
Só há uma emergência psiquiátrica no Ceará, e os 14 Caps da Capital funcionam de forma deficiente
A
saúde mental de Fortaleza pede socorro. Com os 14 Centros de Atenção
Psicossocial (Caps) funcionando de forma precária - faltam medicamentos,
médicos, psicólogos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e
farmacêuticos - a opção que resta aos pacientes é recorrer ao Hospital
de Saúde Mental de Messejana (HSMM), a única emergência psiquiátrica do
Estado.
Pacientes peregrinam nos Caps em busca de atendimento
Fotos: Fabiane de PaulaDesde
2011, o Ceará vem perdendo leitos de internação psiquiátrica. Foram ao
todo 403, sendo 80 do Instituto de Psiquiatria do Ceará (IPC), 103 do
Clínica de Saúde Mental Doutor Suliano, 160 do Hospital Mira Y López e
60 do Hospital São Gerardo, sem que tenha sido oferecido pelo poder
público leitos de retaguarda em hospitais gerais.
Em Fortaleza,
por exemplo, o presidente da Associação Cearense de Psiquiatria, Eugênio
de Moura Campos, denuncia que só existem quatro leitos de internação
psiquiátrica em hospital geral, todos no Hospital Universitário Walter
Cantídio. Existem vagas também na Santa Casa de Misericórdia, mas
específicas para dependência química.
A falta desses leitos que
foram fechados repercute em uma quantidade maior de pessoas que se
dirigem para o Hospital Mental de Messejana, que opera com a sua
capacidade máxima, com as 180 vagas ocupadas. Para minimizar a situação,
o especialista destaca que, a curto prazo, os Caps têm que voltar a
funcionar e os ambulatórios especializados têm de ser reabertos para
que, em seguida, a rede de saúde mental possa ser ampliada. "É
necessário celeridade na solução desse problema. A administração
municipal precisa, urgentemente, tomar providências para resolver essa
questão", salienta Campos.
MorosidadeEnquanto
a nova gestão municipal, que assumiu há 117 dias, ainda organiza a
"casa", pacientes têm de peregrinar em busca de atendimento. A dona de
casa Benedita Alves da Silva, 50 anos, toma remédio controlado e estava,
na última quarta-feira (24), no Caps do bairro Bom Jardim para pegar
uma receita.
Há três dias sem dormir, ela disse que já perdeu as
contas de quantas vezes foi ao Caps do Bom Jardim em busca de
atendimento e de remédios, mas não consegue, porque maior parte dos
médicos saíram e muitos medicamentos estão em falta.
Logo na
recepção, uma lista indica os remédios que não possuem. E o único médico
que restou não realiza atendimentos, só renova receitas, sem sequer
analisar os pacientes. Sem conseguir atendimento e nem a receita médica,
crises podem ser desencadeadas nesses pacientes. Até nos três Caps do
bairro Rodolfo Teófilo, que contam com convênio com a Universidade
Federal do Ceará (UFC), a situação está precária. O Caps AD, que há dois
meses começou uma reforma, não está funcionando.
Situação dos Caps
EsvaziadoEm
toda a Capital, o cenário é o mesmo, Caps esvaziados, funcionando de
forma precária. Há ausência de médicos, psicólogos, enfermeiros,
auxiliares de enfermagem e farmacêuticos. A falta de medicamentos é
outro problema que atinge pacientes com problemas mentais, que sofrem
sem ter a quem recorrer. Muitos, em crise, peregrinam em busca de
atendimento FOTO: Fabiane de PaulaDrogadição tem se agravado nos últimos anosAliado
à rede de atenção à saúde mental, que já era deficiente, outra questão
que tem se agravado nos últimos anos é a drogadição. No Hospital de
Saúde Mental de Messejana, por exemplo, 60% dos pacientes são
psicóticos, sendo a esquizofrenia um dos transtornos mais recorrentes, e
40% são usuários de álcool e outras drogas.
Marcelo Theophilo,
diretor da unidade, explica que a dependência química está entre os
demais transtornos mentais e, por ser uma doença mental, é tratada no
segmento da psiquiatria. E, apesar do Hospital Mental não ter nenhum dos
180 leitos destinados para internação compulsória, a unidade sempre
está com pelo menos dez pacientes deste perfil. "Já chegamos a ter 18, o
que representa 10% dos nossos leitos", frisa.
O diretor explica
que, quando o juiz determina a internação compulsória, o hospital não
tem outra opção a não ser cumprir. O problema é que, na maioria das
vezes, aquela pessoa não tem necessidade de estar internada. "Nós temos
pouquíssimos leitos, então, eu não posso me dar ao luxo de ocupá-los com
pessoas que não estão precisando. Esse é o tipo de situação que não
cabe na cabeça de ninguém", ressalta. Em abril deste ano, o tempo médio
de espera por um leito de internação no Hospital Mental de Messejana era
de 19 horas.
Lei Mário MamedeMário
Mamede, médico e autor da Lei Estadual 12.151, de 1993, comenta que a
norma prevê a não expansão de leitos psiquiátricos no modelo manicomial,
de hospício, que tem uma porta de entrada e, dificilmente, uma de
saída. Dessa forma, é possível evitar que o paciente de distancie da
família e perda o convívio social. Em vez disso, sugere alternativas
como hospitais dia, hospitais noite, lares assistidos e Caps, que
tornaram possível a abordagem terapêutica do paciente em sua própria
cidade.
Nesse contexto, surge a questão da droga, que ganhou
grande dimensão sobretudo com o crack. A partir de então, esse público
passou a disputar leitos com pacientes de doença mental. No caso da
drogadição, Mamede diz que o caminho não deve ser o hospital
psiquiátrico.
"Prioridade é qualificar a rede"A
coordenadora executiva da Célula de Atenção à Saúde Mental da
Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Natália Rios, afirma que a
preocupação da Prefeitura hoje é qualificar a rede, para só depois
ampliar. "A perspectiva é muito boa, pegamos o serviço de saúde mental
muito desorganizado. Estamos preocupados com a qualificação desses
profissionais que estão entrando através da seleção pública, muitos não
têm experiência", esclarece.
Apesar de não saber estimar a média
anual de atendimento nos Caps e nem o déficit de profissionais, Natália
afirma que a rede conta com 20 médicos para atender a demanda dos 14
Caps da Capital. Novos médicos estão sendo selecionados através da
Cooperativa dos Psiquiatras do Ceará. Em relação aos medicamentos,
assegura que a Secretaria já negocia com os fornecedores para que o
abastecimento seja normalizado. Não existe, no entanto, prazo de quando a
situação da saúde mental em Fortaleza deverá se normalizar.
No
último dia 23, o Ministério da Saúde anunciou a liberação de R$ 50
milhões para a construção de Caps em todo o País. O intuito é expandir a
Rede de Atenção Psicossocial (Raps) no Brasil. Para isso, os gestores
interessados em construir Caps ou unidades de acolhimento deverão dar
entrada no processo.
Caps 24 horasConforme
Natália, a proposta da Prefeitura é ampliar os Caps para que todos
passem a atender 24 horas. Atualmente, existem três neste perfil. E,
apesar de somente três dos 14 Caps possuírem sede própria, a
coordenadora disse que ainda não ficou definido se o município irá
solicitar verba para a construção de novas unidades. "Isso ainda está
sendo discutido", salienta.
Em todo o Ceará, existem 109 Caps. De
acordo com a Secretaria da Saúde do Estado (Sesa), são oferecidos um
total de 99 leitos psiquiátricos no Ceará. O destaque é para Sobral, que
possui 17 leitos e Fortaleza, com 44.
LUANA LIMAREPÓRTER