domingo, 28 de abril de 2013

Saúde mental em situação precária-Ce


Só há uma emergência psiquiátrica no Ceará, e os 14 Caps da Capital funcionam de forma deficiente

A saúde mental de Fortaleza pede socorro. Com os 14 Centros de Atenção Psicossocial (Caps) funcionando de forma precária - faltam medicamentos, médicos, psicólogos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e farmacêuticos - a opção que resta aos pacientes é recorrer ao Hospital de Saúde Mental de Messejana (HSMM), a única emergência psiquiátrica do Estado.

Pacientes peregrinam nos Caps em busca de atendimento
Fotos: Fabiane de Paula

Desde 2011, o Ceará vem perdendo leitos de internação psiquiátrica. Foram ao todo 403, sendo 80 do Instituto de Psiquiatria do Ceará (IPC), 103 do Clínica de Saúde Mental Doutor Suliano, 160 do Hospital Mira Y López e 60 do Hospital São Gerardo, sem que tenha sido oferecido pelo poder público leitos de retaguarda em hospitais gerais.

Em Fortaleza, por exemplo, o presidente da Associação Cearense de Psiquiatria, Eugênio de Moura Campos, denuncia que só existem quatro leitos de internação psiquiátrica em hospital geral, todos no Hospital Universitário Walter Cantídio. Existem vagas também na Santa Casa de Misericórdia, mas específicas para dependência química.

A falta desses leitos que foram fechados repercute em uma quantidade maior de pessoas que se dirigem para o Hospital Mental de Messejana, que opera com a sua capacidade máxima, com as 180 vagas ocupadas. Para minimizar a situação, o especialista destaca que, a curto prazo, os Caps têm que voltar a funcionar e os ambulatórios especializados têm de ser reabertos para que, em seguida, a rede de saúde mental possa ser ampliada. "É necessário celeridade na solução desse problema. A administração municipal precisa, urgentemente, tomar providências para resolver essa questão", salienta Campos.

Morosidade
Enquanto a nova gestão municipal, que assumiu há 117 dias, ainda organiza a "casa", pacientes têm de peregrinar em busca de atendimento. A dona de casa Benedita Alves da Silva, 50 anos, toma remédio controlado e estava, na última quarta-feira (24), no Caps do bairro Bom Jardim para pegar uma receita.

Há três dias sem dormir, ela disse que já perdeu as contas de quantas vezes foi ao Caps do Bom Jardim em busca de atendimento e de remédios, mas não consegue, porque maior parte dos médicos saíram e muitos medicamentos estão em falta.

Logo na recepção, uma lista indica os remédios que não possuem. E o único médico que restou não realiza atendimentos, só renova receitas, sem sequer analisar os pacientes. Sem conseguir atendimento e nem a receita médica, crises podem ser desencadeadas nesses pacientes. Até nos três Caps do bairro Rodolfo Teófilo, que contam com convênio com a Universidade Federal do Ceará (UFC), a situação está precária. O Caps AD, que há dois meses começou uma reforma, não está funcionando.

Situação dos Caps
Esvaziado
Em toda a Capital, o cenário é o mesmo, Caps esvaziados, funcionando de forma precária. Há ausência de médicos, psicólogos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e farmacêuticos. A falta de medicamentos é outro problema que atinge pacientes com problemas mentais, que sofrem sem ter a quem recorrer. Muitos, em crise, peregrinam em busca de atendimento FOTO: Fabiane de Paula

Drogadição tem se agravado nos últimos anos

Aliado à rede de atenção à saúde mental, que já era deficiente, outra questão que tem se agravado nos últimos anos é a drogadição. No Hospital de Saúde Mental de Messejana, por exemplo, 60% dos pacientes são psicóticos, sendo a esquizofrenia um dos transtornos mais recorrentes, e 40% são usuários de álcool e outras drogas.

Marcelo Theophilo, diretor da unidade, explica que a dependência química está entre os demais transtornos mentais e, por ser uma doença mental, é tratada no segmento da psiquiatria. E, apesar do Hospital Mental não ter nenhum dos 180 leitos destinados para internação compulsória, a unidade sempre está com pelo menos dez pacientes deste perfil. "Já chegamos a ter 18, o que representa 10% dos nossos leitos", frisa.

O diretor explica que, quando o juiz determina a internação compulsória, o hospital não tem outra opção a não ser cumprir. O problema é que, na maioria das vezes, aquela pessoa não tem necessidade de estar internada. "Nós temos pouquíssimos leitos, então, eu não posso me dar ao luxo de ocupá-los com pessoas que não estão precisando. Esse é o tipo de situação que não cabe na cabeça de ninguém", ressalta. Em abril deste ano, o tempo médio de espera por um leito de internação no Hospital Mental de Messejana era de 19 horas.

Lei Mário Mamede

Mário Mamede, médico e autor da Lei Estadual 12.151, de 1993, comenta que a norma prevê a não expansão de leitos psiquiátricos no modelo manicomial, de hospício, que tem uma porta de entrada e, dificilmente, uma de saída. Dessa forma, é possível evitar que o paciente de distancie da família e perda o convívio social. Em vez disso, sugere alternativas como hospitais dia, hospitais noite, lares assistidos e Caps, que tornaram possível a abordagem terapêutica do paciente em sua própria cidade.

Nesse contexto, surge a questão da droga, que ganhou grande dimensão sobretudo com o crack. A partir de então, esse público passou a disputar leitos com pacientes de doença mental. No caso da drogadição, Mamede diz que o caminho não deve ser o hospital psiquiátrico.

"Prioridade é qualificar a rede"
A coordenadora executiva da Célula de Atenção à Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Natália Rios, afirma que a preocupação da Prefeitura hoje é qualificar a rede, para só depois ampliar. "A perspectiva é muito boa, pegamos o serviço de saúde mental muito desorganizado. Estamos preocupados com a qualificação desses profissionais que estão entrando através da seleção pública, muitos não têm experiência", esclarece.

Apesar de não saber estimar a média anual de atendimento nos Caps e nem o déficit de profissionais, Natália afirma que a rede conta com 20 médicos para atender a demanda dos 14 Caps da Capital. Novos médicos estão sendo selecionados através da Cooperativa dos Psiquiatras do Ceará. Em relação aos medicamentos, assegura que a Secretaria já negocia com os fornecedores para que o abastecimento seja normalizado. Não existe, no entanto, prazo de quando a situação da saúde mental em Fortaleza deverá se normalizar.

No último dia 23, o Ministério da Saúde anunciou a liberação de R$ 50 milhões para a construção de Caps em todo o País. O intuito é expandir a Rede de Atenção Psicossocial (Raps) no Brasil. Para isso, os gestores interessados em construir Caps ou unidades de acolhimento deverão dar entrada no processo.

Caps 24 horas
Conforme Natália, a proposta da Prefeitura é ampliar os Caps para que todos passem a atender 24 horas. Atualmente, existem três neste perfil. E, apesar de somente três dos 14 Caps possuírem sede própria, a coordenadora disse que ainda não ficou definido se o município irá solicitar verba para a construção de novas unidades. "Isso ainda está sendo discutido", salienta.

Em todo o Ceará, existem 109 Caps. De acordo com a Secretaria da Saúde do Estado (Sesa), são oferecidos um total de 99 leitos psiquiátricos no Ceará. O destaque é para Sobral, que possui 17 leitos e Fortaleza, com 44.

LUANA LIMAREPÓRTER

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