sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Vacina brasileira anti-HIV começa a ser testada em macacos

Quatro animais do Instituto Butantan receberam a primeira dose da vacina na última terça-feira. Próxima etapa pode ser a de testes com humanos

Juliana Santos
Vírus HIV infectam glóbulos vermelhos: mesmo indetectável no sangue, vírus pode ser transmitido pelo sêmen
HIV: ao utilizar fragmentos de DNA, a vacina estimula o organismo a produzir defesas contra o vírus (Thinkstock)
Uma vacina brasileira para o HIV, denominada HIVBr18, começou a ser testada nesta terça-feira em quatro macacos resos do Instituto Butantan, em São Paulo. Se apresentar resultados positivos, a vacina, desenvolvida por pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), poderá ser testada em humanos.
Na primeira fase do estudo, os animais vão receber quatro doses da vacina. As três primeiras, com intervalos de 15 dias entre as aplicações, serão idênticas, contendo DNA capaz de codificar fragmentos do vírus HIV. Na quarta dose, que os animais vão receber 2 meses depois da terceira, os fragmentos do HIV serão inseridos dentro do vírus do resfriado, o adenovírus 5. Essa etapa tem a função de potencializar a resposta imunológica. "O organismo já aprendeu que, quando um vírus aparece, ele deve gerar uma resposta forte, então aproveitamos para incluir nisso a resposta para os fragmentos do HIV", disse, ao site de VEJA, Edecio Cunha Neto, professor da FMUSP e coordenador da pesquisa.
Estudo com 28 macacos – Um segundo estudo com 28 macacos está previsto para o primeiro semestre de 2014. Nessa etapa, a vacina será testada com outros três vetores virais, ou seja, o vírus utilizado para transportar o DNA que vai gerar os fragmentos de HIV. O adenovírus 5, do resfriado comum, será substituído pelo adenovírus 68, que causa resfriado nos macacos. A mudança será necessária porque o resfriado humano é uma doença muito comum, com o qual a qual a maior parte das pessoas já entrou em contato e, assim, desenvolveu imunidade. Se utilizado na vacina, ele correria o risco de ser eliminado pelo organismo rapidamente, antes de cumprir a função desejada. "Vamos testar diferentes combinações dos três tipos de vacina, para descobrir a melhor", explica Cunha Neto.
Depois de vacinados, os animais não vão receber diretamente o vírus do HIV, já que ele não é capaz de infectar macacos. Para descobrir se eles foram imunizados contra o vírus, os pesquisadores vão estudar amostras de sangue dos animais e expor essas amostras a fragmentos do vírus.
Seria preciso usar o SIV, vírus que causa uma doença semelhante à aids nos macacos, para realizar os testes com o vírus diretamente nos animais. Não é possível, porém, conduzir esse tipo de pesquisa no biotério (local onde são criados animais para utilização em pesquisas) do Instituto Butantan, por medidas de segurança.
Longo caminho – A pesquisa que levou ao desenvolvimento da vacina teve início em 2001. Como todas as vacinas, o objetivo da HIVBr18 é fazer com que o organismo entre em contato com o HIV de uma forma segura, para que as células aprendam a reconhecê-lo e produzir defesas contra ele. Dessa forma, se no futuro a pessoa realmente for exposta ao vírus, seu corpo vai conseguir se defender e evitar que a infecção se instale.
Para isso, os pesquisadores selecionaram trechos do HIV que se mantinham iguais entre a maioria das cepas do vírus e tinham mais chances de ser reconhecidos pelo sistema imunológico. Em um estudo publicado em 2006 na revista Aids, os pesquisadores testaram as moléculas, ou seja, os pedaços, em amostras de sangue de 32 portadores de HIV com condições genéticas variadas. Como resultado, descobriram que, em mais de 90% dos casos, pelo menos um destes pedaços foi reconhecido pelas células de defesa. Em 40%, mais de cinco foram identificados.
A vacina passou por alguns testes com camundongos. Em 2009, os pesquisadores planejaram partir para os testes com macacos, o que ocorreu em 2011, quando foi consolidada a parceria com o Butantan. Se os resultados continuarem positivos, a previsão dos pesquisadores é que os primeiros experimentos com humanos sejam iniciados em 2016.
Reforço na segurança – Em virtude da recente discussão sobre uso de animais em pesquisas científicas, desencadeada pela invasão do Instituto Royal, em São Roque, o Butantan fortaleceu as medidas de segurança do biotério dos macacos antes do início das pesquisas, com a instalação de novas câmeras de vigilância e a contratação de mais seguranças.
"Não há como testar vacinas sem experimentação animal. O desenvolvimento dessa vacina começou com o uso de programas de computador, seguida de testes em laboratório em células de pacientes, só depois indo para experimentação animal, primeiro em camundongos e agora em macacos resos", explica Edecio. Como a vacina afeta todo o organismo, e o sistema imunológico não está restrito a um órgão específico, esse tipo de medicamento não pode fugir aos testes com animais.
O pesquisador ressalta que os macacos do Instituto Butantan são bem tratados e anestesiados antes da vacinação ou coleta de sangue. "Se eu pudesse escolher em que reencarnar, eu escolheria uma das duas coisas: o gato que eu tenho em casa ou um macaco do Butantan. Eles têm comida, brinquedos e são extremamente bem tratados. Qualquer um pode ir lá e conferir", diz Edecio.

Planta curativa

Patenteada em 2005, a HIVBr18 é considerada por seus criadores a primeira e única vacina para o HIV totalmente desenvolvida no Brasil. Recentemente, o país também fez sua contribuição na busca por um medicamento para os pacientes que já foram infectados pelo vírus. Trata-se de uma droga feita a partir da planta africana avelós (Euphorbia tirucalli), comum no nordeste do Brasil. Enquanto o coquetel retroviral usado atualmente no tratamento da doença consegue eliminar apenas o HIV presente na corrente sanguínea, o remédio feito com o ingenol, substância extraída da planta, "expulsa" o vírus que está no interior das células, para que ele possa ser atacado pelo coquetel. O medicamento está sendo estudado em laboratórios no Brasil, na Alemanha e nos Estados Unidos, e pode começar a ser testado em humanos nos próximos anos.

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