A tragédia com o voo da Chapecoense sugere uma ideia: e se usássemos recursos da aviação para controlar o desempenho de médicos em nome da transparência?

(AlphaDog/VEJA)
A dor de Medellín alimentou uma reflexão que faço já há algum tempo como profissional da saúde: e se a medicina usasse recursos da aviação para controlar o desempenho de seus pares? Uma ideia seria a implantação de caixas-pretas nos centros cirúrgicos, o instrumento ideal para uma avaliação mais frequente da atividade médica e que poderia inclusive influenciar, com base nos resultados clínicos obtidos, a remuneração daquele médico ou equipe. Gosto de lembrar uma máxima cínica da medicina que propõe a seguinte combinação: se o paciente morrer, fica acertado que o cirurgião também deve morrer. Não é assim, claro. Mas, sabidamente, a relação entre médico e paciente se baseia em confiança, característica fundamental dessa relação, mas longe de ser a única arma disponível para determinar todas as decisões. O segredo é a transparência, algo muito rarefeito em minha profissão.
Estamos na era do big data, da inteligência artificial, e ainda não temos acesso a informações detalhadas sobre os hospitais e os médicos que cuidarão de nossa vida e aos resultados de suas intervenções clínicas ou cirúrgicas, embora várias instituições indiquem profissionais de boa reputação. Convém conhecer um exemplo internacional: no Reino Unido, desde 2005, os resultados das cirurgias cardíacas são divulgados pelos hospitais. E mais: pelo cirurgião cardíaco responsável. Essa postura, que permite cuidadosa organização e precisão nos tratamentos, reduziu a mortalidade hospitalar. Não há dúvida: na trilha da metáfora da aviação, apenas com o conhecimento dos dados poderíamos agir de forma eficiente para corrigir possíveis erros de navegação e acertar nosso plano de voo. Sem dados concretos, o pouso é forçado e as consequências, irreversíveis.
A desinformação abre espaço para duas formas de conduta médica, ambas errôneas. A primeira, destinada aos que possuem mais recursos, leva à adoção de procedimentos desnecessários. A segunda, atrelada aos menos favorecidos financeiramente, é a de sonegação dos cuidados disponíveis. Lutemos pelo fim dos “comandantes Quirogas da medicina”, abrindo portas para a transparência e punindo os que brincam com a vida alheia, como fez o piloto e sócio da desgraçada empresa aérea que economizava combustível.
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