sexta-feira, 12 de abril de 2013

Lei deve agilizar reconstrução da mama pela rede pública

No SUS, apenas 10% das pacientes com câncer que passam por mastectomia conseguem fazer a cirurgia para a reconstrução imediata do seio
  Fernanda Trisotto
Grupo ajuda na superação da doença
Há mais de uma década, mulheres que tiveram ou estão em tratamento de câncer de mama em Curitiba se uniram para compartilhar experiências. A Associação Amigas da Mama (AAMA) contabiliza mais de 5 mil cadastros de mulheres que foram até o local para conseguir apoio emocional, jurídico e mesmo próteses externas ou perucas.
A associação oferece um kit para as mulheres que passaram por cirurgia: almofada, para colocar debaixo do braço, porta-dreno e prótese externa. O material é arrecadado com doações ou feito por voluntárias como Lurdinha Girotto, 61 anos, que teve um câncer há 12 anos. “Quando encontrei o grupo, foi muito importante porque não conhecia ninguém que tivesse sobrevivido ao câncer”, conta. Atualmente, ela faz os porta-drenos, que facilitam o transporte do equipamento que é usado por muitas pacientes.
A advogada Valéria Lopes (foto), de 45 anos, é uma das que está na AAMA desde a sua fundação. Ela descobriu um câncer de mama aos 28 anos. Superou a doença e hoje é voluntária na associação. Valéria aproveita seu conhecimento jurídico para auxiliar mulheres que buscam orientação e se engajar em outras causas, como a isenção do ICMS para a compra de carros por mulheres mastectomizadas – já que muitas necessitam de veículos adaptados em função da retirada de músculos e nervos juntamente com o tecido cancerígeno.
Limitação
Custo da cirurgia é superior à remuneração paga ao hospital
A cirurgia de reconstrução de mama não é uma simples colocação de prótese de silicone: existem técnicas diferentes que se adaptam à necessidade de cada paciente. Há cirurgias em que os médicos usam até mesmo retalhos de tecido muscular e gorduroso.
Em alguns casos, as pacientes devem ser operadas mais de uma vez, porque a reconstrução da auréola e do mamilo não é imediata – geralmente é feita três meses depois, até na rede privada. Além disso, é preciso garantir a simetria do colo.
A prótese de silicone, por sua vez, deve ser comprada pelo gestor municipal. Em alguns casos, médicos usam uma prótese expansora, que prepara o tecido do colo para receber a definitiva posteriormente. “O procedimento não é estético, é uma questão de identidade da mulher. Mesmo quem faz a reconstrução tem dificuldade de aceitar e a cirurgia também tem seu limite”, alerta o mastologista Cícero Urban.
O problema é que o custo dos procedimentos normalmente é superior à remuneração paga ao hospital. Atualmente, um hospital de alta complexidade como o Erasto Gaertner recebe cerca de R$ 3,5 mil para um tratamento completo, que inclui mastectomia e reparação com prótese expansora. O valor dá uma folga de pouco menos de R$ 300 em relação aos custos, mas, como não inclui a prótese definitiva, gera um déficit para o hospital.
No ano passado, o centro médico realizou cerca de 280 cirurgias de câncer de mama e 40% delas foram mastectomias, o que representa pouco mais de 110 casos. Quase metade das pacientes fez a reparação imediata ou em até oito meses. O restante precisa esperar mais tempo. (FT)
Procedimento radical
Existem pacientes que recebem indicação para fazer a mastectomia bilateral. A retirada das duas mamas tem por objetivo reduzir os riscos de um novo tumor. Quem passa por esse tipo de cirurgia recebe avaliação psicológica e faz análise genética, já que há um grande número de mulheres na faixa dos 30 anos com mutação de genes que facilita o desenvolvimento da doença. “O médico coloca como uma das opções, mas não a única. O próprio tratamento reduz de 30% a 50% o risco de câncer na outra mama”, explica o mastologista Cícero Urban.
