apresentou melhor
desempenho. Pesquisas de consultorias como a Michael Page apontam que os
idosos ocupam cada vez mais cargos de direção e a participação deles no
mercado de trabalho, demonstra outro estudo recente, vai crescer cinco
vezes nos próximos anos. Profissionais como o economista carioca Marco
Sá, 64 anos, passaram a ser disputados por grandes empresas. Com
passagens por bancos como J.P. Morgan Chase, Safra e Itaú, Sá perdeu a
conta do número de convites que recebeu de corporações brasileiras e
estrangeiras. Pouco tempo atrás, aceitou uma oferta feita em conjunto
pelas gigantes MasterCard e Telefônica, que o contrataram para
desenvolver um aplicativo para o pagamento de contas via telefone
celular, que deverá ser acessado por 87 milhões de pessoas em 12 países
da América Latina. “Tive de mudar para Miami”, afirma. A cidade,
convidativa para praticantes de esporte, o seduziu por completo. Quando
amanhece em Miami Beach, Sá pega sua bicicleta speed, modelo usado para
cobrir grandes distâncias, e sai para dar umas voltas. “Costumo
percorrer todo o calçadão do balneário”, diz o executivo. Depois de
pedalar, vai ao escritório, onde dá expediente durante pelo menos 12
horas.

Como é significativo o número de idosos que ocupam cargos de direção,
eles constituem um dos grupos econômicos mais poderosos do Brasil. Os
mais velhos não só ganham bem como costumam gastar mais do que os
outros. Uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas comprovou que a inflação
dos produtos destinados a pessoas com mais de 60 anos é maior do que
para a média da população. Ou seja: como a demanda é alta, os preços
subiram mais nessa faixa etária. Com dinheiro no bolso, os idosos acabam
por estimular diversos setores. O mais sensível à força financeira
dessa turma é o turismo. De acordo com Ana Amélia Camarano, do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o envelhecimento dos brasileiros
é o principal responsável pela expansão desse ramo de negócios. “O
mercado de turismo é abastecido, sobretudo, por idosos”, diz. “Mais de
60% de passageiros de cruzeiros têm acima de 60 anos.” Só no Estado de
São Paulo, 63% dos idosos viajam, no mínimo, uma vez por ano – é quase o
dobro do percentual da população como um todo. Uma dessas viajantes
inveteradas é a professora aposentada e viúva Maria Francisca Magalhães,
a Kika. Pelas suas contas, ela passa, por ano, pelo menos três meses
fora do Brasil. E nada de destinos convencionais. “Conheço mais de 40
países em cinco continentes e pretendo visitar muitos outros ainda”,
diz. Kika conhece lugares como Laos, Camboja e Mianmar e há alguns dias
voltou de uma temporada de quase um mês pelo frio Alasca. “Tenho
recursos, não preciso de ninguém e possuo sede de conhecimento. Por
isso, viajo mesmo. Quer vida melhor que essa?”

É inegável que o envelhecimento da população tem um papel importante
no crescimento econômico do Brasil, mas não se pode desprezar os
desafios que esse fenômemo impõe ao País. Conter o aumento explosivo do
custo previdenciário é um peso que o governo terá que administrar. “O
modelo de aposentadoria brasileiro funcionava enquanto havia mais jovens
do que aposentados”, diz Osvaldo Nascimento, vice-presidente da
Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi). “A partir
do momento que o grupo de pessoas com mais de 60 anos se equipara com a
parcela de jovens e adultos, haverá menos contribuintes e mais pessoas
para receber os benefícios vindos do Estado. Isso, claro, gera mais
despesas para o governo.” Uma hora, portanto, essa conta vai chegar. O
perigo é atingir níveis insolúveis. Segundo especialistas, as reformas
dos últimos anos não foram suficientes para conter o problema. A única
saída é aumentar o período de contribuição, o que significa fazer com
que os brasileiros se aposentem mais tarde. Os governantes terão coragem
para tomar medidas que, obviamente, serão impopulares? Do lado deles,
há o argumento de que os idosos brasileiros nunca viveram tão bem – e
que são saudáveis e ativos o suficiente para trabalhar e continuar
gerando riqueza. Ter mais de 60 anos hoje, como revelam as histórias
fantásticas dos idosos desta reportagem, não é sinônimo de decadência. É
sinônimo de vida produtiva.
Com reportagem de João Loes, Mônica Tarantino, Monique Oliveira e Wilson Aquino
Fotos: Kelsen Fernandes/ag. istoé; Roberto Duarte
Foto: Masao Goto filho/ag. istoé
Fotos: Rafael Hupsel/Ag. Istoé
Fontes: Michael Page, IBGE e Relatório GEM
Fontes: Banco Mundial, OMS e Pnad
Foto: João Castellano/ag. istoé
Fontes: IBGE e Banco Mundial
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