Nesta ano, 52.680 casos de câncer de mama, principalmente entre mulheres, devem ser diagnosticados, de acordo com estimativa do Ministério da Saúde. Para muitas dessas pacientes, o tratamento da doen­­ça implicará a retirada da mama. Enquanto na rede privada a cirurgia única de retirada e reparação da mama é quase regra, no Sistema Único de Saúde (SUS) o procedimento ainda é pouco abrangente. A expectativa, porém, é que a aprovação de uma lei que determine a obrigatoriedade da cirurgia plástica imediata impulsione a prática.
Segundo o Ministério da Saúde, atualmente a orientação é que, se houver indicação médica, a paciente seja submetida à cirurgia única. Na prática, não é bem isso que acontece: no ano passado, em todo Brasil, foram realizadas 12.563 mastectomias e apenas 1.394 cirurgias reparadoras na rede pública. No Paraná, foram 782 procedimentos de retirada e 78 reconstruções.
O Projeto de Lei 3/2012, aprovado pelo Senado em março, ainda aguarda a san­­ção da presidente Dilma Rousseff (PT) para entrar em vigor. A cirurgia única, embora seja um avanço, ainda não será indicada para todas as pacientes: o procedimento só poderá ser adotado com aval médico, pois a reconstrução não é recomendada a todas as mulheres.
Mesmo assim, médicos e gestores de hospitais veem a medida de forma positiva. “A lei é importante porque vai permitir um procedimento que não era rotina, porque não era beneficiado com um código para pagamento pelo SUS”, avalia o oncologista Sérgio Hatschbach, do Hospital Erasto Gaertner e do Instituto Paranaense de Oncologia.
Recomendação médica
A reparação da mama não é indicada para todas as pacientes: há casos que permitem a cirurgia única, outros que vão exigir a recuperação tardia e ainda mulheres que não poderão colocar próteses de maneira alguma. Independentemente da situação, a premissa básica do médico é ouvir o desejo da paciente.
Em muitos casos, a reconstrução é feita tardiamente para não atrasar o tratamento do câncer, já que a colocação de próteses pode causar infecções ou rejeição. O adiamento é indicado para mulheres que tiveram tumores agressivos e precisarão passar por sessões de radioterapia. O tempo de espera para a reconstrução é de no mínimo seis meses. Para pacientes muito graves, que tiveram os piores prognósticos, a reconstrução só será indicada de dois a dois anos e meio após a retirada da mama.
O mastologista do Hospital Nossa Senhora das Graças e professor da Universidade Positivo Cícero Urban ressalta que há dificuldades em fazer a reconstrução mamária imediata no mundo todo. No Brasil, os principais problemas são o pagamento na rede pública e a carência de profissionais especializados. “O câncer já é um drama, ele não precisa ser uma mutilação”, defende.
“É um luto que você guarda”, diz paciente
Foi durante a recuperação de uma cirurgia para correção de um problema de coluna que a dona de casa Ireide Maria de Carvalho Ribeiro, de 51 anos, sentiu um caroço no seio. Inicialmente, ela pensou que a bolinha pudesse ser reflexo de uma cirurgia de redução de mama, feita para tentar aliviar as fortes dores nas costas. Por outro lado, havia a desconfiança de que pudesse ser um nódulo, já que a mãe teve câncer de mama.
Em agosto, o diagnóstico foi um baque: era um tumor e, por causa do tipo, era preciso retirar toda a mama. “Foi um choque. Eu nem tinha me recuperado da coluna quando tive a notícia do tumor”, conta. Sem plano de saúde, o tratamento está sendo feito na rede pública, mas não integralmente. Para agilizar o processo, Ireide pagou do próprio bolso as biópsias, mamografias e ecografias que precisou fazer. Gastou mais de R$ 1.000, mas pode começar o tratamento mais rapidamente.
Foram seis meses de quimioterapia e no final de fevereiro deste ano, Ireide fez a cirurgia que retirou seu seio. Para a reconstrução, ainda não há previsão, mas o médico aconselhou que ela esperasse pelo menos seis meses.
Embora esteja se recuperando bem da cirurgia – foi preciso drenar o líquido que ficou retido, mas já houve a liberação para a continuação do tratamento com radioterapia – as mudanças no corpo abalam o lado emocional. “É um luto que você guarda, um pedaço seu que saiu de você”, desabafa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário